quarta-feira, 24 de julho de 2013

Dilma perdeu popularidade, mas não a eleição

Maria Inês Nassiff: “Se Dilma não é a favorita, quem é?”



24 de Jul de 2013

Dilma perdeu popularidade, mas não a eleição



Maria Inês Nassiff



As manifestações de julho deixaram como saldo uma alta queda na popularidade da presidente Dilma Rousseff. Mas daí a tratá-la como derrotada em 2014 vai uma enorme distância. Dilma ganharia a eleição no primeiro turno, antes de julho. Após julho, leva no segundo turno. A situação política da candidata do PT, mesmo agravada por uma onda difusa de insatisfações, ainda é a de franca favorita.
Até as manifestações, Dilma se constituiu num fenômeno atípico de popularidade para uma petista. Tinha índices pouco menores que o do seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, quando este saiu do governo, mas curiosamente estavam espalhados por todas as faixas de renda, escolaridade e regiões do país. Ao longo de seu governo, o presidente mais popular da história do Brasil – mas que ainda assim ganhou um segundo mandato sendo obrigado a disputar o segundo turno – tinha simpatias concentradas na população de mais baixa renda. A partir de sua primeira eleição para a Presidência, em 2002, Lula transitou sua popularidade das faixas de mais para menos escolaridade também, em função das políticas sociais de seu governo, e deslocou o seu eleitorado do Sul e Sudeste para o Norte e Nordeste, regiões mais pobres do país. A partir do chamado escândalo do Mensalão, em 2005, perdeu massa eleitoral no Sul e Sudeste, que se tornaram redutos de votos mais conservadores. O Sudeste, hoje, é o grande suporte eleitoral do PSDB, principal partido de oposição.
Até o final do ano passado, Dilma conseguiu aumentar a sua popularidade para além da de Lula e para mais do que o PT costuma dispor em véspera de eleição. Alcançou um eleitor que o petismo deixou de dispor a partir do primeiro governo de Lula: com mais renda, mais escolarizado e morador de Estados mais ricos da Federação. Esse eleitorado mais expandido de Dilma, em relação ao de Lula e do PT, foi atraído pelo fato de a presidente ser mais distante do PT do que Lula, e pelo fato de ter assumido de forma mais visível para o público uma ação anticorrupção, com a demissão pronta de ministros denunciados pela grande mídia. No seu primeiro ano de governo, vitimou todos os ministros que foram objeto de denúncias pela mídia tradicional.
No primeiro ano de governo, portanto, Dilma conseguiu responder de forma mais eficiente que Lula ou o PT a um movimento de opinião pública alimentado pela mídia, pelos partidos de oposição e pela própria forma como o PT se comportou em relação aos dois primeiros – desde então, o partido se encolhe diante de qualquer acusação, referendando pela omissão à afirmação de que tem uma natureza eminentemente corrupta.  Em pesquisas feitas no começo do ano, no quesito intolerância com a corrupção, Dilma superava Lula e o PT de longe. Pode-se dizer que o eleitor fiel do PT e de Lula os considerava pouco rigorosos em relação à corrupção e até os perdoava, por considerarem que o governo de Lula trouxe outros benefícios mais tangíveis. Dilma era vista como apartada dessa realidade, uma governante que veio depois e não tinha nada a ver com a história que, há dez anos, persegue o partido como um fantasma  ressuscitado pela Justiça e pelos meios de comunicação nas vésperas de todas as eleições. Como o PT tem vencido todas, desde então, persiste no erro de considerar que a repetição do mantra PT-Lula-Mensalão-corrupção não interfere sobre o voto e nem tem o poder de contaminação sobre outras classes sociais que não as conservadoras, as mais sensíveis a uma ofensiva udenista que mistura discurso anticorrupção com a aversão à ascensão social das classes que estão na base da pirâmide social.
O fato é que o saldo das eleições municipais foi bom para o PT, apesar do julgamento do Mensalão. Mas, como era de se esperar, a decisão do calendário de julgamento produziu o seu saldo político. Ao final dele, o circo midiático montado dentro do Supremo Tribunal Federal conseguiu colar ainda mais o Mensalão em Lula e Dilma. O espetáculo proporcionado pelos ministros do Supremo, que jogaram réus aos leões em um julgamento cheio de falhas, teve um efeito contaminador da opinião pública que coroou a campanha sistemática da mídia e dos partidos de oposição nos últimos oito anos. O STF foi mais eficientemente politicamente do que os próprios partidos políticos de oposição.
A isso se somou uma grande queda nas expectativas da economia. As pesquisas de popularidade de Dilma antes das manifestações de julho são interessantes. A grande maioria dos entrevistados tem emprego e não tem receio de perdê-lo; não existe um alto grau de endividamento de suas famílias; e existe um reconhecimento de que a vida deles melhorou nos últimos anos. A expectativa em relação ao futuro e à renda, todavia, vem se deteriorando. Ou seja, os entrevistados reduziram suas expectativas em relação ao futuro não porque suas vidas pioraram, mas porque acham que  podem piorar. Parece mais uma ansiedade em relação às interpretações da mídia sobre a economia – em especial a Rede Globo, que continua a mais assistida no país – do que propriamente uma situação que interferiu no bem-estar deles. Em relação à classe média tradicional, todavia, existe um certo “achatamento” salarial e de expectativas – essas faixas da população não tiveram qualquer aceno de ascensão financeira nos últimos governos. A renda da classe média tradicional foi congelada na última década.
Esse conjunto de fatores, potencializado pelas manifestações de julho, acabou trazendo Dilma para uma realidade que foi a de todo candidato petista antes das eleições. Dilma incorporou faixas de rejeição tradicionais ao PT e a Lula: de renda alta e escolaridade alta e de regiões mais conservadoras. Lula, em 2006, viveu a mesma situação, disputou um segundo turno e venceu.
Nada indica que Dilma tenha condições mais desfavoráveis do que Lula – pelo menos não neste momento. Os programas sociais que elegeram Lula para um segundo mandato foram aprofundados em seu governo. O processo de desgaste que atingiu todo o quadro partidário neste mês de julho manteve a reserva de mercado de votos do PT, em torno de 25%, índice do qual parte qualquer candidato seu. A candidata que aparece em segundo lugar nas pesquisas de hoje, com chances de ameaçar sua vitória, é Marina Silva, que sequer um partido constituído tem. Marina herdou, aparentemente, os votos de maior renda e mais escolaridade que Dilma perdeu nos últimos meses, mas bandeiras mais progressistas de direitos civis, que atraem essas camadas que são conservadoras em outras áreas da política, terão pouco trânsito na campanha da candidata. Existe uma dificuldade intransponível para uma pessoa convictamente evangélica transitar temas como casamento de homossexuais, aborto ou pesquisas com células-tronco, por exemplo.
Dilma, enfim, não foi derrotada pelas ruas. Se aliados de conveniência querem pular fora já, podem estar cometendo um grande erro. A melhor forma de avaliar isso é: se não for Dilma a vitoriosa, quem vai ser? A resposta a essa pergunta mostra que a vida dos outros candidatos é muito mais difícil que a da presidente da República. 

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