Segunda-Feira, 22 de Julho de 2013
Paulo Nogueira Batista Jr. (*)
Estou em Moscou para reuniões do G20 e dos BRICS. A agenda dos encontros é vasta, como se depreende do comunicado ministerial do G20. Um tema se destaca, entretanto: o significado e as repercussões internacionais dos movimentos do Fed, por extenso “Federal Reserve System” – o Banco Central dos EUA. Desde maio, as declarações das autoridades monetárias americanas desencadearam grande turbulência nos mercados financeiros internacionais, particularmente nos emergentes, inclusive Brasil. Só muito recentemente, depois de várias tentativas, o Fed conseguiu tranquilizar os ânimos dos investidores.
Uma das ausências notáveis em Moscou: a de Ben Bernanke, o presidente do Fed. Ora, na atual conjuntura, uma reunião do G20 sem o presidente do Fed é como Hamlet sem o príncipe. Ele foi representado pela sua vice, Janet Yellen, mas mesmo assim a reunião de Moscou é para titulares. E o Fed deveria ser o último a escalar o time reserva nas atuais circunstâncias.
Bem sei que o Brasil não pode reclamar. Afinal, por motivos de força maior, bem conhecidos, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, não puderam vir a Moscou. Mas a ausência de Bernanke é sintomática de algo mais amplo: os EUA se comportam, ou parecem se comportar, como se não devessem explicações a ninguém. E muito menos consultas ou aviso prévio. O Fed toma medidas ou faz anúncios que repercutem, as vezes violentamente, no resto do mundo, em especial nos mercados emergentes. No entanto, o Fed se orienta exclusivamente, ou quase exclusivamente, por considerações domésticas. O mandato do Fed é doméstico, fixado por autoridades nacionais. O comportamento do Fed é consistente com esse arcabouço jurídico e político.
Duas ressalvas, porém. Primeiro, o que é o G-20 senão um foro em que as principais autoridades econômico-financeiras podem trocar experiências, realizar consultas e definir uma agenda comum? Se os governos dos EUA ou de outros membros do G20 evitam ou diluem a discussão de temas fundamentais, o esvaziamento do foro será inevitável.
Segundo, mesmo uma economia do porte da americana mantém extensas e crescentes ligações com as demais. Se as ações do Fed favorecem ou prejudicam outras economias, isso termina por afetar, num efeito bumerangue, a própria economia dos EUA. Assim, mesmo da ótica exclusivamente nacional, o Fed precisaria levar em conta os efeitos externos de suas políticas e anúncios. E deveria estar disposto a dialogar com os demais países em maior profundidade.
Sugiro ao leitor que dê uma busca por certas palavras nas atas das reuniões do Federal Open Market Committee – FOMC (o equivalente ao Copom). A íntegra das atas pode ser encontrada na página do Fed na internet. Vale a pena verificar quantas vezes aparecem palavras como “global”, “world” ou “foreign” . Na ata da última reunião do FOMC, um documento razoavelmente extenso, um dos meus assessores encontrou uma única e escassa referência a cada uma dessas três palavras. A ata contém um único e superficial parágrafo sobre o quadro econômico internacional e nenhuma análise sobre as repercussões externas da política monetária americana! Alias, a solitária referencia a “ world”, descobre-se, não é ao planeta mas a “real world” (mundo real) por oposição a abstrações...
Não é a toa, nem por acaso, que a economia internacional vive de crise em crise. Uma das razões fundamentais – apontadas insistentemente pela França, por exemplo, nos idos dos anos 60 do século passado – é a dificuldade de apoiar o sistema monetário internacional em uma moeda nacional. “Privilégio exorbitante”, dizia de Gaulle ao se referir à posição do dólar no sistema pós-Segunda Guerra Mundial. Passaram-se cinquenta anos desde que de Gaulle lançou suas diatribes e nada de fundamental mudou nesse particular. (Enquanto digito essas notas passa a meu lado um dos delegados americanos que sistematicamente obstrui a discussão desse tema no G20; a França, aliás, tentou destacar a questão durante a sua presidência do G20 em 2011 sem qualquer resultado substantivo.)
Em síntese, eis o que eu queria dizer: como pode alguém, em sã consciência, admitir que funcione a contento um “sistema” em que o emissor da moeda hegemônica parece se comportar, para todos os efeitos práticos, como se o resto do mundo não existisse? O Fed, ao redigir as suas atas, divulgar as suas intenções e definir as suas políticas, ignora solenemente os seus “parceiros internacionais” .
(*) O economista Paulo Nogueira Batista Jr., atual diretor executivo pelo Brasil e mais dez países no Fundo Monetário Internacional, escreverá, direto de Moscou, três artigos especiais para a Carta Maior sobre as reuniões do G20 e dos BRICS, expressando seus pontos de vista em caráter pessoal.
E-mail: paulonbjr@hotmail.com; twitter: @paulonbjr
Hamlet sem o príncipe
Paulo Nogueira Batista Jr. (*)
Estou em Moscou para reuniões do G20 e dos BRICS. A agenda dos encontros é vasta, como se depreende do comunicado ministerial do G20. Um tema se destaca, entretanto: o significado e as repercussões internacionais dos movimentos do Fed, por extenso “Federal Reserve System” – o Banco Central dos EUA. Desde maio, as declarações das autoridades monetárias americanas desencadearam grande turbulência nos mercados financeiros internacionais, particularmente nos emergentes, inclusive Brasil. Só muito recentemente, depois de várias tentativas, o Fed conseguiu tranquilizar os ânimos dos investidores.
Uma das ausências notáveis em Moscou: a de Ben Bernanke, o presidente do Fed. Ora, na atual conjuntura, uma reunião do G20 sem o presidente do Fed é como Hamlet sem o príncipe. Ele foi representado pela sua vice, Janet Yellen, mas mesmo assim a reunião de Moscou é para titulares. E o Fed deveria ser o último a escalar o time reserva nas atuais circunstâncias.
Bem sei que o Brasil não pode reclamar. Afinal, por motivos de força maior, bem conhecidos, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, não puderam vir a Moscou. Mas a ausência de Bernanke é sintomática de algo mais amplo: os EUA se comportam, ou parecem se comportar, como se não devessem explicações a ninguém. E muito menos consultas ou aviso prévio. O Fed toma medidas ou faz anúncios que repercutem, as vezes violentamente, no resto do mundo, em especial nos mercados emergentes. No entanto, o Fed se orienta exclusivamente, ou quase exclusivamente, por considerações domésticas. O mandato do Fed é doméstico, fixado por autoridades nacionais. O comportamento do Fed é consistente com esse arcabouço jurídico e político.
Duas ressalvas, porém. Primeiro, o que é o G-20 senão um foro em que as principais autoridades econômico-financeiras podem trocar experiências, realizar consultas e definir uma agenda comum? Se os governos dos EUA ou de outros membros do G20 evitam ou diluem a discussão de temas fundamentais, o esvaziamento do foro será inevitável.
Segundo, mesmo uma economia do porte da americana mantém extensas e crescentes ligações com as demais. Se as ações do Fed favorecem ou prejudicam outras economias, isso termina por afetar, num efeito bumerangue, a própria economia dos EUA. Assim, mesmo da ótica exclusivamente nacional, o Fed precisaria levar em conta os efeitos externos de suas políticas e anúncios. E deveria estar disposto a dialogar com os demais países em maior profundidade.
Sugiro ao leitor que dê uma busca por certas palavras nas atas das reuniões do Federal Open Market Committee – FOMC (o equivalente ao Copom). A íntegra das atas pode ser encontrada na página do Fed na internet. Vale a pena verificar quantas vezes aparecem palavras como “global”, “world” ou “foreign” . Na ata da última reunião do FOMC, um documento razoavelmente extenso, um dos meus assessores encontrou uma única e escassa referência a cada uma dessas três palavras. A ata contém um único e superficial parágrafo sobre o quadro econômico internacional e nenhuma análise sobre as repercussões externas da política monetária americana! Alias, a solitária referencia a “ world”, descobre-se, não é ao planeta mas a “real world” (mundo real) por oposição a abstrações...
Não é a toa, nem por acaso, que a economia internacional vive de crise em crise. Uma das razões fundamentais – apontadas insistentemente pela França, por exemplo, nos idos dos anos 60 do século passado – é a dificuldade de apoiar o sistema monetário internacional em uma moeda nacional. “Privilégio exorbitante”, dizia de Gaulle ao se referir à posição do dólar no sistema pós-Segunda Guerra Mundial. Passaram-se cinquenta anos desde que de Gaulle lançou suas diatribes e nada de fundamental mudou nesse particular. (Enquanto digito essas notas passa a meu lado um dos delegados americanos que sistematicamente obstrui a discussão desse tema no G20; a França, aliás, tentou destacar a questão durante a sua presidência do G20 em 2011 sem qualquer resultado substantivo.)
Em síntese, eis o que eu queria dizer: como pode alguém, em sã consciência, admitir que funcione a contento um “sistema” em que o emissor da moeda hegemônica parece se comportar, para todos os efeitos práticos, como se o resto do mundo não existisse? O Fed, ao redigir as suas atas, divulgar as suas intenções e definir as suas políticas, ignora solenemente os seus “parceiros internacionais” .
(*) O economista Paulo Nogueira Batista Jr., atual diretor executivo pelo Brasil e mais dez países no Fundo Monetário Internacional, escreverá, direto de Moscou, três artigos especiais para a Carta Maior sobre as reuniões do G20 e dos BRICS, expressando seus pontos de vista em caráter pessoal.
E-mail: paulonbjr@hotmail.com; twitter: @paulonbjr
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