terça-feira, 2 de julho de 2013

Doutores do anticomuni​smo

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Doutores do anticomunismo



Paulo Moreira Leite - Desde janeiro de 2013, é diretor da ISTOÉ em Brasília. Dirigiu a Época e foi redator chefe da VEJA, correspondente em Paris e em Washington. É autor dos livros A Mulher que era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão.



Em nota anterior, lembrei que há um  componente social evidente na discussão. O apoio à vinda dos médicos estrangeiros é maior entre os brasileiros de renda menor, que residem em regiões carentes – onde, simplesmente, não há médicos quando mais se precisa deles.
Outro aspecto é ideológico. Não temos um debate exclusivamente sobre saúde pública nem sobre garantias para a população mais pobre do país. Mas sobre o perigo comunista.
 
É ridículo, mas é verdade. Basta ler a imprensa nativa. 
 
Querem nos fazer acreditar que por trás do envio de médicos cubanos ao país encontra-se um plano do regime de Raul e Fidel Castro para exportar a influência de Havana para o Brasil.
 
Seria uma ideia plausível nos anos 1960 e 1970, quando Fidel realmente imaginou que poderia exportar suas ideias e seu regime. Ajudou grupos guerrilheiros, protegeu perseguidos, deu treinamento e aulas de luta armada.
 
O problema, em 2013, é que a própria Organização Mundial de Saúde tem dados que mostram que os médicos cubanos podem fazer um serviço útil à população carente de outros países. 
 
Conheci médicos cubanos em Caracas, em 2006, quando fui fazer uma reportagem sobre a Venezuela de Hugo Chávez.
 
Conversei com médicos venezuelanos que ridicularizavam os conhecimentos dos colegas cubanos, como se fossem maus alunos de faculdades de má qualidade.
 
Poucos anos antes, a Federação dos Médicos da Venezuela havia boicotado uma oferta de vagas abertas pelo governo de Chávez para atender à população carente (a história se repete...), o que havia levado à assinatura de um acordo para receber os profissionais cubanos.
 
Visitei um posto de saúde numa favela de Caracas onde moradores pobres  eram atendidos com dignidade e satisfação. Pessoas acidentadas tinham direito a fazer fisioterapia. Pacientes mais graves contavam com médicos por perto. Não me contaram. Eu vi.
 
Eu não me sentia no ambulatório de um grande hospital privado de São Paulo, mas estava num ambiente com muito mais equipamento e pessoal do que nossos postos de saúde. Não havia fila nem atropelos nem pacientes deitados numa maca à espera de atendimento. 
 
Embora tivesse feito uma visita surpresa, eu podia suspeitar que estava assistindo a um showzinho ideológico para correspondente internacional. Ninguém é bobo nessa matéria, vamos combinar. A saúde pública era um dos trunfos do governo Chávez e ninguém iria querer me mostrar seus efeitos.
 
Minhas dúvidas foram dissipadas depois de consultar os técnicos da Organização Mundial de Saúde. Entusiastas do programa de cooperação com os médicos cubanos, eles mostraram números conclusivos, que confirmavam os bons resultados da iniciativa.
 
Conforme o representante da OMS me disse, na época, em poucos anos o trabalho dos cubanos na área de medicina preventiva havia transformado o desempenho da Venezuela em inferior apenas ao do Brasil – muito superior aos vizinhos, nesse terreno. Os números de mortalidade infantil sofreram uma queda drástica, da mesma forma que o atendimento em vários centros disparou. Se a mortalidade por diarreia era 83 por 100.000 em 1996, fora reduzida a 30 por 100.000 em 2005. Os casos de pneumonia caíram de 30 por 100.000 para 16 no mesmo período. Embora fosse um processo evolutivo, anterior à chegada dos cubanos, as quedas mais significativas ocorreram quando eles se encontravam no país, quando as mortes desabavam.  
 
Avaliando este trabalho, a Organização Panamericana de Saúde, representante local da OMS, atestou que “na medida que os médicos e médicas cubanas começaram a tratar de pacientes, sua aceitação nos bairros foi crescendo. Como resolviam tanto casos agudos como crônicos, com resultados tangíveis na melhoria do estado de saúde das pessoas, as comunidades foram valorizando sua capacidade. “(Ver documento “Bairro Adentro, direito a saúde e inclusão social na Venezuela”, OPS, página 28). 
 
Referindo-se a um atendimento que não se via nos pontos remotos e miseráveis do país, uma auxiliar de enfermagem revelou que se tornou possível procurar atendimento a qualquer hora do dia ou da noite, “médicos que estão no dia a dia conosco, que sentem e vivem a pobreza conosco. Isso, para nós é o mais valioso.”(Bairro Adentro... página 29).
 
Diante de resultados tão evidentes, não consigo encontrar um motivo legítimo para se tentar impedir a vinda de médicos cubanos ao país.  Sei que eles não serão capazes, sozinhos, de curar todos os males de nosso sistema de saúde, mas é difícil negar que poderão prestar um auxílio muito necessário. 
 
Tampouco se pode dizer que trarão os mesmos benefícios, na mesma velocidade, na mesma quantidade.
 
Combater sua chegada, sem oferecer alternativas concretas, é uma iniciativa motivada por baixos interesses políticos e nenhuma sensibilidade social. De olho em 2014, aposta-se no “quanto pior, melhor”.
 
Para se reforçar o caráter ideológico da iniciativa, procura-se debater a vinda de médicos estrangeiros como se a iniciativa envolvesse apenas profissionais cubanos. O plano, na verdade, inclui médicos portugueses e espanhóis.  Mas como estes não combinam com o figurino do médico-guerrilheiro, evita-se mencionar sua presença. 

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