Carta Capital — 30/07/2013
Maioridade penal
Francisco se foi, vamos falar de juventude?
Por Dal Marcondes
Até poucos dias antes da chegada do papa Francisco ao Brasil a pauta de juventude não era bucólica e carregada de mensagens de paz e esperança. Pelo contrário, era alto o brado pela redução da maioridade penal e fortes os ataques ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que garante direitos a uma das pontas frágeis da sociedade. Para a mídia, em geral as crianças e jovens são vistos sob duas óticas: como consumidores ou como infratores. Não há uma reflexão nos meios de imprensa sobre o papel dos jovens na sociedade enquanto atores capazes de oferecer a energia que alimenta as utopias ou pessoas com grande capacidade para inovar e propor caminhos, alternativas e novas tecnologias. A abordagem da imprensa dos fatos de uma sociedade não é feita pela ótica da normalidade, daquilo que é a rotina do cotidiano, mas da exceção. Ou seja, quando um adolescente comete um crime bárbaro aquilo é martelado à exaustão nos canais de TV e jornais, principalmente porque a anomalia é notícia e, portanto, vende mais, atrai mais público. A repetição da anomalia cria na sociedade uma falsa sensação de que aquilo é corriqueiro, que os crimes cometidos por jovens são a maioria e que eles precisam se punidos.
Por outro lado, o tratamento desqualificado e muitas vezes brutal recebido por jovens encarcerados em instituições que deveriam garantir seus direitos à educação, saúde, moradia e outros é fato corriqueiro, portanto, deixa de ser notícia. Não é abordado pela mídia, a não ser em casos de rebelião, quando novamente a exceção rompe a barreira da rotina e exige seu espaço nas manchetes. O debate sobre a maioridade penal deveria ser mais abrangente, envolvendo uma discussão ampla sobre as políticas voltadas para a juventude em todo o Brasil, nas questões de educação, saúde e moradia, mas principalmente em relação ao acesso dos jovens a oportunidades, principalmente de trabalho.
Há ritos de passagem que não estão acontecendo, a sociedade não oferece as necessárias oportunidades para que os jovens ascendam ao mundo adulto com dignidade. Anos atrás as principais portas para os jovens ao mundo do trabalho eram através de cargos que atualmente não existem mais, foram extintos em função de uma modernidade e eficiência duvidosa. Uma dessas portas era especial, pois abria para um corredor de oportunidades. Era o cargo de office boy, ou garoto do escritório, que atuava como um assistente de tarefas gerais e era, também, um aprendiz. O office boy fazia um milhão de coisas, e a mais importante era conhecer pessoas, ele conhecia as secretárias das empresas, falava com muita gente, aprendia a se mover na cidade e no universo corporativo, cavava oportunidades.
Foram trocados por motoboys, jovens que correm o dia todo em motocicletas e morrem pelas ruas em troca de minutos de rapidez. Uma estatística do Superior Tribunal do Trabalho mostra que existem cerca de 1,2 milhão de jovens trabalhando como motoboys no Brasil, sendo que 500 mil apenas em São Paulo. Os acidentes com esses jovens já custaram ao Sistema Único de Saúde (SUS) cerca de 100 milhões de reais nos últimos três anos. As estatísticas do governo mostram que para cada motociclista morto no trânsito há outros 20 que sobrevivem aos acidentes, mas irão carregar sequelas.
As políticas de inclusão de jovens devem ter maior abrangência e ir fundo na oferta de serviços que ajudem a mitigar carências materiais e de acesso às oportunidades. Debater a maioridade penal é importante, porque a sociedade precisa entender o porquê das garantias que o ECA dá aos jovens. Os jovens de 18 a 24 anos são o maior grupo por faixa etária da população carcerária de pouco mais de meio milhão de presos no Brasil. Eles representam 30% do total de detentos, enquanto os jovens de 25 a 29 anos somam 26% dos presos no Brasil. Ou seja, mais da metade da população carcerária do país já é composta por jovens.
Agora que o papa Francisco se foi e que a Jornada da Juventude chegou ao fim, é uma boa hora para retomar o debate sobre como a sociedade brasileira trata seus jovens. Educação, saúde, habitação, oportunidades...
Da Envolverde
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