sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Nossos sonhos não cabem em nenhum banco


Sexta-Feira, 14 de Outubro de 2011

"Contra o poder financeiro, político, militar e midiático"


Eduardo Febbro - Direto de Bruxelas para a Carta Maior

A sede da revolta europeia contra o sistema financeiro, as oligarquias que conservam o poder em caixas fortes, a impunidade, a democracia sequestrada por um punhado de privilegiados e os grandes grupos de comunicação que pintam a realidade segundo a multinacional a qual pertencem está em Bruxelas. Há uma semana, centenas de indignados vindos de toda a Europa se instalaram na capital belga para participar da Ágora Internacional Bruxelas, uma antessala da manifestação mundial que será realizada neste sábado, dia 15 de outubro. O maior perigo que nos ameaça é a passividade”: essa é a consigna com a qual trabalha todos aqueles que vieram a Bélgica através de uma marcha de 1.200 quilômetros que consta de três frentes: a Marcha Meseta, que saiu de Madri, a Mediterrânea, que saiu de Barcelona, e a Marcha Toulouse, que saiu desta cidade do sul da França.

A medida que passaram os dias convergiram para Bruxelas indignados da Grã-Bretanha, Grécia, Alemanha, Itália, Irlanda, Noruega, Dinamarca, Suécia, Holanda e Portugal. Os caminhantes chegaram a Bruxelas com um tesouro nas mãos: O Livro dos Povos. Na marcha em direção a Bélgica, os indignados realizaram nas localidades visitadas assembleias populares nas quais recolheram as queixas, ideias e reflexões dos habitantes.

Miguel Ángel, um dos protagonistas da Marcha Mediterrânea, ressalta que “ninguém ficará surpreso com a universalidade dos problemas recolhidos no Livro dos Povos. Desemprego, corrupção, desperdício do dinheiro público, aumento dos impostos, diminuição dos investimentos em saúde e educação, problemas ambientais. Esses são os problemas do Universo”. O livro dos povos será apresentado às instituições europeias com a mesma filosofia que desprende de um grafite pintado em um muro de Bruxelas: “nossos sonhos não cabem em vossas urnas”. Como diz um cartaz da organização ATTAC: “não somos mercadorias nas mãos de políticos e banqueiros”.

Logo de saída, o movimento dos indignados rechaçou o convite do Parlamento Europeu. A Eurocâmara os convidou mas, em uma carta remetida na quinta-feira, os indignados lembram que no Livro dos Povos “estão as vozes esquecidas” e incitam os europarlamentares a participar “de maneira horizontal” nas assembleias que eles organizam. A meta, em princípio, foi difícil de concretizar em Bruxelas. Do mesmo modo que em Madri. Barcelona, Paris, Nova York ou Washington, o braço rígido do liberalismo esperou os indignados com um severo dispositivo policial.

Assim que chegaram à capital belga e se instalaram no Parque Elisabeth foram desalojados pela polícia com um forte aparato militar. A Ágora Bruxelas Internacional que deveria ser realizada ali terminou com a prisão de dezenas de pessoas até que as autoridades municipais instalaram os indignados no edifício da HUB, Hogeschool-Universiteit Brussel. Ali vivem confinados há uma semana.

Os cartazes escritos em vários idiomas testemunham o espírito que rodeia esse encontro que, ao longo da semana, debateu e elaborou propostas sobre os problemas do planeta. ‘Bem vinda dignidade”, “Resistir não é um crime”, “Seja você mesmo a mudança que quer para o mundo”, “Regras para nós, ouro para eles”, dizem as consignas. Pierre, um indignado francês que partiu de Toulouse, celebra o apoio popular recebido ao longo do caminho e repudia as operações policiais: “as pessoas se aproximam de nós, nos animam, dão água, comida, compartilham nossos problemas. Na verdade, estamos todos no mesmo barco: sem trabalho, pagando aluguéis de mansão por um apartamento que é uma caixa de fósforos, com salários ridículos e um sistema financeiro cujos delinquentes seguem livre e festejando a catástrofe que provocaram. Foi uma marcha dura, a cada dia tendo que encontrar um lugar onde comer e dormir. Além disso, a maioria dos indignados são pessoas que estão sem trabalho, temos poucos recursos, mas seguimos adiante”.

Sábado, 15 de outubro, é o grande dia. Depois da Jornada Internacional do Anticapitalismo realizada dia 12 de setembro em Bruxelas, o sábado é o dia de ir “juntos por uma mudança global”. “A resposta das pessoas superou nossas expectativas”, diz Irene, uma jovem integrante da Ágora Internacional Bruxelas. As cifras falam por si só: 900 cidades do mundo, de 93 países, responderam ao chamado. O manifesto elaborado para este 15 de outubro, traduzido em 18 idiomas, incluindo o hebraico e o japonês está acessível na página http://15october.net/pt e destaca que “os poderes estabelecidos atuam em benefício de uns poucos, ignorando a vontade da grande maioria, sem se importar com os custos humanos ou ecológicos a pagar. É preciso por um fim a esta intolerável situação”.

Jon Aguirre Such, porta-voz de Democracia Real Já, da Espanha, explica que as manifestações mundiais e a concentração emblemática em Bruxelas, são feitas contra quatro poderes: o financeiro, o político, o militar e o midiático. Bancos, agências de classificação de risco, paraísos fiscais, dirigentes políticos, a OTAN e os grandes grupos de comunicação encarnam o lado obscuro da modernidade. Mais profundamente, o eurodeputado irlandês Paul Murphy, integrante do grupo Confederação da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica no Parlamento Europeu, destacou a forma pela qual as revoluções árabes influenciaram as mobilizações no Ocidente: “as revoltas do mundo árabe nos ensinaram o poder do povo”.

Daí a proposta dos organizadores das marchas para quando alguém se aproxima e pergunta: “quem está por trás disso tudo”. A resposta é muito simples: “eu”. Todos esses “eu” já estão no Twitter (#soy150) explicando por que chegou a hora de lutar pela mudança: “porque acredito na humanidade e em sua capacidade de mudar o mundo”, escreve Blanca Mundele. Paco Arnau escreve no Twitter: “porque é preciso apontar os culpados: grandes empresários e banqueiros, e não só seus lacaios na política e no governo”. Lily anota: “porque já é hora de despertar de uma vez e mudar, tomar decisões próprias em vez de deixas que as tomem por nós”.

A coordenação mundial do 15-O elaborou um mapa interativo das marchas mundiais (http://map.15october.net/). A página do 15-O no Facebook também oferece muita informação adicional sobre um evento que, nos últimos dias, acelerou sua densidade planetária (https://www.facebook.com/15octobernet?sk=wall).

Cegos e surdos ante à desigualdade, a pobreza, a destruição do planeta, o crime financeiro, a exploração dos trabalhadores, a eliminação das classes médias, a fome, a corrupção e a impunidade, os poderes do mundo terminarão algum dia renunciando frente à onda de protestos. Esse é o sonho de Jean Claude, de apenas 17 anos, um estudante belga que pintou em um muro do centro da cidade uma mensagem com futuro: “o que dizemos hoje, será trovão amanhã”.

Bruxelas: uma oficina social
As mensagens que circulam no Twitter tornam-se realidade em Bruxelas. “Indignados, na rua, em vez de calar a boca, é melhor uma oficina a céu aberto”, diz um cartaz colocado na porta da sede do banco BNP Paribas, onde os indignados organizaram uma oficina a céu aberto sobre o tema “As mulheres da Europa são as verdadeiras credoras da dívida pública”. Segundo os promotores da oficina, a crise e os consequentes planos de austeridade não farão senão aumentar as já visíveis desigualdades de gênero.

Na Bélgica, por exemplo, as diferenças salariais entre homens e mulheres de alta qualificação chegam a 21%. Alfred, um indignado francês que se uniu à marcha dos indignados em Tolouse, explica: “as mulheres pagaram pela crise mais do que qualquer outra categoria. A pobreza faz delas as primeiras vítimas, as demissões nas empresas sempre começam por elas e que vem aí não indica nada melhor”.

As assembleias populares dos indignados contam com convidados “não gratos”, segundo a expressão de Jan Slangen, membro da Ágora de Bruxelas: “Está cheio de policiais à paisana que supervisionam nossas assembleias. Isso se parece cada vez mais com um Estado policial”, disse Slagen, irritado. O tema central das marchas e das oficinas irrita os poderes europeus. Como ocorreu quando os indignados do sul chegaram a Paris, onde muitos foram detidos e brutalmente golpeados pela polícia, em cada lugar há uma calorosa recepção popular e uma mobilização policial desproporcional.

Jordi, um militante de Barcelona, acredita que “eles têm medo de nós, medo de que isso se aprofunde. Viemos reclamar tudo o que falta e denunciar os privilegiados: “democracia direta na Europa, fim do monopólio dos tecnocratas que elegemos. Queremos que as oligarquias políticas que guardam o poder a sete chaves se dissolvam”.

Tradução: Katarina Peixoto

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