Sexta-Feira, 28 de Outubro de 2011
A jangada de pedra e o desencontro em Assunção
Mauro Santayana
O arrogante Rei de Espanha e seu primeiro ministro José Luiz Zapatero desembarcaram na madrugada de hoje (28/10) em Assunção para participar de um fiasco. A Reunião Ibero-Americana, que deveria acolher 22 países, não contará, este ano, com a metade deles. Os principais países da América do Sul: Brasil, Argentina, Uruguai (os três membros do Mercosul), Colômbia e Venezuela não estarão presentes com seus chefes de Estado, e serão representados por seus chanceleres, como deferência ao presidente Lugo. Além dos espanhóis, a presença mais notável é a dos presidentes do México e do Chile. Essas reuniões, uma invenção nostálgica de Madri, nunca trouxeram resultados práticos, a não ser em favor das elites espanholas, que voltam a viver do saqueio de nosso continente.
Provavelmente a última reunião será a marcada para a cidade espanhola de Cádiz, no ano que vem. A escolha da cidade é emblemática: de lá partiu Colombo para descobrir o novo mundo.
Quando se sucederam, em poucos meses, o fim do salazarismo e a morte de Franco, pensadores ibéricos discutiram o futuro da península, a partir de uma dúvida: deveriam buscar a integração política com a Europa ou somar-se à América Latina? Franco e Salazar haviam colocado a região em uma espécie de intervalo histórico. Sua neutralidade ativa, em favor dos alemães e italianos, acarretava uma mauvaise conscience, que impelia Madri e Lisboa a reafirmar sua vassalagem aos vitoriosos, mas significava a esperança de encontrar aliança conveniente com as antigas colônias.
Já com a Revolução dos Cravos em Portugal – e a partir de uma perspectiva da esquerda – teóricos como Ernesto de Mello Antunes defendiam uma aproximação maior com o Brasil. A mesma posição foi a de Mário Soares. O fato é que a península se encontrava espiritualmente atônita, entendendo que a Europa do norte estendia aos dois estados o desdém que dedicavam aos trabalhadores que, tangidos pela fome, migravam para trabalhar na Alemanha, na França, na Inglaterra e na Bélgica.
Dessa perplexidade José Saramago retirou o tema de um de seus mais belos romances, A Jangada de Pedra, em que narra a imaginada ruptura geográfica da Península Ibérica, a partir de uma fenda nos Pirineus, e a transformação de Espanha e Portugal em uma ilha, flutuante e à deriva no Atlântico, em busca da identidade perdida. A metáfora é perfeita do ponto de vista geopolítico: a Península não faz parte da Europa, mas tampouco lhe é possível anexar-se à América.
Há, apesar disso, a realidade incômoda para nós, brasileiros. Usando recursos públicos, em grande parte subsídios da União Européia, empresas portuguesas e espanholas, capitaneadas pelo Banco Santander, e com financiamento do governo brasileiro – durante o nefasto consulado de Fernando Henrique – apossaram-se de empresas estatais brasileiras. Nos outros países de antiga colonização hispânica ocorreu a mesma coisa. Os lucros são transferidos em sua totalidade – sem dedução para a ampliação e melhoria de seus serviços - para os acionistas espanhóis, e estão ajudando a manter na superfície a jangada de pedra de Saramago.
Cresce, na América Latina, ao mesmo tempo em que os países se integram nos mecanismos regionais, a consciência de que é necessário confirmar a independência de há 200 anos, e fechar as fronteiras econômicas a esse desembarque dos fidalgos de Castela. Duas notícias recentes, e contrárias a essa constatação, servem ao nosso aborrecimento. Uma delas é a decisão do Carf, de isentar o Santander de multa no valor de quase 4 bilhões de reais, imposta pela Receita Federal. Outra, a do BNDES, de conceder empréstimo de 3 bilhões à Telefônica de Espanha, para investimentos. Enquanto isso, a Telebrás está sendo sabotada por outras empresas estatais, que lhe negam o acesso às suas infovias, que lhe permitiriam estabelecer o sistema nacional e barato de banda larga.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
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