Outro triunfo do modelo sulamericano
Martín Granovsky
A Argentina chega a sua sétima eleição em 28 anos de democracia em uma situação inédita. Como diz o consultor Enrique Zuleta Puceiro, “desta vez não há crise no momento das eleições”. Por isso as eleições presidenciais não colocam em jogo como sair da crise nem como a Argentina pode escapar de um abismo. “Os cidadãos não entregam um cheque em branco a seus dirigentes, mas votarão com absoluta tranquilidade e expressarão que estão elegendo Cristina Fernández de Kirchner para que ela conduza a Argentina na solução dos problemas pendentes”, explica Zuleta.
A presidenta obteve nas primárias obrigatórias de 14 de agosto 50,2% dos votos. Segundo a empresa Poliarquía, que não trabalha para o governo, poderia obter entre 52 e 56% dos votos neste domingo. A diferença em relação ao provável segundo colocado, o socialista moderado Hermes Binner, poderia chegar a 40 pontos. Se esse for o resultado final, a Argentina viverá uma experiência inédita.
Cristina encabeçará o terceiro turno do kirchnerismo a frente de uma coalizão heterogênea, mas consolidada. Néstor Kirchner assumiu em 2003 depois de ter saído do primeiro turno das eleições com 22% dos votos. Não houve segundo turno. Carlos Menem abandonou a disputa quando soube pelas pesquisas que perderia por 65%. Desde aquele momento o primeiro governo eleito pelo voto popular após a crise do neoliberalismo de 2001 construiu legitimidade mediante a renovação da Corte Suprema, a reestruturação (com uma substancial redução no pagamento realizado posteriormente) da maior dívida da história financeira do país, uma política econômica baseada no crescimento da demanda popular e uma marcada sintonia com o governo Lula e o resto dos estados da América do Sul.
Kirchner terminou seu mandato com 70% de popularidade e, em 2007, Cristina o sucedeu com 45%, o dobro de votos obtido em 2003. A construção política kirchnerista cambaleou em 2008 com a disputa em torno dos direitos de exportação com os setores do agronegócio, que resultou na perda de apoio entre os setores médios da população. Em 2009, recebeu um alerta com a derrota legislativa no Estado de Buenos Aires, que representa mais de 35% do eleitorado. Mas Cristina conseguiu que a crise do Lehman Brothers não impactasse mortalmente a Argentina. E fez isso sem recorrer a ajustes. Pelo contrário: estatizou os fundos privados de aposentadoria e criou uma bolsa universal para cada criança, de efeitos reparadores e estimuladores.
Também enviou ao Congresso e submeteu à discussão nacional até conseguir a maioria parlamentar, uma nova lei de serviços de comunicação audiovisual. O regime legal, aprovado em outubro de 2009, determina o fim dos monopólios em televisão aberta, TV a cabo e rádios. A lei não regula conteúdos como faz a nova legislação do Equador, nem tem jurisdição sobre a imprensa escrita. Cristina, além disso, conseguiu que o Congresso aprovasse seu projeto de despenalizar as calúnias e injúrias dos jornalistas contra funcionários do governo.
Se as pesquisas estiverem certas, os resultados eleitorais mostrarão um mapa político assombroso. Os votos somados de Cristina e de Binner representarão de 70 a 75% dos votantes. A direita não encontrou expressão partidária. Sua principal figura potencial, o prefeito da cidade de Buenos Aires, Mauricio Macri, decidiu preservar-se de uma derrota e não está competindo. Sonha com o fim da onda de centro-esquerda para as eleições de 2015. É uma eternidade: nesta data terão se completado 12 anos seguidos de governos baseados no modelo sulamericano de inclusão e reforma.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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