sábado, 23 de outubro de 2010

Itamar Assumpção - O Pretobrás é nosso!

Folha de São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2010
O Pretobrás é nosso! 

FERNANDO DE BARROS E SILVA

SÃO PAULO - Chega de conversa mole. Lero-lero, lero-lero, lero-lero. Hoje aqui não tem política, tem cultura. Não tem eleição, tem Beleléu. Não tem Petrobras, tem Pretobrás.
A obra de Itamar Assumpção (1949-2003) acaba de ser reunida na "Caixa Preta" (selo Sesc), com 12 CDs. Dois são inéditos. Recolhem canções que Itamar deixou gravadas, com voz e violão, pouco antes de morrer, aos 53 anos. Os produtores Beto Villares e Paulo Lepetit fizeram os arranjos e chamaram vários convidados. O que se ouve é pérola negra da cultura brasileira.
De 1980 a 2010, do Nego Dito ao Pretobrás, pela primeira vez se pode ter a noção (e audição) de conjunto dessa obra extraordinária.
Escrevendo no encarte da "Caixa Preta", Arnaldo Antunes diz que Itamar tirava "o máximo do mínimo". E explica: "Itamar expandiu os limites da canção, com novos procedimentos (compassos irregulares, frases atonais, incorporação da fala no canto, dissonâncias, mistura de gêneros, formações instrumentais inusitadas), que, conjugados ao apelo de melodias certeiras, com algo de reggae, toada ou moda de viola, e de um swing arrebatador, fizeram-no encarar o contraste entre o popular e o experimental".
Não é sempre uma música palatável. Seus estranhamentos e a reflexão reiterada sobre si mesma solicitam dos "prezadíssimos ouvintes" uma atenção menos frouxa.
Não há lugar para inocência na obra de Itamar. Ela nasce, na virada dos anos 70/80, contemporânea à de Arrigo Barnabé, desafiando a indústria do entretenimento que então se expandia. Antevia o rumo fácil que a cultura iria tomar e testava os limites da canção popular num ambiente policiado (não mais pela ditadura, mas pelo mercado).
A teatralização da música, tão marcante em Itamar e Arrigo, é um recurso crítico, pelo qual eles -autores e personagens- são atores denunciando a nós e a si mesmos.
Temos, enfim, a caixa-preta. Mas ouça com cuidado, ouvinte hipócrita, semelhante meu, meu irmão!

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