sábado, 23 de outubro de 2010

70 mil vezes Pelé

Pele


Viva o nosso Rei! Parabéns, Pelé!

E muito obrigado por todos os momentos sublimes que nos proporcionou!

Ivan

Jornal do Brasil, 23 de outubro de 2010

70 mil vezes Pelé


Por Marcos Caetano 


Já contei que nutro sentimento de inferioridade por pertencer a uma geração que não viveu a seresta e a bossa nova, as chanchadas e o cinema novo, que não enfrentou ditaduras, fez poucas passeatas e, principalmente, não acompanhou a epopeia do tricampeonato mundial do Brasil. Meu pai foi um homem com sentido histórico. Ele fez questão, por exemplo, de me manter acordado para assistir pela televisão à transmissão das missões lunares. "O homem está caminhando na lua, filho. Lembre-se de que você viu isso ao meu lado", disse ele, em 1969. Por causa disso, hoje eu ainda recordo até a cor do sofá da sala da pequena casa de vila, em Madureira, onde me deslumbrei com o tal passo pequeno para um homem, mas gigantesco para a humanidade. Lamentavelmente meu pai não teve a mesma perspectiva em relação ao futebol. Temendo tumultos no Maracanã, ele me deixou em casa no dia em que Pelé marcou o milésimo gol e no jogo que marcou sua despedida da seleção.
Não o condeno, meu saudoso velho - que morreu tão moço! -, pela decisão, mas o fato de não ter visto Pelé em ação certamente agravou minha inferioridade. Amar o futebol sem ter visto aquele gênio envergando a imaculada camisa branca de uma equipe interiorana que ele transformou em gigante ou a camisa amarela de uma seleção que ele transformou em lenda é algo inconcebível. Valho menos, porque não vi o chapéu que Pelé aplicou nos galeses; porque não testemunhei o Rei desmaiar após marcar o gol que extinguiu nosso complexo de vira-latas; porque não acompanhei os lindos gols que fez em 70 - nem os gols extraordinários que perdeu; porque não comemorei sua cabeçada contra a Itália nem o passe para Carlos Alberto concluir o maior concerto de futebol da história; porque não vi o gênio de braços abertos como um Cristo de Dalí, despedindo-se da torcida santista; e porque, ainda por cima, pertenço a um tempo de jogadores arrogantes e sem identificação com seus clubes.
Meu sentimento sobre Pelé é que sua superioridade técnica, física, tática e criativa em relação aos demais era tão avassaladora que, ainda hoje, se entrasse em campo, realizaria prodígios. Entretanto, a maior façanha de Pelé para mim é justamente o fato de ser Pelé e sobreviver a isso. Outros craques, grandes até, mas que quando comparados ao Rei assemelham-se a meninos, por muito menos se perderam no turbilhão da fama. Um homem que possui o rosto mais conhecido do planeta há tantas décadas ter permanecido mentalmente são é algo além do meu entendimento.
Se a façanha atlética de Fidipedes - que há 2.500 anos correu de Maratona a Atenas para dizer aos atenienses que eles tinham vencido a batalha contra os persas - ecoa até os dias de hoje, acho que o próprio futebol acabará antes que acabe a legenda de Pelé. Porque, se impérios e batalhas como a de Maratona acabam se perdendo na poeira da história, grandes heróis são eternos. O Rei comemora hoje 70 anos. Pois comemorará 70 mil. Otimista, acredito que no futuro a beleza, a inteligência e a elegância valerão mais que a força bruta. Edson Arantes do Nascimento é, assim, um herói de uma nova era, cujos feitos serão lembrados para sempre. Parabéns, meu Rei. Obrigado. E saiba desculpar meu pai, que não me levou ao estádio para ver Michelangelo pintar o teto da Capela Sistina. 

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Estado de São Paulo OnLine, 23 de outubro de 2010 | 0h 02

Os 70 anos do Rei do Futebol


Wilson Baldini Jr.
SÃO PAULO - Quarta-feira, 20 de outubro de 2010, 7h30. Os professores de Educação Física Laércio e Walter se preparam para mais uma aula com os alunos do Ensino Fundamental 1 do Colégio Madre Alix, em São Paulo. Antes da corrida inicial, uma pergunta para os garotos e meninas de até 6 anos de idade. "Quem conhece o Pelé?" A resposta das crianças é rápida e decidida, como era característica do maior jogador de futebol de todos os tempos: "Eu, eu, eu." Em 2007, na entrega do Prêmio de Melhor do Mundo da Fifa, em Zurique, Suíça, Kaká, Messi e Cristiano Ronaldo disputavam o 1.º lugar, mas quem chamou a atenção do seleto público foi Edson Arantes do Nascimento.
Domicio Pinheiro/AE - 20/11/1969
Domicio Pinheiro/AE - 20/11/1969

Pelé e sua tradicional comemoração de gol, com o pulo e o soco no ar; marca muito valiosa no mundo

São dois exemplos da imortalidade de um personagem esportivo que se transformou na maior marca pessoal do esporte já existente, e que hoje completa 70 anos de vida. Sem chutar uma bola profissionalmente desde 1977, Pelé permanece com credibilidade, respeito e admiração por parte do público, o que o torna alvo predileto dos mais diversos tipos de produtos para os quais negocia quantias milionárias e assim liga sua imagem a comerciais para todos os tipos de mídias pelo mundo. Um estudo dos autores ingleses Des Dearlove e Stuart Crainer, especialistas em poder das grifes, diz que a marca Pelé poderia atingir US$ 1 bilhão, superando os astros Michael Jordan, Tiger Woods e Muhammad Ali.
Levantamento recente da revista Dinheiro, aponta que, para se explorar a marca Pelé nos próximos 20 anos, seriam necessários R$ 600 milhões, o que garantiria ao Rei do Futebol R$ 30 milhões anuais, o mesmo que Cristiano Ronaldo recebe para defender o Real Madrid. O salário do português é o maior do futebol. Ibrahimovic, do Milan, Messi, do Barcelona, Samuel Eto’o, da Internazionale, e Kaká, do Real Madrid, na ordem, ficam atrás do eterno camisa 10 do Santos e da seleção.
Mas o que faz Pelé ser diferente de outros grandes ídolos do futebol, que também já pararam e, com o tempo, perderam parte da aura que acumularam em suas carreiras? Muitos especialistas indicam que o maior "golaço" do Rei não foi nenhum dos 1.281, que estufaram as redes adversárias em duas décadas. Mas sim ter ido jogar nos Estados Unidos em 1975, defender o Cosmos, de Nova York. Além dos salários de US$ 4,5 milhões por ano (excepcionais para a época) e a divulgação de um esporte com pouco interesse na terra do Tio Sam, Pelé teve a oportunidade de conviver com grandes investidores dos EUA, que lhe abriram as portas para vantajosos contratos publicitários. Há tempos, Pelé sonha com a aposentadoria. Mas parece que essa disputa ele não vai vencer nunca.
O MELHOR DO MUNDO. O meio esportivo debate, frequentemente, qual o melhor atleta de cada modalidade. No futebol, não é diferente. As discussões são eternas, e jamais haverá consenso. "Ninguém teve maior domínio de bola que Diego Maradona", apontam os argentinos. "O conhecimento tático de Johan Cruyff foi indiscutível", assinalam os holandeses. "Não existiu alguém que driblasse como Garrincha", apontam os botafoguenses. "Nenhum jogador teve a classe e categoria do francês Zinadine Zidane", reverenciam os franceses. "Zico foi o maior cobrador de faltas da história", anunciam os flamenguistas. Pois bem, cada grupo ressalta o que cada um de seus ídolos fez de melhor em sua carreira.
Nessa briga de opiniões, os brasileiros, principalmente os torcedores do Santos, se sentem à vontade para destacar que o futebol de Pelé foi inigualável. Isto porque o eterno camisa 10 conseguiu realizar todos os fundamentos sempre muito bem feitos. Sabia driblar curto, carregar a bola (sem olhar para ela) em uma velocidade quase sempre superior à de seus marcadores. Tocava a bola e finalizava a gol com a mesma precisão e potência com ambas as pernas. Tinha total controle sobre ela e seu passe, na maioria das vezes, deixava seus companheiros na cara do goleiro adversário. Como herança de seu pai, Dondinho, sabia cabecear de olhos abertos, para procurar o local mais longe do alcance dos goleiros. Tinha técnica para cobrar faltas e até se apresentava com totais condições para atuar no gol. Enfim, Pelé conseguiu reunir a habilidade para realizar todas as características que cada um dos gênios citados anteriormente conseguia fazer.
Este dom lhe proporcionou atingir marcas que se transformam a cada dia cada vez mais intransponíveis. Pelé não foi o único a atingir a marca de 500 gols. Chegou aos 1.281. O detalhe é que tal feito, o 500o. gol, foi atingido aos 21 anos e dez meses, enquanto Romário só foi alcançar aos 31 anos e Bebeto, aos 35.
E mais. Em 1958, temporada em que completou 18 anos, apenas a sua segunda pelo time do Santos, Pelé anotou 58 gols só no Campeonato Paulista. Três anos depois, chegou à marca impressionante de 111 gols numa temporada, com média de 1,48 gols/jogo.
Em 21 anos de carreira (1956 a 1977), Pelé somou 59 conquistas. Foram dez Campeonatos Paulistas, seis torneios nacionais (Taça Brasil ou Roberto Gomes Pedrosa). Campeão da Libertadores e do Mundial Interclubes em 1962/1963, o Santos só não venceu mais estas duas competições, porque não era dada muita atenção para estes torneios. A diretoria santista da época preferia levar a equipe para excursões no exterior, onde muito dinheiro era pago a cada apresentação de Pelé e Cia.
Além do talento e das conquistas, Pelé sempre soube valorizar suas aparições e cuidar de sua imagem. Sempre simpático, jamais se negou a dar um autógrafo para um fã ou responder a uma pergunta de um repórter. Vinculou seu nome a centenas de produtos, mas jamais se vendeu a bebidas alcoólicas ou cigarros.
Tal postura, sempre sorrindo, fez com que todos os presidentes dos Estados Unidos se encontrassem com o Rei de um esporte não muito apaixonado pelos norte-americanos. Os papas Paulo VI e João Paulo II o receberam no Vaticano. A rainha Elizabeth II chegou a quebrar o protocolo e fazer um pedido para que o maior craque de todos fosse atuar pelo seu time do coração, o Liverpool.
Por isso, pode-se discutir os melhores em cada fundamento do futebol, mas não há discussão quanto àquele que soube ser o melhor juntando-se todos eles.

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