segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

O ano em que os imbecis venceram






Extra Classe, 26/12/16



O ano em que os imbecis venceram


Por Moisés Mendes



Em 1944, quando os nazistas deixaram a França, depois de mais de quatro anos de ocupação, perguntaram ao cineasta Jean Renoir como ele definiria aquele período. Renoir, que havia fugido do nazismo para os Estados Unidos, disse que muitos poderiam ver os franceses mais acovardados, mais amedrontados ou mais brutalizados. Mas ele, olhando de longe, achava que os franceses estavam mesmo mais imbecis pela ação ou omissão de intelectuais, jornalistas e artistas.

Daqui a alguns anos, poderemos fazer a mesma pergunta, não aos outros, mas a nós mesmos, sobre o período que chegou ao auge em 2016 no Brasil e que ninguém sabe quanto tempo poderá durar. Por antecipação, dá para dizer que nos prepararam nos últimos anos para que sejamos todos imbecis. E que a imprensa tem papel decisivo nessa empreitada.

Na França, as perguntas incômodas com o fim da ocupação eram estas: o que se faz agora para entender o colaboracionismo? Como olhar para os que atenderam aos apelos dos nazistas para que colaborassem com a imposição de seu domínio? Os franceses chegaram a planejar julgamentos, mas desistiram. Não haveria, em muitas circunstâncias, como separar omissão, silêncio, distanciamento ou apoio declarado aos que ocuparam o país, perseguiram e mataram.

Quem colaborou ou se calou – e muitos da imprensa, da universidade e das artes fizeram isso – teve o argumento de que não havia, como admitiu Sartre, como fazer parte da resistência declarada sem ao mesmo tempo condenar-se à morte. No Brasil pós-golpe de 64, sem querer comparar contextos e circunstâncias, um argumento semelhante foi usado pelos que se aliaram à ditadura.

Havia na França ocupada pelo nazismo e no Brasil tomado pelos militares nos anos 1960 a imposição da força e do terror fardado. Os que se aliaram ou colaboraram têm esse pretexto, inclusive a imprensa. Poucos dos que sobreviveram, lá e aqui, perfilados com os regimes no poder, admitiram depois que emporcalharam a própria reputação e as reputações e a vida de parentes e amigos. Adesistas não cedem com facilidade à tentação de serem sinceros e honestos consigo mesmos e com os que os rodeiam.

Mas o Brasil das exceções de 2016, do golpe e da ascensão de um governo ilegítimo não está sob ameaça de nenhuma força militar. O ano de 2016 pode ter nos deixado mais imbecis por uma sequência de desatinos levados adiante com naturalidade.

Não há nazistas e militares a fazer ameaças. Políticos, empresários, procuradores, juízes, jornalistas e outros que ainda contribuem para a imbecilização do país não sofreram nenhum constrangimento da força para aderir ao projeto de produzir idiotas. A linha de montagem da imbecilidade é civil.

Mas quem irá se arrepender da contribuição ao projeto para que o país seja idiotizado? Quem bateu panelas sabe hoje o que de fato pretendia? Ou seguiu um pato pela Avenida Paulista? Ou apoiou Janaína Paschoal, ou aplaudiu Lobão, ou considerou a hipótese de que a democracia poderia (como ainda pode) ser trocada por uma eleição indireta?

Qual é a dimensão do drama pessoal do ex-presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, que presidiu as sessões do Senado em que foi decidida a cassação do mandato de Dilma Rousseff?  Que força jurídica inquestionável e superior determinou que o chefe da mais alta Corte do país se submetesse aos ritos e às vontades de um Congresso corrupto e golpista? Por que Lewandowski não se indispôs com a liturgia da farsa e não se declarou impedido de levar adiante o processo do golpe?

Por que o país foi conivente até agora com as agressões do deputado Bolsonaro às mulheres? Quem um dia irá se arrepender (em especial os liberais brasileiros) de ter sido silencioso diante dos excessos da Lava-Jato? Com a transformação da prisão preventiva em masmorra desmoralizadora de candidatos a delator? Com o recorde de processos (cinco), decididos em tempos recordes, contra o ex-presidente Lula? Com a vergonhosa impunidade dos corruptos tucanos.

O Brasil ficou mais imbecil em 2016 porque muitos colaboraram com os que articularam as ações de desqualificação da política, de esvaziamento das eleições e de destruição das conquistas da Constituição de 1988. E não há nada, como havia no nazismo e havia na ditadura, não há nenhuma força excepcional que justifique omissões, acovardamentos e colaborações com o golpe e com a sequência de fatos que o consolidam.

O jornalismo estará um dia diante do que lhe cabe no balanço final do processo de imbecilização do país. Na cumplicidade com a manutenção de Eduardo Cunha até a execução do golpe. Nos aplausos ao homem do Jaburu usurpador do cargo de presidente. Na concordância com os desvios de conduta do juiz Sergio Moro. Na participação no processo de seleção de vazamentos que ajudaram a idiotizar desinformados e a empoderar golpistas.

O jornalismo imbecilizador não estava, como estiveram os que enfrentaram o nazismo e a ditadura, sob nenhuma pressão insuportável. Desta vez, a imprensa brasileira contribuiu por conta e risco para a transformação de 2016 no ano da idiotia. A imprensa foi uma das idealizadoras e executoras do projeto de destruição das esquerdas e da democracia e de preservação de todos os envolvidos no golpismo.

Não precisamos esperar que um dia alguém nos diga que em 2016 o jornalismo dito ‘independente’ foi protagonista do plano de imbecilizar o Brasil. E o projeto em curso ainda está longe do que foi idealizado com a ajuda de jornalistas que deveriam denunciá-lo e destruí-lo.


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Jornal GGN, 26/12/16




Para que serviu a “merrequinha” recuperada pela PF?


Por Armando Rodrigues Coelho Neto



Alertado por um colega da PF, fui pesquisar uma entrevista do ministro Dias Toffoli, um graduado funcionário da ex-suprema corte (minúsculas propositais), exibida por um canal do golpista sistema Globo de Televisão. O registro do alerta deve-se ao fato da audiência zero que há anos decretei às vozes e imagens dos Marinhos. Na entrevista, Toffoli afirma que as decisões daquela corte e não só dela, mas de todas existentes mundo afora, devem levar em consideração fatores políticos, econômicos e sociais.

Foi lamentável não ter sido a ele perguntado, se não é ou seria constrangedor para o judiciário, adotar essa postura quando aqueles fatores decisivos são ou foram artificialmente criados em conluio com mais de 300 parlamentares suspeitos de crime. Obviamente, a emissora dos Marinhos, como parte atuante do Golpe de 2016, não se vê promovendo essa artificialidade que segundo aquele barnabé entrevistado, deve ser levada em conta nos julgamentos de uma instância, contra a qual não cabe qualquer recurso. Aliás, Globo não se vê sequer quando condena a sociedade que ela alimenta, promovendo seus bandidos de estimação.

Quando se fala em circunstâncias artificialmente criadas, de pronto vem à lembrança a inédita reprovação das contas da Presidenta Dilma Rousseff (Fora Temer), em condições casuísticas. Afinal, as contas de seus antecessores apresentam e apresentavam as mesmas características daquelas “inquinadas”. Do mesmo modo que o falso crime atribuído à Dilma, poucos dias depois foi descriminalizado. Mais ainda quando gravações divulgadas tornaram públicos os podres pilares do golpe, nos quais até o nome do STF aparece enlameado.

Uma fala ou outra de Toffoli foi aproveitável e tecnicamente didática, quando, por exemplo, explica a relatividade de uma liminar, falso conflito entre um julgamento monocrático e um coletivo. Outro ponto é quando explica remédios jurídicos como o habeas-corpus, que serve para corrigir erros e arbitrariedades cometidos por delegados, promotores, juízes de primeira instância. E, no contexto, lembra operações policiais anuladas por vícios cometidos em primeira instância. Quais?

Foi mesmo uma pena que o entrevistador, afilhado dos Marinhos, não tenha demonstrado o menor interesse sobre os vazamentos da Farsa Jato - nunca sequer apontados, quanto mais investigados ou freados.  Bom lembrar que vazamentos, quebra de sigilo, abuso de poder, suposto conluio com a imprensa serviram de base para a demissão do delegado federal Protógenes Queiroz, durante a Operação Satiagraha, que investigava o grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas.

Por que a lembrança do ex-delegado Protógenes Queiroz? Simples. Ele foi demitido por haver cometido, supostamente, um crime (também supostamente) praticado todos os dias pelo juiz Sérgio Moro, de forma irrefreada e impune. Nesse sentido, foi estranho o silêncio sobre o tema, tanto por parte do jornalista quanto por parte do entrevistado. A Polícia Federal empenhou-se ao extremo para ver aquele delegado na rua e, sem piedade, sem qualquer análise conjuntural, o STF endossou o trabalho da golpista PF.

Na mesma linha, o adiantamento de votos por parte de ministros da ex-suprema corte, o partidarismo do judiciário, o ativismo jurídico no tribunal de exceção de Curitiba não despertaram o menor interesse. O teatrinho (Perdão, doutor Aragão) seguiu passo a passo o formalismo ministerial e o cinismo do jornalismo estilo Marinho. Nem mesmo quando Toffoli foi taxativo ao afirmar que simples delação não configura prova, a conversa avançou. Formalista, o barnabé ajustou o termo, pois prefere “colaboração premiada” - o mais correto.

Como dito, a conversa não andou. Delações não são provas mas, quando vazam, além de configurarem crime em si, podem caracterizar outro que é a obstrução da justiça. Além disso, gera mais crime ao destruir reputações dos inimigos dos Marinhos. Desse modo, criados artificialmente os monstros e inimigos do povo, os colegas de Toffoli “não podem ignorar o clamor público”. Entretanto, as consequências políticas e econômicas por ele apregoadas caem por terra, diante dos prejuízos sociais, políticos e econômicos criados pela Farsa Jato.

Como bem lembrado pelo ex-ministro da Justiça Aragão nesse GGN, a Farsa Jato festeja uma “merrequinha” de R$ 2 bilhões recuperados, que aliás, até agora só serviu mesmo para pagar a conta de luz da sede da PF, em Curitiba.

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