Brasil Debate, 12/12/16
A reação liberal-conservadora contra a Petrobras e
o Pré-sal
Por
William Nozaki
No entanto, de forma oportunista, o atual governo golpista tem se valido dos desdobramentos da Operação Lava Jato para fazer a opinião pública crer que o combate à corrupção deve ser feito por meio não do saneamento e do aperfeiçoamento dos instrumentos de governança da empresa estatal, mas sim do desmanche da Petrobras.
Uma vez mais, por trás dos argumentos de combate à corrupção, escondem-se interesses que atentam contra a soberania nacional e em favor de ganhos exorbitantes para o capital privado internacional e de ganhos curto-prazistas para alguns setores do capital privado nacional.
A atual estratégia para a condução do setor de petróleo, confeccionada pelo governo Temer, materializa o espírito liberal-conservador de todo o governo. Entre 2003 e 2014, principalmente até 2011, a política do setor petrolífero seguiu uma visão mais heterodoxa privilegiando um conjunto de ações para fortalecer e integrar uma série de cadeias da indústria nacional – metal-mecânica, naval, petroquímico, biocombustíveis etc. –, utilizando a Petrobras como o principal agente indutor dessas ações.
Nesse sentido, a política de conteúdo nacional, a transformação da empresa numa companhia fortemente verticalizada de energia e a forte expansão dos investimentos foram aspectos fundamentais para a consecução dessa estratégia. Junto dessa política, encontra-se também uma mudança na regulação do setor com a criação de novas regras de exploração e produção, principalmente após a descoberta do pré-sal.
A descoberta do pré-sal em 2007 foi considerada uma das ações estratégicas mais importantes do setor petrolífero. Apenas uma das reservas, a de Libra, anunciada em 2010, tinha volume superior à de todas as reservas brasileiras de petróleo à época.
O pré-sal foi recebido pelo governo Lula como um elemento fundamental para a soberania do país, e a lei que regulamentou sua exploração determinava que os royalties (compensação financeira paga pelos produtores em troca do direito à extração do petróleo) deveriam ser investidos em educação e saúde. De acordo com a regra vigente até hoje, todos os poços do pré-sal devem ser explorados obrigatoriamente sob a liderança da Petrobras, que deve atuar como operadora única.
Em suma, a nova legislação do setor e a atuação a Petrobras assumem um papel central para a geração de riqueza e articulação da economia nacional no longo prazo. Os investimentos de longuíssimo prazo e elevada diversificação da Petrobras permitem que a empresa exerça um papel contracíclico no longo prazo, isto é, por meio das diversas cadeias integradas de produção, a empresa dinamiza diferentes setores da economia.
Nesse cenário, cabe ressaltar que a existência de funding para o financiamento dessas cadeias é um instrumento complementar e fundamental para o sucesso dessa política. Além disso, a nova legislação do pré-sal permite que o Estado Nacional, em detrimento da lógica de curto prazo e fortemente direcionada pela maximização de ganhos do mercado, controle a forma de exploração deste recurso considerando a evolução do preço do petróleo, da demanda internacional, entre outros, além de gerar uma expansão da renda em outros setores. Assim, a exploração do pré-sal fica condicionada aos interesses de longo prazo, ao invés da lógica de maximização curto-prazista.
Com a gestão Temer-Parente, essa visão se altera profundamente. A lógica passa a ser exclusivamente de curto prazo, desprezando os desafios de longo prazo, a fim de atender dois objetivos: valorizar os ativos da empresa o mais rápido possível e gerar caixa para readequar os indicadores financeiros da companhia aos bons parâmetros estabelecidos pelo mercado.
Em outras palavras, perde-se o sentido de olhar a Petrobras no longo prazo, uma vez que o sucesso financeiro de curto prazo levaria “naturalmente” ao êxito num período mais longo. Nesse sentido, duas ações ganham grande relevância: i) o desinvestimento de negócios menos rentáveis ou mais “afastados” do core da Petrobras e; ii) condução das políticas financeiras da empresa – determinação do preço do combustível e condução do grau de endividamento, por exemplo – alinhada às boas práticas do mercado.
Outras duas iniciativas que complementam essa estratégia são o desarranjo da Petrobras como centro indutor da indústria e a mudança da legislação do pré-sal – que desobriga a participação da Petrobras no consórcio de exploração do pré-sal. Novamente, busca-se maximizar o retorno de curto prazo, ou seja, a Petrobras fica desobrigada de fomentar cadeias nacionais – mesmo que não seja financeiramente mais rentável no curto prazo – e a exploração do pré-sal passa a ser conduzida num ritmo mais acelerado dada a disponibilidade de recursos das empresas do setor.
Portanto, os desinvestimentos, a alteração do papel de indutor da Petrobras e a mudança de legislação do pré-sal compõem um mesmo pacote: valorização dos ativos no curto prazo e adequação da atuação da empresa e do setor petróleo às boas práticas de mercado. Com isso, ganha espaço uma visão de que todas as ações devem sinalizar ganhos de curto prazo e liberdade de atuação de qualquer agente econômico, independente do papel estratégico do setor.
Sob o pretexto de solucionar um problema de curto prazo, o endividamento da Petrobras, a reação liberal-conservadora afronta as possibilidades de construirmos, no médio e no longo prazo, um projeto baseado em um Estado soberano e em um desenvolvimento industrial e tecnológico nacional.
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