quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Duas escolas nota 10






CartaCapital, 29/12/16



A receita simples da cidade que melhor educa no País



Por Luisa Frey



A cada nome anunciado no pátio da escola, novas palmas, gritos e assobios. O que à primeira vista poderia parecer a comemoração pelo resultado de uma competição esportiva era na verdade a premiação da 19ª Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica. Quinze medalhas foram entregues a alunos da Escola Municipal Maria Luiza Fornasier Franzin, em Águas de São Pedro, no estado de São Paulo, a cidade com melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de educação do Brasil.

"Em três anos, conseguimos mais de 30 medalhas", conta a professora de Geografia Tatiana Heidorn. Com uma colega, ela preparou todos os alunos da escola, do quinto ao nono ano, para a olimpíada, com aulas interativas e multidisciplinares. "Acredito que esse tipo de projeto nos diferencie de outras escolas."

Águas de São Pedro pontua 0,825 no quesito educação do IDH. Medido pela ONU, o índice vai de 0 a 1 e leva em conta escolaridade da população adulta e o fluxo escolar da população jovem, ou seja a taxa de evasão. Em termos gerais, levando em conta também renda e longevidade, a cidade fica atrás apenas de São Caetano do Sul, também em São Paulo.

A cidade é pequena, tem apenas 3,2 mil habitantes, e, com seus 3,6 quilômetros quadrados, é o segundo menor município do Brasil em área. Todo mundo se conhece. Quando um aluno falta, alguém da escola vai à casa dele para saber por que – e isso faz com que a taxa de evasão seja praticamente zero.

Famosa por suas águas medicinais, Águas de São Pedro vive do turismo. A tranquilidade e a qualidade da educação vêm atraindo novos moradores. Somente do ano passado para este, 81 novos alunos se matricularam na rede municipal. Ela engloba uma creche e duas unidades de ensino fundamental, que são as únicas opções na cidade. No total, são 605 alunos.

No prédio que abriga 203 alunos do quinto ao nono ano do ensino fundamental, inaugurado em 2000 e ainda em perfeito estado, também funciona a Secretaria Municipal de Educação. Nos últimos anos, o município destinou cerca de 27% do orçamento à área – mais do que o mínimo de 25% previstos na Constituição. A escola de Ensino Médio da cidade é administrada pelo governo estadual.


Paradoxo social

Márcia Marques Cruz, mãe de uma aluna do sexto ano, se mudou de São Paulo para Águas de São Pedro em busca de qualidade de vida. Ela chegou à cidade em 2009, antes de o IDH municipal, referente a 2010, ser divulgado.

Depois de bancar uma escola particular na capital, Cruz decidiu colocar a filha mais nova na escola pública. E não se arrepende. "Nem todas as escolas particulares têm tudo o que tem aqui: robótica, culinária, judô, natação, tênis, psicólogo, fonoaudiólogo. Se uma escola em São Paulo proporciona isso, é extracurricular, e é preciso pagar", diz a administradora de empresas.

Como a rede pública é a única opção em Águas de São Pedro, crianças de todas as faixas de renda estudam juntas. "Aqui tem do filho do jardineiro ao filho do empresário. Isso não se vê em outras escolas", diz Cruz.

"Normalmente filho de empresário vai para escola particular, aqui em Águas é tudo misturado. As crianças crescem todas juntas, não têm preconceito", completa Lucélia Francisco, mãe de aluno e funcionária da cozinha da escola.

João Pontes, coordenador pedagógico da unidade, diz que há ali alunos de todas as classes sociais, da A à E. "Trabalhar com composição heterogênea é a grande riqueza e o grande desafio ao mesmo tempo", afirma ele, nascido em Águas de São Pedro e ex-aluno da escola.

Além do IDH, a cidade também se destacou nos últimos anos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que leva em consideração a taxa de aprovação escolar e o desempenho na Prova Brasil. A nota da quarta série ou quinto ano subiu de 4,8 em 2005 para 7,0 em 2005. No último ano do ensino fundamental, passou de 4,3 em 2005 para 5,6 em 2015. A nota 6 corresponde ao sistema educacional de países desenvolvidos.


Comunidade envolvida

O envolvimento dos pais é fundamental, e conseguir isso é mais difícil entre as famílias de baixa renda, diz Pontes. Regularmente há atividades para as famílias aos sábados, e hoje já há um grupo de cerca de 50 pais que participam ativamente da vida escolar.

Cruz faz parte dele. Como voluntária, ela deu aula de culinária durante dois anos – atividade hoje sob responsabilidade de estudantes de gastronomia do Senac. Ela é uma espécie de fiscal da escola, controlando periodicamente a qualidade da merenda e dos materiais.

"Quanto mais pais participam, melhor. Acho que a dificuldade de escolas públicas serem de primeira linha é a falta de interesse dos pais", diz.

Pontes concorda: "A escola pública em condições normais está muito enfraquecida, é preciso trazer olhares de fora: pais, parcerias com empresas, universidades, terceiro setor – assim se consegue oferecer na escola pública coisas que não se conseguiria só com a verba disponível."


Tecnologia e controle de evasão

Além do Senac, a Fundação Telefônica é uma importante parceira, tendo doado 400 tablets e notebooks como parte do projeto Escolas Inovadoras. A tecnologia também está presente nas aulas de robótica, que fazem parte da grade curricular para os alunos do sétimo ano e são elegíveis para os do oitavo e nono ano.

Divididos em grupos de quatro, os alunos têm a tarefa de montar um protótipo diferente a cada aula, com peças de Lego especiais. Desta vez, o desafio era fazer uma catapulta funcionar. Concentrados, eles programam o robô no computador, e comemoram quando uma bolinha é arremessada com sucesso.

A professora de robótica é Heidorn, a mesma que prepara os alunos para a Olimpíada de Astronomia nas aulas de Geografia. Quando questionada sobre o que nessa escola tão particular – numa cidade tão pequena – pode servir de exemplo para outras, ela responde:

"Você começa a ver mudanças a partir do momento em que a equipe escolar é unida, em que se consegue trazer os pais para a escola, e todo mundo junto pensa na melhor forma de ensinar."



http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-escola-de-onde-os-alunos-nao-querem-sair




CartaCapital, 29/12/16



A escola de onde os alunos não querem sair



Por Roberta Jansen




Do alto do pátio da Escola Municipal André Urani dá para ver, olhando para baixo, o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar e a Lagoa, ícones da cidade rica. Para cima, surge a comunidade da Rocinha – a maior do país, com quase 70 mil habitantes, símbolo da desigualdade.

"Tem até um muro ali, tá vendo?", aponta o aluno João Paulo do Nascimento, de 14 anos. "Ele simbolicamente divide a cidade em duas."

"E nós estamos bem no meio, entre elas", acrescenta o também estudante João Victor Luiz, de 15 anos.

A metáfora da cidade partida não poderia ser mais apropriada, sobretudo partindo das observações e conclusões dos dois meninos.

A escola, onde estudam 240 adolescentes da Rocinha e comunidades vizinhas, é um Ginásio Experimental de Tecnologias Educacionais (Gente) – uma parceria da Prefeitura com a iniciativa privada, cujo objetivo é testar metodologias de ensino inovadoras. 

Aqui, não existe quadro negro, nem carteiras individuais. Desaparecem as turmas tradicionais, surgem os times, que reúnem, em um grande salão, alunos do sétimo, oitavo e nono anos. A internet não é proibida, pelo contrário, ela é parte central do aprendizado.

Munidos de computadores e livros, os estudantes se sentam em mesas hexagonais, uns de frente para os outros, e estudam juntos. Na verdade, eles seguem planos de estudo personalizados, disponíveis em seus laptops, mas contam com a ajuda dos colegas e de suas próprias pesquisas online. Tudo isso sob a monitoria de professores de diferentes disciplinas.

"Um médico do século 19 que chegasse hoje a um hospital não conseguiria fazer absolutamente nada, porque tudo mudou", compara o diretor-presidente da Fundação Telefônica-Vivo, uma das empresas parceiras da escola. "Mas um professor não, é basicamente a mesma coisa. Ou seja, temos escolas do século 19 para alunos do século 21. As escolas inovadoras são muito poucas."


Laboratórios como estímulo

Nos chamados laboratórios, mais parecidos com as salas de aula tradicionais, os jovens recebem um reforço de conteúdo nas disciplinas em que apresentam mais dificuldades. São sete horas dentro da escola – duas a mais do que as escolas brasileiras oferecem em média – e ninguém parece ter pressa de ir para casa.

"Só mais meia hora", pedem os alunos da professora de Português Luana Rezende, que transformou o ensino da língua em um divertido jogo. "Por favor!" A turma só se convenceu a descer para almoçar depois que Luana prometeu retomar o jogo exatamente do mesmo ponto, na semana seguinte. "Eu estou muito cansada, gente", justifica ela, orgulhosa, o sorriso de orelha a orelha.

No total, são 16 professores trabalhando em tempo integral na escola. Nos projetos especiais, os alunos trabalham com várias disciplinas ao mesmo tempo. Foi assim ao longo da última semana de outubro, por exemplo, quando eles estudaram o Halloween, tanto nas aulas de inglês quanto de história, e, por fim, fizeram uma festa.

Foi assim também que eles estudaram o nazismo, construindo uma maquete de Auschwitz, no laboratório de ciência, e escrevendo cartas, nas aulas de história, como se fossem prisioneiros do campo de concentração em 1944. "Temos cartas de judeus, claro, mas também de comunistas, de ciganos, de todos que estiveram presos no campo", explica João Paulo.


Silêncio e concentração

A escola experimental atende alunos do sétimo ao nono anos apenas. Eles vêm de escolas tradicionais na própria comunidade e, depois, seguem estudando em lugares convencionais.

"No começo, é difícil", conta a diretora da André Urani, Marcela Oliveira. "Eles chegam aqui esperando receber ordens, querem que a gente resolva os problemas. Por outro lado, quando percebem que têm autonomia, deixam de fazer os trabalhos, começam a burlar as regras. Depois, com a orientação dos mentores, eles vão se adaptando."

A adaptação é surpreendente. Em toda a escola, reina um silêncio inesperado para um local repleto de adolescentes. Mesmo na hora do recreio, o burburinho é mínimo.

"Eles são adolescentes, continuam sendo, mas têm autonomia, não precisam mostrar toda a sua indignação", explica Marcela. "Daí o silêncio que você está vendo."

Os alunos se entristecem ao falar de sua saída eminente da escola.

"Estamos tentando convencê-los a fazer uma sala de aula extra para que possamos continuar aqui", diz João Victor.

"Não queremos ir embora de jeito nenhum", garante João Paulo.

Resignados, no entanto, eles fazem planos de voltar em dez anos.

"Eu vou ser professor de História", conta João Paulo.

"E eu de matemática", arremata João Victor.

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