segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

A farsa do Papai Noel e o processo penal







Canal Ciências Criminais, 19/12/16




​​
A farsa do Papai Noel e o processo penal



Por Daniel Kessler de Oliveira




Esta época do ano é momento de confraternização, de festejos, de união e, também, de reflexão. Neste espaço de discussão que o Canal Ciências Criminais me cede, buscarei a reflexão a partir do espírito natalino sobre diversos problemas que insistem em permanecer no ambiente do processo penal e do direito penal.

Não trarei aqui a versão natalina a partir de celebrações, festejos e uniões, não por não achar isto de suma importância, mas por compreender que o local ocupado neste espaço é mais afeito à questão reflexiva.

E, aproveitando o ensejo natalino, me valho do exemplo trazido por Alexandre Morais da ROSA (2015, p. 103), que inspira o título da presente coluna, onde, referindo Luis Alberto Warat, coloca que em terra onde todos acreditam em Papai Noel, ninguém recebe presente no natal.

Ora, o que o célebre professor está tratando com esta afirmação é o fato de que, para que o mito se crie, alguém precisa saber da farsa, ou seja, alguém precisa colocar os presentes na árvore e vestir-se de bom velhinho para que as crianças sigam crendo na imagem do Papai Noel e em toda a sua fantasia.

Bom, mas o que, realmente, isto tem a ver com as Ciências Criminais? Tudo.

Querem nos levar a crer que o proibicionismo nas questões da Drogas é a medida adequada para que possamos combater o tráfico de drogas.

O exemplo do fracasso que tivemos com uma década de maior rigor contra a comercialização de drogas não foi o suficiente para que enxergassem que este não é o caminho.

Nunca se prendeu tantos traficantes, nunca se direcionou tanto o aparato penal do Estado em desfavor deste crime e nunca o tráfico foi tanto e tão equipado e violento.

Prendemos pessoas por traficar drogas e as colocamos em um local onde podem consumir e comercializar livremente estas substâncias, sob as grossas vistas do Estado. Curioso, não? Contraditório, no mínimo.

Mas para que falar de presídios? Nos vendem a ideia de que os Direitos Humanos só servem para defender bandidos e que não se deve investir em melhores condições nas cadeias, quando o “cidadão de bem” não tem hospital nem saúde.

Primeiramente, uma coisa não exclui a outra (ou não deveria), ninguém defende fechar hospital para colocar presídios, do mesmo modo que não queremos hotéis cinco estrelas para apenados, mas tão somente que as pessoas consigam entender que não adianta insistirmos apenas na prisão se não tivermos condições adequadas de colocar um indivíduo para cumprir a sua pena.

Não se trata apenas de invocar a dignidade humana (o que deveria justificar por si só), uma vez que sabemos que, infelizmente, na civilização do século XXI este argumento não sensibiliza grande parte das pessoas, não se trata, também, de invocar o cumprimento da lei e da Constituição, pois aquela serve ao bel-prazer do intérprete e com esta, ninguém mais se importa! Entretanto, pensar em nossa segurança, exige que pensemos no sistema prisional.

Devemos saber que insistir na prisão por si só é seguir apostando num sistema que se retroalimenta (LOPES JR) e que fomenta cada vez mais violência, ou seja, entregamos os presídios para as grandes facções e queremos seguir depositando mais soldados para os seus “exércitos” e seguimos acreditando que estamos fazendo o certo.

Seguimos acreditando no discurso da impunidade e que as nossas leis são muito brandas e que precisamos mudar toda a nossa legislação retirando as inúmeras vantagens que o sistema concede ao Acusado.

Interessante que somos a terceira população carcerária no mundo e mesmo assim, insistem em afirmar que “ninguém é preso no Brasil”.

Temos um sistema onde o juiz pode decretar uma prisão preventiva quando quiser, pois a legislação lhe permite com conceitos vagos e simples uso de argumentos genéricos, mesmo não previstos em lei (antecedentes, gravidade do crime e etc) e esta pode se arrastar por um tempo indeterminado, podendo atingir prazos superiores ao que eventual pena em regime fechado apresentaria para o indivíduo.
Mas, ainda assim, nos afirmam que a nossa legislação processual é extremamente benevolente.

Talvez possa ser com os grandes delatores, aqueles que com penas superiores a 15 anos conseguem prisões domiciliares, mas certamente, não o é com o público alvo do Direito Penal.

Devemos acreditar que os fins justificam os meios e que não poderemos mudar o estado de coisas se seguirmos obedecendo friamente os dispositivos legais e a nossa Constituição, nesta visão utilitarista do processo penal, as garantias fundamentais são um entrave ao alcance da “justiça”.

Justiça esta que no senso comum teórico (WARAT), vem sempre associada a uma ideia de condenação, só se atingiu a justiça em um caso penal quando chegamos a um condenado, sendo a sentença absolutória sempre fruto de algum “esquema”, de uma atuação de algum advogado “trambiqueiro” com um juiz corrupto ou fruto da impunidade que nossas leis carregam.

Devemos acreditar que estas garantias, como a presunção de inocência, não nos dizem respeito, pois elas servem apenas para defender bandidos e que eu não devo me importar com elas, afinal, quem não deve, não teme.

Enfim, muitas são as crenças que tentam nos enfeitiçar, muitos são os mitos que tentam nos fazer crer, mas, ao fim e ao cabo, a algo ou a alguém isto deve servir.
Conduzir o pensamento social para um dualismo, onde não há espaço para diálogos e sim para imposições.

Reduzir a complexidade dos problemas sociais a questões maniqueístas, do tipo é contra está errado, é a favor está certo, sem espaço para ponderações e reflexões sobre os efeitos de cada uma das escolhas.

Historicamente, estas foram práticas adotadas em regimes totalitários para que o pensamento social pudesse ser guiado em desfavor de um inimigo e que, a partir disto, pudessem ser empregadas as “medidas salvadoras”, em nome da ordem social, do são sentimento do povo e por aí vai.

Neste sentido a sempre precisa lição de Rui Cunha MARTINS (2013, p. 31):

O fascismo não precisa de uma “marcha”espetacular sobre alguma capital para se instalar, basta-lhe uma decisão aparentemente anódina de tolerar um tratamento ilegal dos inimigos. Eis por que podemos encontrar sinais de advertência ameaçadores em situações de paralisia política frente a uma crise, conservadores ameaçados em busca de aliados mais duros, dispostos a prescindir do devido processo e do império da lei e que buscam apoio de massas mediante a demagogia nacionalista e racista.

Portanto, que não sejamos ingênuos, que não acreditemos em tudo aquilo que nos afirmam, que não percamos a capacidade de questionar e de refletir muito sobre os problemas que nos tocam, que não nos conformemos com situações simplistas e não nos acomodemos no reducionismo.

Alguém está por detrás de toda a farsa e, diferente do Natal, aqui a nossa omissão ingênua de crer naquilo que querem que acreditemos, não será compensada com um presente na árvore, mas com consequências que não sabemos ao certo mensurar.

Um ótimo Natal a todos!

REFERÊNCIAS

MARTINS, Rui Cunha. A Hora dos Cadáveres Adiados: Corrupção, Expectativa e Processo. São Paulo: Atlas, 2013.

ROSA, Alexandre Morais da. Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. 2. Ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário