quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Não negocie jamais com o Diabo







Justificando, 5 de dezembro de 2016


O fascismo avança



Por Geraldo Prado*



Os fascistas são pessoas comuns… estão ao nosso lado, convivemos com eles, inicialmente conferimos pouca importância ao fato de serem incapazes de compreender a complexidade da vida e das relações humanas, o caráter plural da existência.

Não é raro até mesmo acharmos graça da ignorância que expressam com tanta autoridade… até que explode a violência.

A violência fruto da intolerância é, há um tempo, o elemento de identificação do fascista e o sinal de alerta de que, absorvida pelo corpo social e normalizada por aqueles que têm o dever de contê-la, já os fascistas não são poucos, organizam-se e reverberam sua estupidez sob o olhar concordante ou condescendente de grande parcela da sociedade.

De todas as consequências produzidas pela ação política de Deltan Dallagnol aquela que é sua responsabilidade direta e pela qual haverá de responder politicamente consiste em insuflar a violência em um quadro de expansão do fascismo.

Dallagnol está obcecado pela “luta contra a corrupção” a ponto de capitanear o ataque mais frontal e escancaradamente anticivilizatório à Constituição de 1988, por meio de propostas que vergonhosa e falsamente divulga como sendo de “enfrentamento à corrupção”.

O fascismo infiltra-se na democracia, vale-se de extratos do discurso democrático para ampliar o leque de influência das ideias de homogeneidade do corpo social, que claro são convite a “expulsar” os diferentes desse “corpo” hipoteticamente salutar, maculado pelos que não professam as mesmas ideias.


​O jurista/historiador
António Hespanha, em seu ‘O Caleidoscópio do Direito’, no campo específico da formação dos juristas, adverte para os cuidados que devemos ter se quisermos de fato viver em democracia. O alerta vale para todas as pessoas, não necessariamente apenas para os juristas.

Hespanha sublinha a necessidade do “cultivo de um espírito de contínua autovigilância e autocrítica, que previna a imposição de pontos de vista pessoais ou de grupo aos pontos de vista da vontade popular positivados na ordem jurídica; e, finalmente, de uma sagacidade e perspicácia que desconstrua o contrabando intelectual que consiste em fazer passar por naturais ou gerais as opiniões ou os interesses de um grupo ou de uma parte (p. 160).

Dallagnol e os que o acompanham nessa empreitada político-midiática, tirando partido da Lava Jato, tentam passar de contrabando propostas de restrição significativa do habeas corpus e outras tantas garantias que a civilização ocidental edificou depois de muito arbítrio, arbítrio fascista, como se tais propostas visassem controlar de fato a corrupção.

Trata-se de “contrabando intelectual”, que não passa em um “tese de integridade das ideias”.
Como um jovem mimado, incapaz de tolerar frustração, vencido no debate na Câmara dos Deputados, instila no lado fascista de nossa sociedade essa sede por sangue – sangue dos que os fascistas identificam como inimigos.

Não há aqui teoria alguma. A agressão praticada contra o jovem fotógrafo F.P.R, em Copacabana, e sua namorada é a consequência inevitável da estupidez em forma de política.

Aos que supõem que haja exagero na avaliação e que conscientemente fecham os olhos diante da escalada de brutalidades que testemunhamos, recomendo que vejam o filme de Christoforos Papakaliatis, ‘Worlds Apart’ (Mundos Opostos), retrato do fascismo experimentado no berço da autoproclamada Civilização Ocidental, a Grécia.

Um dos episódios leva o sugestivo título: “O bumerangue”. Não tenham dúvida: a violência retorna e deixa cicatrizes profundas.

Minha solidariedade ao fotógrafo e à namorada na forma de compromisso por lutar sempre e sempre contra o fascismo.

Ps.: A fogueira da violência também é alimentada por reações que rebaixam muitos dos nossos políticos. Há uma grande diferença entre debater, com maturidade e senso crítico, a responsabilidade de magistrados e membros do MP por abusos, e agir irrefletidamente, a passar a impressão incontestável de revanche. 

Em geral, excetuando-se os que pensam como Dallagnol, magistrados e membros do MP não são refratários a responsabilização por abusos. Mas todos – pelas mais variadas razões – são contra a intimidação das duas instituições.

Necessitamos mais do que em qualquer época de políticos que não joguem combustível na fogueira fascista.

*Professor Associado de Direito Processual Penal na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)





Brasil Debate, 07/12/16


O Diabo e as dez medidas contra a corrupção



Por Leonardo Isaac Yarochewsky



O diabo na rua, no meio do redemoinho” (Guimarães Rosa)

O Diabo[1] queria porque queria entrar na igreja, mas o padre, com toda razão, não permitia. Todo dia o Diabo, bem cedo, se colocava em frente à porta da igreja e insistia com o padre. Padre, dizia com uma doce voz o Diabo, posso entrar somente um pouquinho na igreja? O padre, experiente e conhecedor das manobras e artimanhas do Diabo, negava com veemência sua pretensão. Mas, o Diabo, como ele só, não desistia e, todos os dias, antes mesmo de o grande e suntuoso portão da igreja se abrir, já estava lá à espera do padre para renovar seu pedido. Padre – com humildade pedia o Diabo – posso entrar em sua bela igreja, somente por pouquíssimo tempo? O padre, mais firme do que nunca, com uma grande cruz ornamentando o peito dizia um sonoro não. Os anos se passaram e o Diabo não desistia, todo dia, mesma hora, na mesma igreja, com o mesmo padre, fazia o mesmo pedido.

Certo dia o Satanás, que até então não tinha alcançado seu objetivo, perguntou ao padre: – Padre eu posso entrar na igreja? O padre, já abatido pela idade e pela insistência do Demo, ainda bravamente resistia. Mas o Coisa Ruim não desiste fácil. Padre, com voz aveludada, indagava o Diabo, posso então só dar uma pequena olhadela na igreja, eu prometo que só coloco a ponta do meu nariz na sua sagrada igreja. O padre, querendo se livrar do Cão, já cansado do obstinado Demo, pensou: “somente a ponta do nariz não terá problema”. Então o padre concordando, porém sem antes deixar de alertar ao Diabo com voz poderosa e firme, segurando seu crucifixo, disse: – Está certo, vou lhe deixar olhar a igreja, por um único instante e você não poderá passar da “ponta do seu nariz”. Perfeitamente, disse o Diabo com um enigmático sorriso. O que fez então o Diabo? Entrou na igreja de costas, de modo que a ponta do seu nariz foi à última parte do corpo do Diabo a entrar na igreja.

Moral da estória: Não negocie jamais com o Diabo. Não transija com seus direitos. Se você abdicar de um direito fundamental, estará escancarando a porta para que outros direitos sejam violados.

As famigeradas “dez medidas contra corrupção”, inicialmente engendradas pelos procuradores da República da Operação Lava Jato, caso aprovadas como pretendem seus idealizadores, representarão um retrocesso no que tange às conquistas decorrentes do Estado democrático de direito. Em nome de um ilusório combate ao crime, notadamente à corrupção, aqueles que se julgam paladinos da justiça querem enfiar goela abaixo, do Congresso Nacional e da sociedade, medidas draconianas, autoritárias e fascistas que, apesar de terem abiscoitado cerca de dois milhões de assinaturas da sociedade sob o manto de “combate a corrupção”, vão muito além do que diz o enganoso cabeçalho.

Em relação ao habeas corpus que os incautos procuradores buscam limitar[2] – não é demasiado lembrar que a origem do sagrado instituto data de 1215, quando da assinatura da Magna Carta na Inglaterra imposta ao despótico rei João Sem Terra pelos condes e barões, revoltados diante das arbitrariedades cometidas pelo monarca. Em nosso direito, o habeas corpus foi introduzido ainda no Império pelo Código de Processo Criminal de 1832. Com o advento da República, a Constituição de 24 de fevereiro de 1891 elevou o habeas corpus à categoria de garantia constitucional. Na Constituição da República em vigor, nominada por Ulisses Guimarães como Constituição Cidadã, o habeas corpus está previsto no Título II que trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, em seu art. 5º, inc. LXVIII, que diz: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de pohabder”.

Na limitação do remédio heroico que representa o habeas corpus contra os abusos e arbitrariedades perpetrados pelos agentes do Estado verifica-se, mais do que nunca, o fascismo que conduz as propostas apresentadas pelos procuradores da República à sociedade como se fossem elas a panaceia contra a corrupção. Com certeza aqui tem o dedo do Coisa Ruim.

Em relação à validação de prova obtida ilicitamente, desde que seja de “boa-fé”, como bem já lembrou o ministro Gilmar Mendes, seria a aceitação de uma prova ilegal capaz, até mesmo, de validar a tortura. Segundo o ministro, a citada proposta é uma “cretinice”.

Não é despiciendo advertir que a Constituição da República (CR) assegura que: “são inadmissíveis, no processo, as prova obtidas por meios ilícitos” (art. 5º, LV da CR); de igual modo o Código de Processo Penal em seu artigo 157 diz que: “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.

A pretensão de limitar recursos da defesa, apontado indevidamente e indecorosamente – pelos criadores desse monstro que são as “dez medidas contra a corrupção” – de “brechas da lei” é mais um assalto ao direito sagrado de recorrer.

Outra aberração ignóbil é o chamado “teste de integridade de agentes públicos”. De acordo com a proposta, “os testes de integridade consistirão na simulação de situações sem o conhecimento do agente público, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer ilícitos contra a Administração Pública”. É o próprio Diabo tentando os agentes públicos.

Restrição ao habeas corpus, limitação de recursos da defesa, teste de integridade, aumento das penas, execução provisória de pena e outros cerceamentos de direitos e garantias e outras medidas autoritárias e fascistas representam um assalto à Constituição da República e a própria derrocada do Estado democrático de direito.

O Congresso Nacional e a sociedade não podem negociar com o Diabo, não podem cair em tentação e nas artimanhas de Lúcifer. Hoje o Satanás lhe pede o dedo, amanhã a mão, depois o braço, quando perceber já não terá mais corpo.


Notas

[1] Os exemplos de sinônimo de “Diabo” na obra de Guimarães Rosa: o Arrenegado, o Cão, o Cramulhão, o Indivíduo, o Galhardo, o Pé-de-Pato, o Sujo, o Homem, o Tisnado, o Coxo, o Temba, o Azarape, o Coisa Ruim, o Diá, o Dito Cujo, o Mafarro, o Pé-Preto, o Canho, o Duba-Dubá, o Rapaz, o Tristonho, o Não-Sei-Que-Diga,  O -Que-Nunca-Se-Ri, o Sem-Gracejos, o Muito-Sério, o Sempre-Sério, o  Austero, o Severo-Mor, o Romãozinho, o Rapaz,  Dião, Dianho, Diogo, o Pai-da-Mentira, o Pai-do-Mal, o Maligno, o Tendeiro, o Mafarro, o Manfarri, o Capeta, o Capiroto, o Das Trevas, o Pé-de-Pato, o Bode-Preto, o Morcego, o Xu, o Dê, o Dado, o Danado, o Danador, o Dia, o Diacho, o Rei-Diabo, Demonião, Barzabu, Lúcifer, Satanás, Satanazin, Satanão, o Dos-Fins, o Solto-Eu, o Outro, o Ele, o  O, o Oculto… e muito mais! Disponível em< http://institutodonome.blogspot.com.br/2011/05/os-nomes-do-demonio-na-obra-de.html

[2] § 1º A ordem de habeas corpus não será concedida:

I – de ofício, salvo quando for impetrado para evitar prisão manifestamente ilegal e implicar a soltura imediata do paciente;

II – em caráter liminar, salvo quando for impetrado para evitar prisão manifestamente ilegal e implicar a soltura imediata do paciente e ainda houver sido trasladado o inteiro teor dos autos ou este houver subido por empréstimo;

III – com supressão de instância;

IV – sem prévia requisição de informações ao promotor natural da instância de origem da ação penal, salvo quando for impetrado para evitar prisão manifestamente ilegal e implicar a soltura imediata do paciente;

V – para discutir nulidade, trancar investigação ou processo criminal em curso, salvo se o paciente estiver preso ou na iminência de o ser e o reconhecimento da nulidade ou da ilegalidade da decisão que deu causa à instauração de investigação ou de processo criminal tenha efeito direto e imediato no direito de ir e vir.

§2º O habeas corpus não poderá ser utilizado como sucedâneo de recurso, previsto ou não na lei processual penal.” (NR)

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