domingo, 10 de abril de 2016

Operation Peacemaker: EUA reduz violência ao oferecer dinheiro a criminosos

Nos EUA estão fazendo assim na redução a criminalidade. E por aqui há os que são contra o Bolsa Família na redução da miséria...
Folha.com, 10/04/2016



Cidade dos EUA reduz violência ao oferecer dinheiro a criminosos



ALESSANDRA CORRÊA
DE WINSTON-SALEM (EUA)
PARA A BBC BRASIL



Um programa de redução de violência que inclui o pagamento de até US$ 1.000 por mês a jovens criminosos para incentivá-los a mudar de vida vem transformando uma comunidade na Califórnia e servindo de modelo para iniciativas semelhantes em outras cidades dos Estados Unidos.

Batizada de Operation Peacemaker (algo como Operação Pacificador), a estratégia adotada pela cidade de Richmond desde 2010 identifica os suspeitos de crimes com arma de fogo que são mais propensos a cometer novas ofensas ou serem vítimas violência por parte de gangues rivais.

Eles são então convidados a participar do programa, desde que se comprometam com uma série de "objetivos de vida", em que estabelecem aspectos que querem melhorar e metas para o futuro, como encontrar emprego ou voltar a estudar. Outra condição é que se reúnam várias vezes por semana com mentores.
 
O programa tem duração de 18 meses para cada turma e limite de idade de 30 anos. Depois dos seis meses iniciais, os participantes podem começar a receber uma quantia mensal, que varia de US$ 300 a US$ 1.000, por até nove dos 12 meses restantes, de acordo com o nível de participação e de comprometimento demonstrado na busca dos objetivos estabelecidos.



TAXA DE HOMICÍDIOS
 
Mesmo aqueles que cometeram alguma infração não são expulsos nem deixam de receber o dinheiro, desde que comprovem que estão comprometidos com suas metas.

"O pagamento não é baseado em se estão atirando ou se deixaram as armas de lado, e sim nas conquistas em relação às metas estabelecidas. Eles são recompensados não pelo aspecto criminal de suas vidas, mas sim pelo trabalho duro de tentar melhorar suas vidas", disse à BBC Brasil o idealizador da estratégia, DeVone Boggan.
 
Análises iniciais sugerem que a iniciativa tem dado certo. Em 2007, quando surgiu o Office of Neighborhood Safety (algo como "Escritório de Segurança dos Bairros', ou ONS, na sigla em inglês), escritório ligado à prefeitura que foi criado com o objetivo de combater a violência e do qual o programa faz parte, Richmond registrou 47 homicídios.

"Desde então, a taxa de homicídios caiu 75%", comemora Boggan, que é diretor do ONS.
Diante do sucesso, outras cidades, como Oakland (Califórnia), Toledo (Ohio) e a própria capital, Washington, se preparam para replicar o programa.

​Boggan (à direita) e participantes do programa


MENTORES

Com 107 mil habitantes, Richmond já foi considerada a sexta cidade mais violenta do país, de acordo com ranking divulgado em 2010 com dados do FBI (Federal Bureau of Investigation, a polícia federal americana).

"Havia muita violência entre gangues. Em 2009, foram registrados 45 assassinatos e mais de 180 pessoas feridas por arma de fogo", lembra Boggan.

"Em reuniões com a polícia, ouvi que 70% desses crimes eram causados por apenas cerca de 20 jovens. E eles não estavam na cadeia. Então decidimos encontrá-los e engajá-los", relata.

Para desempenhar essa tarefa, o ONS conta com uma equipe de mentores, eles próprios com um passado de crimes e passagens pela prisão, que circulam pelas comunidades com alto índice de violência e ganham a confiança desses jovens.

O programa tem o apoio da polícia, mas funciona de forma independente. São os mentores que escolhem os participantes, e eles não compartilham informações com as autoridades policiais.

"Nem todos concordam, mas os comandantes da polícia entendem a importância da nossa credibilidade com os jovens criminosos, de não sermos vistos como informantes", ressalta Boggan.



CUSTOS

Além dos mentores, o programa conta com uma equipe que inclui psicólogos, especialistas em resolução de conflitos, em abuso de substâncias e em aconselhamento profissional, entre outros.

Segundo Boggan, a iniciativa custa entre US$ 800 mil e US$ 1 milhão a cada 18 meses. Os custos operacionais, incluindo salários, são cobertos pelo município. O dinheiro para os pagamentos mensais aos participantes vem de doadores privados.

Muitos questionam o pagamento a criminosos e o fato de não haver controle sobre como gastam esse dinheiro (se em drogas, por exemplo).

Boggan diz entender as críticas, mas argumenta que o programa tem reduzido a violência, o que abordagens mais tradicionais não conseguiram, e que os custos de manter um criminoso na prisão ou de homicídios e ferimentos por arma de fogo são bem mais altos.

Ele ressalta ainda que o incentivo financeiro é apenas uma pequena parte do programa, e não a mais importante.

"Menos de 60% dos participantes ganham recompensa financeira, e entre esses, a média mensal é de US$ 300 a US$ 750", esclarece.

A quantia recebida pelos participantes, de no máximo US$ 9 mil em 18 meses, fica abaixo da linha de pobreza nos Estados Unidos, onde são considerados pobres indivíduos com renda de até US$ 12 mil por ano.



VIAGENS

A especialista em violência entre gangues Angie Wolf, diretora do National Council on Crime and Deliquency (Conselho Nacional sobre Crime e Delinquencia), organização sem fins lucrativos que fez uma avaliação inicial da implementação do programa, também salienta que os pagamentos não são a parte mais importante da estratégia.

"É uma intervenção complexa, profunda, de longo prazo. Não é tão rápido e fácil como simplesmente dar US$ 1.000 para que deixem suas armas de lado, é muito mais detalhado do que isso", disse Wolf à BBC Brasil.

Para Boggan, o que faz com que os participantes continuem se empenhando não é o dinheiro, e sim o relacionamento positivo com os mentores, com quem conseguem se identificar, e o fato de que, na maioria dos casos pela primeira vez, estão sendo ouvidos, questionados sobre suas necessidades e tendo suas opiniões levadas em conta.

O dinheiro recebido de doações também é usado em viagens. Participantes têm a oportunidade de visitar outras cidades, Estados e até países, mas com uma condição: devem aceitar viajar com com alguém que já tenham tentado matar ou que tenha tentado matá-los.

"Assim têm a oportunidade de ver o outro em situações vulneráveis, percebem que têm muito em comum", diz Boggan.



FINANCIAMENTO

Outras cidades americanas, como Boston, Chicago e Pittsburgh, já tentaram em diferentes épocas abordagens semelhantes contra a violência entre gangues, identificando e engajando possíveis criminosos.

A maioria dessas iniciativas, porém, acabou interrompida por problemas como falta de financiamento.

Para Wolf, a combinação de financiamento público e privado é um dos pontos positivos em Richmond e um desafio para cidades que buscam replicar o modelo.

"Se a cidade financia o projeto até certo ponto, está dizendo que se importa com essa questão e está investindo para melhorar, e isso é importante", diz Wolf.

"Ter dinheiro privado cobrindo pagamentos aos participantes e viagens é importante por questões políticas. Especialmente no atual clima nos Estados Unidos, as cidades podem ter dificuldade política em pagar por isso", diz Wolf.

Em Washington, a proposta vem provocando uma briga entre a prefeita, Muriel Bowser, que não destinou parte do orçamento ao programa, e o conselho municipal.

Bowser é contra a ideia e afirma que não há dados suficientes para verificar o sucesso da iniciativa em Richmond.

Mas os membros do conselho consideram essa a melhor alternativa para combater a crescente violência na capital americana e aprovaram a proposta por unanimidade.



CRÍTICAS

A falta de uma análise mais profunda que comprove os resultados é uma das críticas à iniciativa de Richmond.

Opositores do programa, inclusive no conselho municipal, dizem que a queda nas taxas de homicídio a partir de 2007 coincidiu com outros fatores, como a troca do chefe de polícia e mudanças demográficas. Salientam ainda que, no ano passado, os crimes voltaram a crescer.

Boggan rebate essas críticas ao apontar para o fato de que 94% dos participantes desde a implementação do programa, que está agora em sua quarta turma, continuam vivos, e 84% não foram feridos por arma de fogo

"Alguns conseguem emprego, alguns foram para a faculdade, mas o importante é que a maioria não vai mais usar armas como maneira de resolver um conflito. É assim que medimos nosso sucesso", diz Boggan.

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