Carta Maior, 14/04/2016
Fascismo faz cismo na republiqueta das bananas
Por José Carlos Peliano*
Episódio deplorável esse da novela brasileira. Um bando de corruptos, denunciados, pendurados nos varais da Justiça, que justiça é essa?, prestes a desempenhar papéis ridículos, patéticos, abomináveis, na condução de uma armação ilimitada de nome impeachment.
Que é golpe de fato, ou melhor, talvez nem uma coisa, nem outra, mas um “imgolpeachment”. Cara de um, focinho do outro e rabo de refestelados na mediocridade política e na mais vil das posturas de poder.
Não foi para isso que mais de 100 milhões de eleitores foram às urnas no final de 2014. Contra ou a favor dos candidatos todos foram com o objetivo de ver o país continuar a desfraldar sua incipiente democracia, frágil ainda de formação, mas forte de esforço e luta. Não se esperava, porém, que os derrotados não quisessem aceitar o resultado final. Daí a zorra.
Não é sem arrependimento e principalmente por raiva que chamo meu país de republiqueta das bananas. Não por mim, nem pelos milhões que foram às urnas e nem pelos que ainda não puderam exercer seus direitos de eleger representantes pelo destino político-administrativo da nação.
Mas chamo sim por conta de nossa elite oportunista, desonesta, reacionária, que consegue enxovalhar o movimento de resistência à ditadura de 64, que custou a vida de milhares de brasileiros, transformando-o agora num conluio torpe e simulacro ordinário da mais ordinária das manifestações pela derrubada de uma presidenta eleita democraticamente.
Parlamentares, empresários, ditos pastores (de quem?), alguns juízes, procuradores, delegados federais, a carcomídia, entre TVs, revistas e jornalões, conseguiram encenar a peça mais bufa e odiosa do teatro do país. As raízes vêm das capitanias hereditárias com o poder e as terras distribuídas aos amigos e parentes.
Desde o mensalão que a encenação se orquestrou e se consolidou. Quiseram aproveitar a oportunidade para minar os governos de Lula e Dilma e do partido que os acolhe, bem como os aliados. Continua até hoje a manipulação de denúncias, a seletividade dos fatos, o engavetamento de acusados, a armação de eventos e a divulgação vazada de informações sobre aqueles ligados direta ou indiretamente ao governo e ao PT.
Muitos condenados sem provas. Alguns reconduzidos à prisão sem razão e provas. Outros deixados de lado embora carregados de denúncias e provas. Condenações de uma banda só. No mais, silêncio total dos tribunais, da carcomídia e inquisidores.
O escárnio não tem mais tamanho. Domingo a Câmara se reúne para votar o processo de impedimento surgido de uma Comissão montada a dedo por Eduardo Cunha, talvez o de folha corrida mais suja. Dos 37 votos favoráveis ao parecer contra a Presidenta da República, 35 parlamentares estão às voltas com a Justiça. Diria minha avó, isso tem cabimento?
Pois, infelizmente, está tendo cabimento. Ninguém se levanta para por fim a essa farsa inominável. O tecido social se esgarça por todos os lados e divide os raivosos de um lado e os injustiçados de outro. Fazem muita falta, entre tantos, os respeitados Ulisses Guimarães, Celso Furtado, Sobral Pinto, Dom Hélder Câmara, Zilda Arns e Milton Santos, para ajudarem a por fim à desconstrução de nossa vida política e institucional.
O autoritarismo da oposição para levar à frente sua bandeira de derrubada do governo é tão desavergonhado que beira ao fascismo. Faz cismo sim na nacionalidade construída aos trancos e barrancos. E tudo isso pela sede absurda do poder pelo poder. Para voltarem a instalar o governo de exceção dos 1% contra os restantes 99% dos sem vez e voto.
Sem voto, sim, porque eles tentam derrubar a validade da eleição passada por um golpe tipo paraguaio com a cara dos brasileiros oportunistas de ocasião. E sem vez também porque querem destruir todas as conquistas sociais obtidas pelos governos anteriores de Lula e Dilma. Tiram os votos e levam de volta à pobreza os milhões de brasileiros que alçaram melhores lugares na escada social.
Não foi para isso que vivi e que milhões de outros viveram nesse país. Não é para isso que pagamos tributos, respeitamos as leis, nos sujeitamos às regras da vida, da educação e do mercado de trabalho. Não foi para isso que trouxemos à vida nossos filhos.
Um verdadeiro saque em nossa democracia. Nosso país, que querem republiqueta, está nas páginas dos jornais estrangeiros como palco desse cismo produzido por gente de caráter impróprio ou duvidoso. Não foi para isso que nossos heróis e homens de bem viveram para construir nossa nação.
O pior é que a desgraça maior já foi feita. Se não passa o impedimento no plenário da Câmara em que condições o governo constituído irá se reorganizar sabendo que pouco menos da metade dos eleitores foi subjugada às garras e ao ódio dos golpistas?
Se passa o impedimento nas duas Casas do Congresso como será constituído o novo governo sabendo que pouco mais da metade dos eleitores escorraçados e enfurecidos não aceitarão a empulhação devendo todos irem às ruas?
Os golpistas puseram fogo na fogueira e não há como debelá-lo, nem de um jeito, nem de outro. Desgraçado quadro da vida brasileira. Desgraçados os golpistas oportunistas que geraram esse cismo sem tamanho e profundidade. Não se mexe com as ambições mais caras de democracia, honestidade e respeito das pessoas.
Enquanto a sanha inveterada pelo poder move os golpistas oportunistas nossa economia fica à espera de um mínimo de rotina e entendimento para sobreviver. Negócios fechando, desemprego se manifestando, rendas diminuindo, arrecadação retrocedendo, investimentos paralisados. Expectativas positivas zero.
E aí sábios juristas, procuradores, carcomídia e parlamentares? Olhem só o estrago que fizeram. Mas não se esqueçam: se a bola de neve aumentar de tamanho suas biografias estão igualmente ameaçadas pela desarrumação que andaram fazendo e a balbúrdia que andaram provocando.
O jeitinho brasileiro foi longe demais envolvendo processos judiciais, arranjos políticos, divulgação de informações e financiamentos alaranjados empresariais. O cismo provocado afunda a nação brasileira. Ou a meia dúzia de gente ainda respeitável entra em cena para abrandar o clima ou a situação pode ficar mesmo fora de controle.
Não posso ir embora para Passárgada porque não sou amigo do rei, nem é bom sê-lo no momento, e nem esse maravilhoso lugar de Manuel Bandeira existe, só em versos. Meu lugar ainda é aqui no meio das bananas, em busca de um amanhã mais limpo, sem cunha no caminho e sem temer o que virá. Já no, dia a dia, a indignação, a resistência e as ruas. Aos guerreiros sobra a luta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário