Folha.com, 14/04/16
Golpe brasileiro ameaça democracia
Por Mark Weisbrot*
A presidenta Dilma Rousseff está ameaçada de impeachment, mas não há evidências que a vinculem a qualquer esquema de corrupção. Em vez disso, ela é acusada de manipular as contas públicas, algo que presidentes anteriores já haviam feito.
Para traçar uma analogia com os Estados Unidos, quando os republicanos se negaram a elevar o teto da dívida, em 2013, a administração Obama recorreu a vários truques de contabilidade para adiar o prazo final no qual se alcançaria o limite. Ninguém se incomodou com isso.
A campanha do impeachment, que o governo descreveu corretamente como golpe, é um esforço da elite brasileira tradicional para obter por outros meios aquilo que não conseguiu conquistar nas urnas nos últimos anos.
O ex-presidente Lula é acusado de receber dinheiro de empresas investigadas por corrupção para fazer discursos e reformar um imóvel que ele afirma não ser dele. Mesmo que as acusações sejam verdadeiras, não há prova de vínculo com corrupção.
O juiz Sergio Moro, entretanto, lidera uma bem executada campanha de difamação de Lula. O magistrado teve que pedir desculpas ao Supremo Tribunal Federal por ter divulgado grampos telefônicos de conversas entre Lula e Dilma, Lula e seu advogado e até mesmo entre a mulher de Lula e os filhos deles.
É claro que o Partido dos Trabalhadores não estaria vulnerável a essa tentativa de golpe se a economia não estivesse em recessão profunda. Mas também a esse respeito a mídia está claramente equivocada, defendendo mais cortes nos gastos públicos e mais juros altos.
O Brasil precisa, pelo contrário, de um estímulo sério para fazer sua economia pegar no tranco. O principal obstáculo à recuperação é o poder dos grandes bancos.
O Brasil está pagando juros de quase 7% de seu PIB sobre a dívida pública, mais que a Grécia no auge de sua crise. Mas o Brasil não tem crise de dívida nem apresenta qualquer risco significativo de moratória. Seus juros usurários são o resultado do poder político de seus próprios bancos, que hoje desfrutam um "spread" recorde de 34% entre suas taxas de empréstimos contraídos e concedidos.
A simples redução dos juros sobre a dívida pública para o nível de alguns anos atrás criaria condições para um estímulo importante.
O governo dos EUA vem guardando silêncio sobre esta tentativa de golpe, mas há poucas dúvidas quanto à sua posição. Ele sempre apoiou golpes contra governos de esquerda no hemisfério, incluindo, apenas no século 21, o Paraguai em 2012, Haiti em 2004, Honduras em 2009 e Venezuela em 2002.
O presidente Obama foi à Argentina para derramar-se em elogios ao novo governo de direita, pró-EUA, e a administração reverteu sua política anterior de bloqueio de empréstimos multilaterais ao país. E hoje, no Brasil, a oposição é dominada por políticos favoráveis a Washington.
Seria mais uma coisa lamentável se o Brasil perdesse boa parte de sua soberania nacional, além de sua democracia, com este golpe sórdido.
*MARK WEISBROT é codiretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política, em Washington, e presidente da Just Foreign Policy, organização norte-americana especializada em política externa
Tradução de CLARA ALLAIN
Folha.com, 15/04/16
Universidades em defesa da democracia
Por Mari Lúcia Cavalli Neder*
O Conselho Pleno da Andifes, representação oficial das universidades federais brasileiras, reunido no dia 17 de março, manifestou preocupação com o agravamento da crise política e econômica no país e suas ameaças à ordem constitucional e aos direitos civis, políticos e sociais do povo brasileiro.
Os reitores das universidades federais repudiam argumentos pseudo-jurídicos utilizados para encobrir interesses político-partidários e a busca pelo poder, com a divulgação seletiva de elementos processuais antes da conclusão dos processos, ignorando o princípio da presunção de inocência.
Igualmente, reprovam o uso de interpretações políticas parciais em substituição aos preceitos constitucionais que, necessariamente, devem fundamentar qualquer processo de impedimento de mandato legitimamente conquistado.
Ao se propor o impeachment sem cumprir os requisitos constitucionais de mérito, não se estará apenas afastando injustamente uma presidenta legitimamente eleita mas sim cassando o voto livre de 54 milhões de brasileiros.
Também preocupa o ataque agressivo, com fins desmoralizantes e deslegitimadores, desferidos contra a política, os políticos e os partidos políticos em geral. Se nessas searas habitam personagens desacreditados, muitas vezes com protagonismo, ainda que efêmeros, entendemos que a depuração será alcançada pelo repetido exercício de eleições e do contraditório civilizado, pois a alternativa é se curvar ao domínio dos espertos ou das hordas atiçadas.
Os homens públicos de responsabilidade - e eles existem em todos os partidos -, as instituições e a sociedade civil, em especial a academia, não podem se submeter aos interesses inconfessáveis daqueles que apostam no "quanto pior, melhor". Estamos falando de uma das maiores economias do mundo, referência democrática para todo o continente.
A ninguém - trabalhadores, empresários, intelectuais, instituições - interessa um país com economia estagnada, com instituições e lideranças políticas debilitadas, uma sociedade fracionada e beligerante. Por isso mesmo, a situação requer, mais do que nunca, a obediência aos preceitos constitucionais e espírito público na defesa da democracia e do Estado de Direito.
As universidades federais, pautadas pelo rigor científico, pela criatividade acadêmica, pela liberdade de pensamento e pela pluralidade de ideias, estão comprometidas com o fortalecimento das instituições públicas em defesa da democracia, da justiça social e da paz.
A política e o ambiente democrático são os melhores remédios para superar as controvérsias naturais da sociedade. A lei é para todos, inclusive para os operadores do direito. As regras devem ser seguidas. O combate à corrupção e a disputa pelo poder só serão legítimos, legais e virtuosos sob a égide dos preceitos constitucionais.
Expressamos a nossa expectativa de rigorosa apuração de todas as denúncias de corrupção e defendemos intransigentemente os princípios republicanos presentes na Constituição Federal.
*Reitora da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), é presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes)
O Conselho Pleno da Andifes, representação oficial das universidades federais brasileiras, reunido no dia 17 de março, manifestou preocupação com o agravamento da crise política e econômica no país e suas ameaças à ordem constitucional e aos direitos civis, políticos e sociais do povo brasileiro.
Os reitores das universidades federais repudiam argumentos pseudo-jurídicos utilizados para encobrir interesses político-partidários e a busca pelo poder, com a divulgação seletiva de elementos processuais antes da conclusão dos processos, ignorando o princípio da presunção de inocência.
Igualmente, reprovam o uso de interpretações políticas parciais em substituição aos preceitos constitucionais que, necessariamente, devem fundamentar qualquer processo de impedimento de mandato legitimamente conquistado.
Ao se propor o impeachment sem cumprir os requisitos constitucionais de mérito, não se estará apenas afastando injustamente uma presidenta legitimamente eleita mas sim cassando o voto livre de 54 milhões de brasileiros.
Também preocupa o ataque agressivo, com fins desmoralizantes e deslegitimadores, desferidos contra a política, os políticos e os partidos políticos em geral. Se nessas searas habitam personagens desacreditados, muitas vezes com protagonismo, ainda que efêmeros, entendemos que a depuração será alcançada pelo repetido exercício de eleições e do contraditório civilizado, pois a alternativa é se curvar ao domínio dos espertos ou das hordas atiçadas.
Os homens públicos de responsabilidade - e eles existem em todos os partidos -, as instituições e a sociedade civil, em especial a academia, não podem se submeter aos interesses inconfessáveis daqueles que apostam no "quanto pior, melhor". Estamos falando de uma das maiores economias do mundo, referência democrática para todo o continente.
A ninguém - trabalhadores, empresários, intelectuais, instituições - interessa um país com economia estagnada, com instituições e lideranças políticas debilitadas, uma sociedade fracionada e beligerante. Por isso mesmo, a situação requer, mais do que nunca, a obediência aos preceitos constitucionais e espírito público na defesa da democracia e do Estado de Direito.
As universidades federais, pautadas pelo rigor científico, pela criatividade acadêmica, pela liberdade de pensamento e pela pluralidade de ideias, estão comprometidas com o fortalecimento das instituições públicas em defesa da democracia, da justiça social e da paz.
A política e o ambiente democrático são os melhores remédios para superar as controvérsias naturais da sociedade. A lei é para todos, inclusive para os operadores do direito. As regras devem ser seguidas. O combate à corrupção e a disputa pelo poder só serão legítimos, legais e virtuosos sob a égide dos preceitos constitucionais.
Expressamos a nossa expectativa de rigorosa apuração de todas as denúncias de corrupção e defendemos intransigentemente os princípios republicanos presentes na Constituição Federal.
*Reitora da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), é presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes)
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