quarta-feira, 6 de abril de 2016

O fantasma da inocência


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Segunda Opinião, 6 de abril de 2016



A Lava jato é nossa, democratas!


Por Wanderley Guilherme dos Santos


Um fantasma assombra Curitiba: o fantasma da inocência. Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva desafiam todos os órgãos brasileiros de investigação a encontrar evidências comprometedoras da moral pública de ambos. Há ano e meio os executivos da Lava-Jato prometem, insinuam, ameaçam, tentam intimidar, prendem e deixam pessoas incomunicáveis, interrogam, denunciam e sentenciam. Nada. Os repórteres por assim dizer investigativos dos boletins da oposição arrancam os cabelos ao invés de furos, bem como os canais de televisão, difusores de jornalismo fantástico, eliminaram o intervalo entre as novelas e os noticiários: é tudo ficção. Nada.

 

Visitei o sítio “Lava-Jato em Números” e o sítio “Conjur” (Consultor Jurídico) buscando informações sobre os resultados efetivos da investigação. O último relatório, publicado em 16 de março de 2016, anuncia que dos 1.114 procedimentos instaurados resultaram 484 buscas e apreensões, 117 mandados de condução coercitiva, 64 prisões preventivas, 70 temporárias e 5 prisões em flagrante. Com o concurso de inúmeras invasões de domicílios, escritórios de profissionais liberais e 49 acordos de delações premiadas, a intensa mobilização do Ministério Público e da Polícia Federal produziu 37 acusações contra 179 pessoas, concluídas por 17 sentenças (mais ou menos 50% das acusações, com número não desprezível de absolvições). Compete aos especialistas estimar a relação entre o investimento de pessoal, tempo e recursos materiais e os resultados parciais, bem como a utilização preferencial do sistema Globo de comunicação (televisão, rádios, jornais e revistas) e a reincidência de manipulação criminosa da opinião pública mediante vazamentos de informação.

 

No sítio Conjur estão resumidas as 17 acusações, denúncias e sentenças concluídas, mas só consegui acessar 15 processos. Não obstante a contaminação de denúncias e algumas sentenças com considerações hipotéticas (parece que, é possível que, etc.), o que espanta é justamente o afã de encontrar uma realidade para além da realidade diante de seus narizes. Fundados em esforços de inegável mérito e consistência, os fatos acumulados são suficientes para a denúncia da maioria esmagadora dos acusados. A Lava Jato constitui a mais importante investigação da história da República. Por isso mesmo não deve continuar em mãos adestradas pela paixão partidária e a obsessão punitiva, tanto mais alucinadas quanto mais fracassam as incursões descabeladas, conduções coercitivas a um cubículo em aeroporto, grampos inacreditáveis e ousadia suicida na divulgação de conversas sem outro sentido que não o de expor a intimidade dos invadidos. A Lava Jato deve ser entregue a procuradores e juízes que zelem pela integridade da investigação, agora sob a ameaça de que seja impugnada, tantas as infrações ao direito natural e aos códigos legais. Em coro com os cidadãos racionais do País, insisto em que a Lava Jato é nossa, livre da ganância partidária animalesca dos que dela tentam se aproveitar. É importante atentar: em ano e meio de frenética e dura investigação, permanece imaculado o desafio de Dilma Rousseff e de Lula – não encontrarão crime em suas vidas públicas. Se encontrarem, saberemos tomar posição; por ora, não é o que está diante dos narizes de qualquer alfabetizado.

 

As quinze sentenças do Juiz Sergio Moro revelam, com uivos de Nelson Rodrigues, a veterana operação criminosa do reincidente Alberto Youssef, agora em companhia de Paulo Roberto Costa (“se não fosse a posição do PP eu não seria indicado diretor da Petrobrás”), Pedro Barusco e Renato Duque, e seus lugares tenentes Fernando Baiano, um certo “Ceará” e outros que lá estão. Intermediários, estado-maior e o consagrado administrador de dinheiro roubado: Alberto Youssef. Eles estão na maioria esmagadora dos 15 processos sentenciados, e me refiro a 12 sentenças porque em 3 o assunto nada tem a ver com a Petrobrás, um deles sobre tráfico de drogas, outro sobre manipulação de câmbio no mercado negro e o terceiro relativo à apropriação de dinheiro por parte de Andre Vargas, o qual, aproveitando-se da posição de deputado e de vice-Presidente da mesa da Câmara, achacou a Caixa Econômica e o Ministério da Saúde para obter contratos de publicidade  para empresa de familiares. Esse foi um assalto autônomo, sem participação da quadrilha.

 

A quadrilha, conforme essas sentenças, não é grande: Alberto Youssef, mais aquele estado-maior, certamente substituído em outras roubalheiras, mais os lugares tenentes de confiança. Além desses, o grupo de corrompidos varia de processo para processo, de acordo com a trapaça em andamento – compras de sondas aqui, de petroleiros alí, Odebrecht aqui, OAS ali, Camargo Correa acolá, e por aí vai. Políticos? Por enquanto só Luiz Argolo (PP), ex-deputado, sentenciado em 3 ou 4 dos 12 processos concluídos, o já mencionado André Vargas (ex-PT) e João Vaccari (PT). E é no processo de Vaccari que os procuradores e o Juiz decidiram acrescentar a eventuais delitos que tenha cometido o desvio de propinas de empreiteiras, “sob o disfarce de doações de campanha ao PT”. Não há confissão nem documentação, mas é neste processo e só nele até agora que os responsáveis pela Lava Jato têm promovido, juntamente com a imprensa, ré confessa e falsamente arrependida pelo apoio que deu à ditadura de 1964, a maior campanha difamatória de homens públicos já vista no Brasil. Entre eles, a perseguição ao maior líder popular desde as greves de final dos anos 70, em plena ditadura apoiada por essa mesma imprensa. Mas a verdade que assombra Curitiba e todas e todos os histéricos advogados, cronistas, jornalistas e paneleiro(a)s é a seguinte: Dilma e Lula são inocentes de todas as acusações em circulação. É isso que os faz babar inconformados e enfurecidos. A Lava Jato é nossa.


Folha.com, 05/04/16


É golpe sim, mas de outro tipo



Por Raimundo Bonfim


 

Nunca um movimento que rompeu as regras democráticas admitiu a denominação de golpista. Nem mesmo Augusto Pinochet, que se tornou símbolo das ditaduras militares latino-americanas, jamais admitiu essa palavra. Será mesmo que o que estamos vendo não é um golpe só porque o impeachment está previsto em nossa Constituição Federal? É possível um golpe que se valha das regras institucionais?
 
O conceito de golpe mudou. Já não se trata de promover uma ruptura institucional repentina, que causará desgaste e repúdio internacional. O objetivo agora é criar pressões que anulem as garantias do Estado de Direito e conformem interpretações jurídicas e decisões rápidas que cumpram o mesmo objetivo que forças militares cumpriram nas décadas de 60 e 70.
 
Os novos golpes devem parecer democráticos e obrigatoriamente serem produzidos sob a máscara da previsão legal.

Em nosso continente, o ensaio da nova modalidade golpista se deu no Paraguai. Lá, afastaram o presidente Fernando Lugo num fulminante e sumário ritual de apenas dois dias. Atropelaram os princípios da "ampla defesa" e do "devido processo legal", falhas que vão sendo aperfeiçoadas no caso brasileiro.

Há um precedente anterior, ainda mais frágil. O golpe aplicado contra o presidente Manoel Zelaya, de Honduras, em 2008, quando um pelotão militar o retirou de madrugada do palácio presidencial e o despachou para a Costa Rica, foi referendado imediatamente pelo Parlamento e pela corte suprema do país, revestindo-se em poucas horas de um manto legal.
 
Toda vez que for possível identificar um enredo articulado, com um roteiro claramente estabelecido, arquitetado por um conjunto de forças econômicas poderosas, que tem como objetivo anular o resultado das urnas, não há que se vacilar: estamos diante de um golpe.

Não é fácil desmascarar essa trama. Para que os objetivos do impeachment possam ter uma aparência de legalidade, é preciso construir um processo que deslegitime a esfera da política como espaço para a solução das crises.

O golpe que está em curso possui um núcleo de confiança, envolvendo juízes, delegados e membros do Ministério Público que controlam informações e aguardam o momento propício para divulgá-las, por meio de vazamentos seletivos.

Não bastasse a cobertura desproporcional e ininterrupta dos atos pró-impeachment e o absoluto silêncio quanto àqueles contrários, a maioria da mídia, liderada pela Rede Globo, atua como patrocinadora das manifestações, antecipando a realização de jogos de futebol, informando os melhores horários e alternativas de deslocamento para ir aos protestos, esforçando-se para estimular a ida a esses atos.

Esse é o golpe. Não se trata de defender o governo Dilma ou a liderança de Lula. Estamos diante de um ataque ordenado contra as conquistas democráticas, impulsionado pelo bloco no poder do grande capital internacional e da fração da burguesia brasileira a ele integrada. Seu objetivo é derrubar o atual governo para retomar o alto lucro, com a eliminação de direitos trabalhistas e sociais e, em seguida, enfraquecer ou até mesmo perseguir qualquer pensamento de esquerda e líderes de movimentos sociais.

Por esses motivos, a Frente Brasil Popular compreende que estamos travando uma batalha política decisiva, que definirá o destino histórico de nosso país pelos próximos anos. Lutaremos até o fim. O afastamento da presidenta Dilma Rousseff não é fato consumado.

 
RAIMUNDO BONFIM, 52, advogado, é coordenador geral da Central de Movimentos Populares e membro da coordenação nacional da Frente Brasil Popular, que congrega 65 entidades do movimento sindical, popular e estudantil

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