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Carta Maior, 07/09/2014
A arca de Marina e o dilúvio antipetista
Por Saul Leblon
Lula foi ao ponto. Em encontro com a militância na 6ª feira, em São
Paulo, o ex-presidente enfrentou abertamente a perplexidade que toma
conta do campo progressista, diante do dilúvio que junta o dinheiro, a
intolerância e o golpismo contra Dilma.
A perplexidade é proporcional ao aluvião que a inspira.
Há lugar para todos na arca de Marina. Fosse vivo, almirante Pena Boto, que presidiu a ‘Cruzada Brasileira Anticomunista’ nos anos 50/60, estaria dentro.
Catalisado pelo bordão onívoro do ‘tudo, menos o PT’ o comboio ganhou agora a ilustrativa adesão do Clube Militar. Seus atributos dispensam apresentações; assinado pelo General Clovis Purper Bandeira, ex-ABIN e ex-aluno da Escola de Guerra dos EUA, o manifesto de apoio confere a Marina, em seus múltiplos significados, o apanágio de ‘ fio da esperança’ para derrotar o ‘lulopetismo’.
Nem em 1964 a espinha conservadora reuniu vértebras tão numerosas e de calcificação tão variada contra Jango.
O golpe recorreu aos tanques por carecer de uma liderança carismática.
Agora não precisa.
'Nosso problema não é falta de obras (para mostrar), é falta de política!”, advertiu Lula, diante do aluvião que já lambe a cintura do campo progressista.
Depois de criticar a opacidade geral da propaganda do partido, o ex-presidente alvejou o centro do alvo: ‘Ficamos economicistas. Um peão votar em patrão (Skaf)!? Isso era impensável! Temos que demarcar o campo de classe nessa eleição. Nossa propaganda na televisão tem que falar de política; (pelo amor de Deus) reservem pelo menos um segundo para falar de política!’
Não qualquer política.
Lula está falando de economia concentrada.
Concentrada no conflito de interesses decorrente do lugar que os homens e mulheres ocupam na estrutura da sociedade.
Seja dentro de uma fábrica ou em uma mesa de negociação.
Mas também no orçamento do Estado. Na destinação que lhes cabe da riqueza .
Na forma como essa repartição é regulada.
Na fatia apropriada pelos fundos públicos...
É dessa política que carece a propaganda do PT.
Lula fala do que vivenciou.
A experiência sindical ensinou ao torneiro mecânico que a paz social nunca é menos que a repressão dos oprimidos.
A engrenagem das demarcações históricas impregnou seu metabolismo nas assembleias e bastidores das grandes greves operárias dos anos 70 e 80 no ABC.
Por mais que o exercício do poder tenha sugado esse sangue, a memória não se perdeu.
A memória histórica é um pedaço do futuro.
Seu esquecimento não raro reitera o passado.
A memória vivida explica a argúcia de Lula ao atribuir ao PT parte da responsabilidade pela irresistível promessa de Marina.
A promessa de reunir os bons, quem sabe os puros, de qualquer forma os melhores.
Enfim, os homens e mulheres pios de um país desafortunadamente esgotado pela ‘polarização PT-PSDB’, como diz a candidata eólica, cujo programa emula os ventos da conveniência.
Lula sabe: Marina é a rosa dos ventos conservadores.
Fixou-se nela o ponto de coagulação de uma sociedade doutrinada diuturnamente pelo jogral do Brasil aos cacos, para o qual a mídia não se cansou de bombear água do antipetismo na última década.
Até que o dique se rompeu. Na conveniente dissipação das fronteiras políticas vocalizada por Marina Silva.
É sobre elas que Lula fala.
E pede urgência na restauração de um partido capaz de avivar o discernimento da sociedade para o arame farpado submerso nas águas indivisas do ‘tudo, menos o PT’.
A politização que Lula cobra -em contraposição ao economicismo dos que preconizam derivar a sociedade justa da boa gestão macroeconômica, necessária mas insuficiente- não é apenas um recado para esta eleição.
É um imperativo de aggiornamento histórico, do qual o escrutínio de outubro é um capítulo hercúleo e dilacerante, mas que não pode mais ser visto como um ponto de chegada.
Tornou-se um ponto de partida, independente do desfecho.
Em algum momento seria preciso dizer isso.
Lula começou a fazê-lo.
Uma parte do que se pode -e se deve- arguir na candidatura de Marina também se pode -e se deve- incluir na lista dos débitos a serem corajosamente debulhados pelo PT.
Marina aspira passar uma borracha na cisão que ordena o capitalismo brasileiro sem alterar a sua estrutura, mas consagrando-a integralmente às leis da pureza mercadista na economia; e da ‘verdade eleitoral’ das candidaturas avulsas, na política.
É assim que o aluvião conservador pretende erradicar o mal pela raiz: liquefazendo o papel do Estado no desenvolvimento e erradicando os partidos na democracia.
Marina fantasia uma ruptura que reafirma as balizas do regime ‘sujo’ que promete purificar.
Não sabia, mas viajava num jatinho turbinado no caixa dois das propinas mediadas por um ex-diretor da Petrobrás, demitido pela ‘gerentona’ Dilma Rousseff. Assim como se aninha na confortável tutela de uma herdeira do banco Itaú; e aquiesce às bordoadas eletrônicas do impoluto Silas Malafaia; como tampouco estranha a ecumênica adesão dos apetites de um Roberto Freire, Serra, Bornhausen e sucedâneos.
Não importa.
A seita dos bons inscreve-se na constelação das verdades transcendentais. Marina tem seu projeto blindado à crítica nos seus próprios termos e consequências.
A infalibilidade de sua roleta bíblica mimetiza na esfera divina a auto-regulação evocada pelos livres mercados na realidade profana.
Nela se incorporam as duas coisas para formar uma esférica camuflagem do obscurantismo com o rentismo.
Não se escapa desse ardil apenas com a listagem de obras na publicidade eleitoral.
Quando Lula sacode a propaganda do PT pelos ombros e diz que é preciso politizar a disputa, demarcar o campo de classe, é porque sabe que esse é o ponto em torno do qual a natureza onívora e messiânica da ‘arca dos bons’ se revela.
É a chance de abrir um rombo no casco na arca de Noé da candidata eólica.
Mas encerra também uma advertência ao PT.
Minimizar o campo de classe é desintegrar-se em uma gelatina a partir da qual ‘peão vota em patrão’.
É facultar a Marina terceirizar a moeda, o juro, o câmbio e o salário aos mercados como se fosse uma operação épica de assepsia no intervencionismo sujo, corrupto-petista.
Marina é a luva descartável de uma higienização antipopular promovida periodicamente pelas elites locais e estrangeiras na história do país.
Sua arca reúne espécies da cepa de 32, de 54, de 56, de 64, de 69, de 2005 ... mas ela finge não saber disso.
Denunciá-lo não é a política do medo, mas a da verdade histórica, como afirmou a Presidenta Dilma.
O PT nasceu abrigado na certeza de que o socialismo é a democracia levada às últimas consequências.
Emparedado entre a queda do muro de Berlim, e a hegemonia do neoliberalismo, apegou-se à fresta que hoje se revela uma imensa avenida na crise conjunta da representação política e de estagnação capitalista em todas as latitudes.
A meca de Marina, ao contrário, é levar a financeirização da sociedade às últimas consequências.
A ambientalista direcionou sua trajetória à boca de um funil do qual muitos emergiram do outro lado na forma de um resíduo histórico.
Quer levar o Brasil nessa aventura.
São projetos ontologicamente antagônicos nos seus meios e fins.
Como então as propagandas e práticas eleitorais podem se assemelhar, ‘a ponto de peão votar em patrão’?
A resposta que Lula cobra do PT a menos de 30 dias das urnas não vai apenas definir a vitória ou a derrota em 4 e 26 de outubro.
A resposta cobrada tem um tempo histórico de maturação mais longo e convoca um vigor de engajamento mais denso.
A resposta vai definir se o PT continuará ou não a ser a viga estruturante do campo progressista brasileiro a partir de 2015.
Dentro ou fora do Planalto.
A ver.
http://www.cartamaior.com.br/? /Editoria/Politica/Juarez- Guimaraes-A-nova-Marina-Silva- e-uma-criatura-de-FHC%0A/4/ 31764
A perplexidade é proporcional ao aluvião que a inspira.
Há lugar para todos na arca de Marina. Fosse vivo, almirante Pena Boto, que presidiu a ‘Cruzada Brasileira Anticomunista’ nos anos 50/60, estaria dentro.
Catalisado pelo bordão onívoro do ‘tudo, menos o PT’ o comboio ganhou agora a ilustrativa adesão do Clube Militar. Seus atributos dispensam apresentações; assinado pelo General Clovis Purper Bandeira, ex-ABIN e ex-aluno da Escola de Guerra dos EUA, o manifesto de apoio confere a Marina, em seus múltiplos significados, o apanágio de ‘ fio da esperança’ para derrotar o ‘lulopetismo’.
Nem em 1964 a espinha conservadora reuniu vértebras tão numerosas e de calcificação tão variada contra Jango.
O golpe recorreu aos tanques por carecer de uma liderança carismática.
Agora não precisa.
'Nosso problema não é falta de obras (para mostrar), é falta de política!”, advertiu Lula, diante do aluvião que já lambe a cintura do campo progressista.
Depois de criticar a opacidade geral da propaganda do partido, o ex-presidente alvejou o centro do alvo: ‘Ficamos economicistas. Um peão votar em patrão (Skaf)!? Isso era impensável! Temos que demarcar o campo de classe nessa eleição. Nossa propaganda na televisão tem que falar de política; (pelo amor de Deus) reservem pelo menos um segundo para falar de política!’
Não qualquer política.
Lula está falando de economia concentrada.
Concentrada no conflito de interesses decorrente do lugar que os homens e mulheres ocupam na estrutura da sociedade.
Seja dentro de uma fábrica ou em uma mesa de negociação.
Mas também no orçamento do Estado. Na destinação que lhes cabe da riqueza .
Na forma como essa repartição é regulada.
Na fatia apropriada pelos fundos públicos...
É dessa política que carece a propaganda do PT.
Lula fala do que vivenciou.
A experiência sindical ensinou ao torneiro mecânico que a paz social nunca é menos que a repressão dos oprimidos.
A engrenagem das demarcações históricas impregnou seu metabolismo nas assembleias e bastidores das grandes greves operárias dos anos 70 e 80 no ABC.
Por mais que o exercício do poder tenha sugado esse sangue, a memória não se perdeu.
A memória histórica é um pedaço do futuro.
Seu esquecimento não raro reitera o passado.
A memória vivida explica a argúcia de Lula ao atribuir ao PT parte da responsabilidade pela irresistível promessa de Marina.
A promessa de reunir os bons, quem sabe os puros, de qualquer forma os melhores.
Enfim, os homens e mulheres pios de um país desafortunadamente esgotado pela ‘polarização PT-PSDB’, como diz a candidata eólica, cujo programa emula os ventos da conveniência.
Lula sabe: Marina é a rosa dos ventos conservadores.
Fixou-se nela o ponto de coagulação de uma sociedade doutrinada diuturnamente pelo jogral do Brasil aos cacos, para o qual a mídia não se cansou de bombear água do antipetismo na última década.
Até que o dique se rompeu. Na conveniente dissipação das fronteiras políticas vocalizada por Marina Silva.
É sobre elas que Lula fala.
E pede urgência na restauração de um partido capaz de avivar o discernimento da sociedade para o arame farpado submerso nas águas indivisas do ‘tudo, menos o PT’.
A politização que Lula cobra -em contraposição ao economicismo dos que preconizam derivar a sociedade justa da boa gestão macroeconômica, necessária mas insuficiente- não é apenas um recado para esta eleição.
É um imperativo de aggiornamento histórico, do qual o escrutínio de outubro é um capítulo hercúleo e dilacerante, mas que não pode mais ser visto como um ponto de chegada.
Tornou-se um ponto de partida, independente do desfecho.
Em algum momento seria preciso dizer isso.
Lula começou a fazê-lo.
Uma parte do que se pode -e se deve- arguir na candidatura de Marina também se pode -e se deve- incluir na lista dos débitos a serem corajosamente debulhados pelo PT.
Marina aspira passar uma borracha na cisão que ordena o capitalismo brasileiro sem alterar a sua estrutura, mas consagrando-a integralmente às leis da pureza mercadista na economia; e da ‘verdade eleitoral’ das candidaturas avulsas, na política.
É assim que o aluvião conservador pretende erradicar o mal pela raiz: liquefazendo o papel do Estado no desenvolvimento e erradicando os partidos na democracia.
Marina fantasia uma ruptura que reafirma as balizas do regime ‘sujo’ que promete purificar.
Não sabia, mas viajava num jatinho turbinado no caixa dois das propinas mediadas por um ex-diretor da Petrobrás, demitido pela ‘gerentona’ Dilma Rousseff. Assim como se aninha na confortável tutela de uma herdeira do banco Itaú; e aquiesce às bordoadas eletrônicas do impoluto Silas Malafaia; como tampouco estranha a ecumênica adesão dos apetites de um Roberto Freire, Serra, Bornhausen e sucedâneos.
Não importa.
A seita dos bons inscreve-se na constelação das verdades transcendentais. Marina tem seu projeto blindado à crítica nos seus próprios termos e consequências.
A infalibilidade de sua roleta bíblica mimetiza na esfera divina a auto-regulação evocada pelos livres mercados na realidade profana.
Nela se incorporam as duas coisas para formar uma esférica camuflagem do obscurantismo com o rentismo.
Não se escapa desse ardil apenas com a listagem de obras na publicidade eleitoral.
Quando Lula sacode a propaganda do PT pelos ombros e diz que é preciso politizar a disputa, demarcar o campo de classe, é porque sabe que esse é o ponto em torno do qual a natureza onívora e messiânica da ‘arca dos bons’ se revela.
É a chance de abrir um rombo no casco na arca de Noé da candidata eólica.
Mas encerra também uma advertência ao PT.
Minimizar o campo de classe é desintegrar-se em uma gelatina a partir da qual ‘peão vota em patrão’.
É facultar a Marina terceirizar a moeda, o juro, o câmbio e o salário aos mercados como se fosse uma operação épica de assepsia no intervencionismo sujo, corrupto-petista.
Marina é a luva descartável de uma higienização antipopular promovida periodicamente pelas elites locais e estrangeiras na história do país.
Sua arca reúne espécies da cepa de 32, de 54, de 56, de 64, de 69, de 2005 ... mas ela finge não saber disso.
Denunciá-lo não é a política do medo, mas a da verdade histórica, como afirmou a Presidenta Dilma.
O PT nasceu abrigado na certeza de que o socialismo é a democracia levada às últimas consequências.
Emparedado entre a queda do muro de Berlim, e a hegemonia do neoliberalismo, apegou-se à fresta que hoje se revela uma imensa avenida na crise conjunta da representação política e de estagnação capitalista em todas as latitudes.
A meca de Marina, ao contrário, é levar a financeirização da sociedade às últimas consequências.
A ambientalista direcionou sua trajetória à boca de um funil do qual muitos emergiram do outro lado na forma de um resíduo histórico.
Quer levar o Brasil nessa aventura.
São projetos ontologicamente antagônicos nos seus meios e fins.
Como então as propagandas e práticas eleitorais podem se assemelhar, ‘a ponto de peão votar em patrão’?
A resposta que Lula cobra do PT a menos de 30 dias das urnas não vai apenas definir a vitória ou a derrota em 4 e 26 de outubro.
A resposta cobrada tem um tempo histórico de maturação mais longo e convoca um vigor de engajamento mais denso.
A resposta vai definir se o PT continuará ou não a ser a viga estruturante do campo progressista brasileiro a partir de 2015.
Dentro ou fora do Planalto.
A ver.
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Carta Maior, 07/09/2014
A nova Marina Silva é uma criatura de FHC
Por Juarez Guimarães
Por Juarez Guimarães
Antes de Marina Silva deixar o segundo governo Lula e o PT, Hamilton
Pereira eu escrevemos uma carta aberta a ela dirigida com o nome “Em favor das razões de Marina”,
publicada no site da Fundação Perseu Abramo. Nela, após anotar os
avanços já conquistados no campo ecológico durante os governos Lula
(redução drástica do desmatamento da Amazônia, nova regulação inclusive
com a introdução do critério ambiental no financiamento dos bancos
públicos, grande extensão das áreas ecologicamente preservadas, presença
de liderança nos fóruns internacionais de políticas contra o
aquecimento global), reconhecíamos que a agenda ecológica ainda não
havia ido ao centro da cultura da esquerda brasileira e do próprio
governo. Marina tinha ainda um grande trabalho a cumprir neste sentido.
Mas nesta mesma carta, alertávamos para dois grandes riscos corridos por Marina: o de separar dramaticamente a luta ecológica da luta por justiça social e ser seduzida pelas novas ondas do eco-liberalismo, isto é, inserir a sua visão ecológica na sedutora rede do chamado “capitalismo verde”. A trajetória de Marina até estas eleições de 2014 superou as piores expectativas: ela se tornou, de fato, a nova criatura política do neoliberalismo cosmopolita e bem articulado de Fernando Henrique Cardoso.
Já na candidatura de 2010, como expõe Alfredo Sirkis, coordenador geral da candidatura de Marina, no livro “O efeito Marina” ( Editora Nova Fronteira), foi realizada em fevereiro de 2010 no apartamento de FHC em Higienópolis uma “reunião secreta” , nas próprias palavras do autor, com FHC e Serra para combinar um palanque duplo de Gabeira no Rio. A candidatura de Marina pelo PV já havia passado por um acordo com o presidente deste partido, fisiologicamente ligado ao governo do PSDB em São Paulo. De lá, Sirkis seguiu para combinar com Aécio Neves o acordo do PV com o PSDB em Minas.
O “rabo preso” de Marina com o PSDB ficaria nítido no segundo turno das eleições de 2010, quando Marina optou por se abster do confronto entre Dilma e Serra. Ali, como marcou memoravelmente a sagrada ira crítica de Leonardo Boff, Marina começou definitivamente a separar o programa ecológico da luta dos trabalhadores e oprimidos brasileiros contra o neoliberalismo.
A sua participação nestas eleições de 2014 completa o ciclo de mudanças de Marina. Após o trágico acidente que vitimou Eduardo Campos, Marina já se apresenta como aquela que vai reunir a “nova elite”, isto é, que vai salvar não o Brasil como afirma mas o neoliberalismo brasileiro de sua derrota política estrondosa e final.
Como um Aécio que está dando certo, Marina tem na liderança de Fernando Henrique Cardoso o seu novo epicentro político. Sem este epicentro, o folego político de Marina seria muito curto. Mas é preciso demonstrar esta convergência entre a evangélica de posicionamentos fundamentalistas e o neoliberal cosmopolita.
Estratégia, linguagem e nova articulação política
O primeiro modo de documentar a organicidade da práxis de Marina nestas eleições em relação a FHC é refletir sobre a sua estratégia política. O seu posicionamento de oposição frontal ao governo de Dilma Roussef poderia ser combinado com uma delimitação clara com a base política histórica e social do PSDB, estabelecendo as suas críticas fundamentais ao ciclo FHC, se quisesse de fato construir uma “terceira via”. É o contrário do que fez: adotou a narrativa que pretende estabelecer o mérito histórico de FHC em conquistar a estabilidade econômica do país como Lula cumpriu a grande meta da inclusão social, exatamente a mesma narrativa assumida antes por Aécio Neves. Isto é, desfazer o abismo entre a impopularidade de FHC e a popularidade de Lula, o sentido classista antagônico dramático dos dois governos, apenas para melhor disputar por dentro a base social em ascensão econômica e de acesso a direitos e que forma a maioria do eleitorado brasileiro.
Ao elogiar FHC e não entrar em choque frontal com a liderança política de Lula, Marina pretende combinar dois objetivos: tornar-se orgânica em relação as forcas políticas e econômicas do neoliberalismo e , ao mesmo tempo, cultivar a base social que já construiu a consciência democrática de seu antagonismo com os tempos de FHC. Mais do que Aécio, por todo seu simbolismo, ela está muito mais bem posicionada para cumprir esta estratégia.
Ora, esta estratégia – a de formar uma base social ampla do anti-petismo e capitalizar uma dinâmica de “mutirão das oposições” contra Dilma – foi exatamente formulada por FHC. E, neste sentido, a nova Marina é a criatura que melhor encarna esta estratégia.
O segundo modo de comprovar a identidade de Marina com FHC é registrar a fonte de sua linguagem. Se a linguagem encena a política – com suas agendas, seu vocabulário, seus argumentos - , não há hoje na fala pública de Marina nada que não possa ser identificado ou assimilado pela linguagem de FHC, que formou o ideário cosmopolita do neoliberalismo brasileiro. Não há classes e interesses sociais em disputa mas “elites”. Seus novos “heróis ecológicos” são empresários ou herdeiros ou associados a grandes banqueiros nacionais e internacionais. As promessas de políticas sociais serão melhor cumpridas com um programa econômico neoliberal. O Brasil deve mudar sua política externa, voltando ao eixo americanista. O estado será diminuído e será mais eficiente ao ser governado pelos “melhores”.
E, ao mesmo tempo, cenho franzido, voz indignada, dedo em riste acusador para falar do governo Dilma e do PT. A "nova política” expulsará os corruptos! A Petrobrás virou um antro de corrupção e tem uma gestão catastrófica. A inflação está fora do controle e disparada! O “Mais Médicos “ foi um paliativo. A política de partilha do pré-sal deve ser revista para o modelo de concessão. O número de ministérios será diminuído!
Erra Aécio Neves quando diz que o programa de Marina é um plágio do seu. É mais grave: ele tem a mesma fonte de inspiração, ou seja, o paradigma político de FHC. Em resumo: a nova linguagem de Marina se faz com a gramática e o dicionário de FHC. Mesmo o tema da participação social no governo pode ser assimilado pelos argumentos do papel protagonista da “sociedade civil”, das ONGs , do “terceiro setor”, do governo em rede etc.
Há uma terceira linha de organicidade nova de Marina em relação a rede de articuladores liderada por FHC. Há aí um novo pragmatismo político da política de convicções fundamentalistas no plano moral e novos atores que estão indo ao centro em substituição aos amadores da Rede ou dos quadros históricos mais a esquerda do PSB, como Luiza Erundina ou Roberto Amaral.
Se FHC foi, desde a origem, a grande referência programática do PSDB, ele nunca fez política “de partido”. Primeiro, jogou-se no grande mundo oposicionista do PMDB. Depois, já no início do PSDB, só não entrou no governo Collor devido a cerrada oposição de Covas, como já está documentado. Foi a partir de dentro do governo Itamar, que armou a estratégia do Real e da candidatura a presidência. No governo, cooptou na direita do espectro político e na esquerda. Na oposição aos governos Lula e Dilma, sempre trabalhou em rede: além do trio PSDB, PPS, PFL/DEM , articula um setor oposicionista dentro do PMDB ( Pedro Simon, Jarbas Vasconcelos etc), do PDT ( os senadores Cristovao Buarque e Tasques), do PSB (os deputados federais Beto Albuquerque e Júlio Delgado etc), do PTB, do PV. Esta rede oposicionista em parte já convergiu e está convergindo cada vez mais para Marina. Seus novos articuladores políticos já falam na intimidade com Serra, Alckmin e com os núcleos dirigentes dos políticos conservadores brasileiros.
A “nova elite” em formação – o marinato –, na verdade, é composta centralmente de personagens políticos da intimidade ou da relação com FHC.
Neoliberalismo selvagem e visão de mundo
A quarta dimensão que escancara a configuração da nova Marina como criatura política de FHC é a sua adesão sem limites a um relançamento do programa neoliberal, em bases ainda mais selvagens do aquele cumprido nos anos FHC. A proposta de “autonomia do Banco Central”, na verdade, um atentado ao poder do presidente soberanamente eleito de dirigir a economia do país em detrimento do poder dos grandes banqueiros, é um símbolo e uma direção. Esta radicalização do programa neoliberal está bem documentada em atas dos seminários do Instituto FHC realizados nos últimos anos.
Um novo encaixe de um Brasil neoliberal na fase extremamente regressiva hoje vivida pelo capitalismo internacional, certamente duplicará seus efeitos sociais perversos. E uma nova rodada de assalto, concebido como definitivo, ao patrimônio público – privatização por dentro da Petrobrás, revisão do regime de partilha do pré-sal , privatização por dentro do Banco do Brasil e da Caixa Econômica como já foi anunciado, desmontagem do BNDES – certamente viria com uma eventual eleição de Marina.
O Banco Itaú, da nova amiga de confiança de Marina, a agora famosa Neca, que lhe abriu a coordenação do programa e da arrecadação financeira, foi sempre intimamente vinculado a FHC. Os dois personagens até agora mandatados por Marina para a área econômica – Eduardo Gianetti e André Lara Resende – compuseram o governo FHC em cargos muito importantes. O primeiro foi secretário executivo da Camara de Comercio Exterior, órgão diretamente vinculado a presidência. O segundo foi diretor do Banco Central e, depois, presidente do BNDES no segundo governo FHC por um período de alguns meses em 1998, tendo que deixar o cargo após o chamado escândalo dos grampos da privatização das telecomunicações.
Os dois são personagens tidos como brilhantes no grande pequeno mundo neoliberal: um economista filósofo de quinta categoria que chegou ao disparate de afirmar que a escola econômica desenvolvimentista da Unicamp é “filhote da ditadura” e de propor, como está documentado no livro “O que os economistas pensam sobre a sustentabilidade”, organizado por Ricardo Arnt, que os precos do leite e da carne deviam ser aumentados por motivos ecológicos, isto é, para se reduzir o tamanho do rebanho bovino cujos gases impactam a camada de ozônio; o segundo é um rentista especulador, fundador do Banco Matrix, gestor no Brasil do dinheiro de grandes bancos estrangeiros e de fundos de investimento internacionais, um milionário que tem como esporte carros de corrida e cavalos de raça.
Mas há uma quinta convergência entre esta política de preconceitos morais fundamentalistas e o neoliberal cosmopolita que é preciso esclarecer mais. Há mais do que funcionalidade recíproca entre Marina e FHC: uma criatura que encarna com mais dinamismo e eficácia o “tsunami anti-petista” vocalizado por Aécio mas dirigido por FHC e o interlocutor que lhe abre o caminho real da bolsa, do poder e da mídia empresarial.
Fernando Henrique Cardoso já manifestou várias vezes a sua avaliação positiva das seitas evangélicas no Brasil: elas , retomando de modo superficial um tema clássico de Max Weber, ao retirar o sentido cristão católico negativo atribuído ao dinheiro e ao enriquecimento, seriam vetores culturais de afirmação de valores saudáveis do capitalismo. Ora, esta que faz o elogio da “boa consciência” dos milionários é facilmente assimilada por este que sempre, contra a tradição varguista, desenvolvimentista e agora petista , faz a defesa ideológica do casamento da democracia liberal com o mercado.
A “nova “ Marina e a velha ordem neoliberal
Marina constituiu sua primeira identidade pública, por um longo período, no campo da esquerda brasileira. Isto a diferencia de Collor e de Jânio Quadros que, apenas em um primeiro momento, contou com a simpatia do antigo PSB. Não se trata, pois, de um caso de simulacro, de um personagem que faz de conta ser o que não é.
Houve uma ruptura política profunda e há uma “nova” Marina Silva. O conceito clássico para designar esta passagem, esta transformação, em que uma liderança de fora da ordem dominante é tragada por esta ordem em busca de uma relegitimação política , é o de transformismo, operado por Gramsci para entender a política italiana.
Toda a virulência da operação transformista de Marina – como um sintoma – veio a tona em sua afirmação durante o debate entre os candidatos presidenciais na Rede Bandeirantes de que Chico Mendes, assim como o empresário dono da Natura, Guilherme Leal e a herdeira do Banco Itaú, são parte da elite.
Há certas afirmações que denunciam quem as faz. Chico Mendes não é mais para Marina um seringueiro, um sindicalista, um socialista e um grande mártir da luta ecológica dos brasileiros contra os poderes predatórios do capitalismo. Marina só é capaz de dizer isto porque agora já se sente e deseja, com toda a força de sua personalidade, ser parte da elite.
Aliás, o termo “elite” tem uma famosa genealogia na ciência política. A chamada “teoria das elites” foi formulada por italianos ultra-conservadores, que depois aderiram ao fascismo de Mussolini, como uma resposta ao princípio da soberania popular na virada do século XIX para XX. O par de “elite” é exatamente “massa”, indicando a incapacidade permanente de formas de auto-governo. No liberalismo conservador contemporâneo, ao qual Marina está aderindo, o termo elite designa a teoria do chamado “elitismo democrático”, isto é, uma democracia que é na verdade governada pelas “elites”.
Trinta dias atrás FHC prognosticou a vitória provável de Aécio nestas eleições presidenciais. Os seus grandes erros na política sempre decorreram de se conceber como parte da elite, por um viés elitista desprezar a consciência política em formação do povo brasileiro. Agora, sua aposta será cada vez mais na vitória provável de Marina nestas eleições.
Mas a nova Marina não é um mito mas uma mistificação. O resultado destas eleições dependera de nossa capacidade em construir junto com a consciência democrática, republicana e socialista do povo brasileiro – esta que Chico Mendes deu a vida para formar – a convicção de que a nova Marina é apenas a nova criatura do velho neoliberalismo de FHC.
Mas nesta mesma carta, alertávamos para dois grandes riscos corridos por Marina: o de separar dramaticamente a luta ecológica da luta por justiça social e ser seduzida pelas novas ondas do eco-liberalismo, isto é, inserir a sua visão ecológica na sedutora rede do chamado “capitalismo verde”. A trajetória de Marina até estas eleições de 2014 superou as piores expectativas: ela se tornou, de fato, a nova criatura política do neoliberalismo cosmopolita e bem articulado de Fernando Henrique Cardoso.
Já na candidatura de 2010, como expõe Alfredo Sirkis, coordenador geral da candidatura de Marina, no livro “O efeito Marina” ( Editora Nova Fronteira), foi realizada em fevereiro de 2010 no apartamento de FHC em Higienópolis uma “reunião secreta” , nas próprias palavras do autor, com FHC e Serra para combinar um palanque duplo de Gabeira no Rio. A candidatura de Marina pelo PV já havia passado por um acordo com o presidente deste partido, fisiologicamente ligado ao governo do PSDB em São Paulo. De lá, Sirkis seguiu para combinar com Aécio Neves o acordo do PV com o PSDB em Minas.
O “rabo preso” de Marina com o PSDB ficaria nítido no segundo turno das eleições de 2010, quando Marina optou por se abster do confronto entre Dilma e Serra. Ali, como marcou memoravelmente a sagrada ira crítica de Leonardo Boff, Marina começou definitivamente a separar o programa ecológico da luta dos trabalhadores e oprimidos brasileiros contra o neoliberalismo.
A sua participação nestas eleições de 2014 completa o ciclo de mudanças de Marina. Após o trágico acidente que vitimou Eduardo Campos, Marina já se apresenta como aquela que vai reunir a “nova elite”, isto é, que vai salvar não o Brasil como afirma mas o neoliberalismo brasileiro de sua derrota política estrondosa e final.
Como um Aécio que está dando certo, Marina tem na liderança de Fernando Henrique Cardoso o seu novo epicentro político. Sem este epicentro, o folego político de Marina seria muito curto. Mas é preciso demonstrar esta convergência entre a evangélica de posicionamentos fundamentalistas e o neoliberal cosmopolita.
Estratégia, linguagem e nova articulação política
O primeiro modo de documentar a organicidade da práxis de Marina nestas eleições em relação a FHC é refletir sobre a sua estratégia política. O seu posicionamento de oposição frontal ao governo de Dilma Roussef poderia ser combinado com uma delimitação clara com a base política histórica e social do PSDB, estabelecendo as suas críticas fundamentais ao ciclo FHC, se quisesse de fato construir uma “terceira via”. É o contrário do que fez: adotou a narrativa que pretende estabelecer o mérito histórico de FHC em conquistar a estabilidade econômica do país como Lula cumpriu a grande meta da inclusão social, exatamente a mesma narrativa assumida antes por Aécio Neves. Isto é, desfazer o abismo entre a impopularidade de FHC e a popularidade de Lula, o sentido classista antagônico dramático dos dois governos, apenas para melhor disputar por dentro a base social em ascensão econômica e de acesso a direitos e que forma a maioria do eleitorado brasileiro.
Ao elogiar FHC e não entrar em choque frontal com a liderança política de Lula, Marina pretende combinar dois objetivos: tornar-se orgânica em relação as forcas políticas e econômicas do neoliberalismo e , ao mesmo tempo, cultivar a base social que já construiu a consciência democrática de seu antagonismo com os tempos de FHC. Mais do que Aécio, por todo seu simbolismo, ela está muito mais bem posicionada para cumprir esta estratégia.
Ora, esta estratégia – a de formar uma base social ampla do anti-petismo e capitalizar uma dinâmica de “mutirão das oposições” contra Dilma – foi exatamente formulada por FHC. E, neste sentido, a nova Marina é a criatura que melhor encarna esta estratégia.
O segundo modo de comprovar a identidade de Marina com FHC é registrar a fonte de sua linguagem. Se a linguagem encena a política – com suas agendas, seu vocabulário, seus argumentos - , não há hoje na fala pública de Marina nada que não possa ser identificado ou assimilado pela linguagem de FHC, que formou o ideário cosmopolita do neoliberalismo brasileiro. Não há classes e interesses sociais em disputa mas “elites”. Seus novos “heróis ecológicos” são empresários ou herdeiros ou associados a grandes banqueiros nacionais e internacionais. As promessas de políticas sociais serão melhor cumpridas com um programa econômico neoliberal. O Brasil deve mudar sua política externa, voltando ao eixo americanista. O estado será diminuído e será mais eficiente ao ser governado pelos “melhores”.
E, ao mesmo tempo, cenho franzido, voz indignada, dedo em riste acusador para falar do governo Dilma e do PT. A "nova política” expulsará os corruptos! A Petrobrás virou um antro de corrupção e tem uma gestão catastrófica. A inflação está fora do controle e disparada! O “Mais Médicos “ foi um paliativo. A política de partilha do pré-sal deve ser revista para o modelo de concessão. O número de ministérios será diminuído!
Erra Aécio Neves quando diz que o programa de Marina é um plágio do seu. É mais grave: ele tem a mesma fonte de inspiração, ou seja, o paradigma político de FHC. Em resumo: a nova linguagem de Marina se faz com a gramática e o dicionário de FHC. Mesmo o tema da participação social no governo pode ser assimilado pelos argumentos do papel protagonista da “sociedade civil”, das ONGs , do “terceiro setor”, do governo em rede etc.
Há uma terceira linha de organicidade nova de Marina em relação a rede de articuladores liderada por FHC. Há aí um novo pragmatismo político da política de convicções fundamentalistas no plano moral e novos atores que estão indo ao centro em substituição aos amadores da Rede ou dos quadros históricos mais a esquerda do PSB, como Luiza Erundina ou Roberto Amaral.
Se FHC foi, desde a origem, a grande referência programática do PSDB, ele nunca fez política “de partido”. Primeiro, jogou-se no grande mundo oposicionista do PMDB. Depois, já no início do PSDB, só não entrou no governo Collor devido a cerrada oposição de Covas, como já está documentado. Foi a partir de dentro do governo Itamar, que armou a estratégia do Real e da candidatura a presidência. No governo, cooptou na direita do espectro político e na esquerda. Na oposição aos governos Lula e Dilma, sempre trabalhou em rede: além do trio PSDB, PPS, PFL/DEM , articula um setor oposicionista dentro do PMDB ( Pedro Simon, Jarbas Vasconcelos etc), do PDT ( os senadores Cristovao Buarque e Tasques), do PSB (os deputados federais Beto Albuquerque e Júlio Delgado etc), do PTB, do PV. Esta rede oposicionista em parte já convergiu e está convergindo cada vez mais para Marina. Seus novos articuladores políticos já falam na intimidade com Serra, Alckmin e com os núcleos dirigentes dos políticos conservadores brasileiros.
A “nova elite” em formação – o marinato –, na verdade, é composta centralmente de personagens políticos da intimidade ou da relação com FHC.
Neoliberalismo selvagem e visão de mundo
A quarta dimensão que escancara a configuração da nova Marina como criatura política de FHC é a sua adesão sem limites a um relançamento do programa neoliberal, em bases ainda mais selvagens do aquele cumprido nos anos FHC. A proposta de “autonomia do Banco Central”, na verdade, um atentado ao poder do presidente soberanamente eleito de dirigir a economia do país em detrimento do poder dos grandes banqueiros, é um símbolo e uma direção. Esta radicalização do programa neoliberal está bem documentada em atas dos seminários do Instituto FHC realizados nos últimos anos.
Um novo encaixe de um Brasil neoliberal na fase extremamente regressiva hoje vivida pelo capitalismo internacional, certamente duplicará seus efeitos sociais perversos. E uma nova rodada de assalto, concebido como definitivo, ao patrimônio público – privatização por dentro da Petrobrás, revisão do regime de partilha do pré-sal , privatização por dentro do Banco do Brasil e da Caixa Econômica como já foi anunciado, desmontagem do BNDES – certamente viria com uma eventual eleição de Marina.
O Banco Itaú, da nova amiga de confiança de Marina, a agora famosa Neca, que lhe abriu a coordenação do programa e da arrecadação financeira, foi sempre intimamente vinculado a FHC. Os dois personagens até agora mandatados por Marina para a área econômica – Eduardo Gianetti e André Lara Resende – compuseram o governo FHC em cargos muito importantes. O primeiro foi secretário executivo da Camara de Comercio Exterior, órgão diretamente vinculado a presidência. O segundo foi diretor do Banco Central e, depois, presidente do BNDES no segundo governo FHC por um período de alguns meses em 1998, tendo que deixar o cargo após o chamado escândalo dos grampos da privatização das telecomunicações.
Os dois são personagens tidos como brilhantes no grande pequeno mundo neoliberal: um economista filósofo de quinta categoria que chegou ao disparate de afirmar que a escola econômica desenvolvimentista da Unicamp é “filhote da ditadura” e de propor, como está documentado no livro “O que os economistas pensam sobre a sustentabilidade”, organizado por Ricardo Arnt, que os precos do leite e da carne deviam ser aumentados por motivos ecológicos, isto é, para se reduzir o tamanho do rebanho bovino cujos gases impactam a camada de ozônio; o segundo é um rentista especulador, fundador do Banco Matrix, gestor no Brasil do dinheiro de grandes bancos estrangeiros e de fundos de investimento internacionais, um milionário que tem como esporte carros de corrida e cavalos de raça.
Mas há uma quinta convergência entre esta política de preconceitos morais fundamentalistas e o neoliberal cosmopolita que é preciso esclarecer mais. Há mais do que funcionalidade recíproca entre Marina e FHC: uma criatura que encarna com mais dinamismo e eficácia o “tsunami anti-petista” vocalizado por Aécio mas dirigido por FHC e o interlocutor que lhe abre o caminho real da bolsa, do poder e da mídia empresarial.
Fernando Henrique Cardoso já manifestou várias vezes a sua avaliação positiva das seitas evangélicas no Brasil: elas , retomando de modo superficial um tema clássico de Max Weber, ao retirar o sentido cristão católico negativo atribuído ao dinheiro e ao enriquecimento, seriam vetores culturais de afirmação de valores saudáveis do capitalismo. Ora, esta que faz o elogio da “boa consciência” dos milionários é facilmente assimilada por este que sempre, contra a tradição varguista, desenvolvimentista e agora petista , faz a defesa ideológica do casamento da democracia liberal com o mercado.
A “nova “ Marina e a velha ordem neoliberal
Marina constituiu sua primeira identidade pública, por um longo período, no campo da esquerda brasileira. Isto a diferencia de Collor e de Jânio Quadros que, apenas em um primeiro momento, contou com a simpatia do antigo PSB. Não se trata, pois, de um caso de simulacro, de um personagem que faz de conta ser o que não é.
Houve uma ruptura política profunda e há uma “nova” Marina Silva. O conceito clássico para designar esta passagem, esta transformação, em que uma liderança de fora da ordem dominante é tragada por esta ordem em busca de uma relegitimação política , é o de transformismo, operado por Gramsci para entender a política italiana.
Toda a virulência da operação transformista de Marina – como um sintoma – veio a tona em sua afirmação durante o debate entre os candidatos presidenciais na Rede Bandeirantes de que Chico Mendes, assim como o empresário dono da Natura, Guilherme Leal e a herdeira do Banco Itaú, são parte da elite.
Há certas afirmações que denunciam quem as faz. Chico Mendes não é mais para Marina um seringueiro, um sindicalista, um socialista e um grande mártir da luta ecológica dos brasileiros contra os poderes predatórios do capitalismo. Marina só é capaz de dizer isto porque agora já se sente e deseja, com toda a força de sua personalidade, ser parte da elite.
Aliás, o termo “elite” tem uma famosa genealogia na ciência política. A chamada “teoria das elites” foi formulada por italianos ultra-conservadores, que depois aderiram ao fascismo de Mussolini, como uma resposta ao princípio da soberania popular na virada do século XIX para XX. O par de “elite” é exatamente “massa”, indicando a incapacidade permanente de formas de auto-governo. No liberalismo conservador contemporâneo, ao qual Marina está aderindo, o termo elite designa a teoria do chamado “elitismo democrático”, isto é, uma democracia que é na verdade governada pelas “elites”.
Trinta dias atrás FHC prognosticou a vitória provável de Aécio nestas eleições presidenciais. Os seus grandes erros na política sempre decorreram de se conceber como parte da elite, por um viés elitista desprezar a consciência política em formação do povo brasileiro. Agora, sua aposta será cada vez mais na vitória provável de Marina nestas eleições.
Mas a nova Marina não é um mito mas uma mistificação. O resultado destas eleições dependera de nossa capacidade em construir junto com a consciência democrática, republicana e socialista do povo brasileiro – esta que Chico Mendes deu a vida para formar – a convicção de que a nova Marina é apenas a nova criatura do velho neoliberalismo de FHC.
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