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Carta Maior, 07/09/2014
Adeus Palestina
Por Robert Fisk (*)
E foi assim que mais uma fatia da terra palestina escorreu pelo ralo.
Mais uns 400 hectares de terra palestina foram roubados pelo governo de
Israel – porque... “apropriação” é roubo, não? – e o mundo já deu as
desculpas de sempre.
Os norte-americanos acharam o roubo “contraproducente” para a paz, o que é reação bastante amena, considerando o que os EUA diriam/fariam caso o México roubasse 400 hectares acres de terra do Texas e resolvesse construir ali casas para imigrantes mexicanos ilegais nos EUA. Mas, não. Foi na “Palestina” (aspas mais necessárias do que nunca). E Israel conseguiu continuar roubando, embora não nesta escala – este foi o maior roubo de terra em 30 anos, desde que foi assinado o Acordo de Oslo em 1993.
O aperto de mão entre Rabin-Arafat, as promessas e trocas de territórios e retiradas militares e a determinação de deixar tudo de importante (Jerusalém, refugiados, o direito de retorno) para o fim, até que todos confiassem tanto uns nos outros que a coisa seria facílima... não surpreende que o mundo tenha feito descer sobre os dois sua generosidade financeira. Mas esse roubo de terras mais recente não apenas reduz a “Palestina”: também mantém o círculo de concreto armado no entorno de Jerusalém para manter os palestinos bem distantes, tanto da capital, onde se espera que eles partilhem com israelenses, como de Belém.
Foi instrutivo saber que o conselho Etzion, que administra os assentamentos ilegais na Cisjordânia, tenha considerado que este roubo seja um castigo pelo assassinato de três adolescentes israelenses em junho. “O objetivo dos assassinatos dos três jovens foi semear o medo entre nós, interromper nossa vida diária e questionar nosso direito [sic] à terra”, anunciou o conselho Etzion. “Nossa resposta é reforçar a colônia”. Esta deve ser a primeira vez em que alguém “adquiriu” terras da “Palestina” sem usar desculpas sobre segurança nacional ou em nome da autoridade pessoal de Deus. Dessa vez, o motivo para roubar terra palestina foi declaradamente vingança.
Assim se cria um precedente interessante. Se a vida de um israelense inocente – cruelmente ceifada – vale cerca de 130 hectares de terra, a vida de um palestino inocente – também cruelmente ceifada – vale a mesma porção de terra. E se metade, que seja, dos 2.200 palestinos mortos em Gaza mês passado – e esse é número conservador – fossem inocentes, nesse caso os palestinos hoje teriam direito assegurado a 132.000 hectares de terras israelenses; na realidade, muito mais. E por mais “contraproducente” que essa conta seja, com certeza os EUA não aprovariam. Israel rouba terra, palestinos perdem terra; é assim que funciona. É assim desde 1948, e é assim que continuará.
Nunca haverá uma “Palestina”, e o mais recente roubo de terra é apenas mais um ponto acrescentado no livro dos padecimentos que os palestinos têm de ler, enquanto seus sonhos de terem um Estado seu se vão diluindo. Nabil Abu Rudeineh, porta-voz do “presidente” palestino Mahmoud Abbas, disse que seu chefe e as forças moderadas na Palestina haviam sido “apunhalados pelas costas” pela decisão dos israelenses, o que é dizer pouco. Abbas tem as costas completamente apunhaladas, de cima a baixo. E o que ele esperava quando escreveu um livro sobre as relações entre palestinos e israelenses em que não escreveu nem uma única vez, uma que fosse, a palavra “ocupação”?
O que significa que voltamos ao velho joguinho. Abbas não pode negociar com ninguém a menos que fale pelo Hamas ou pela Autoridade Palestina. Como Israel sabe. Como os EUA sabem. Como a União Europeia sabe. Mas cada vez que Abbas tenta construir governo de unidade nacional, todos nós nos pomos a guinchar que o Hamas é organização “terrorista”.
E Israel argumenta que não pode conversar com uma organização “terrorista” que exige a destruição de Israel – por mais que Israel costumasse conversar muito com Arafat e, naqueles dias, tenha ajudado o Hamas a construir mais mesquitas em Gaza e na Cisjordânia, para servirem como contrapeso ao Fatah e a todos os outros então “terroristas” lá de Beirute.
Claro, se Abbas fala só por ele mesmo, Israel então diz o que já disse: que se Abbas não fala por Gaza, Israel não tem com quem negociar. Mas... isso realmente ainda interessa? Sobre esse assunto, todas as manchetes do mundo exibir: “Adeus, Palestina”.
(*) Artigo publicado originalmente no Independent, da Grã-Bretanha.
Tradução: Daniella Cambaúva
Os norte-americanos acharam o roubo “contraproducente” para a paz, o que é reação bastante amena, considerando o que os EUA diriam/fariam caso o México roubasse 400 hectares acres de terra do Texas e resolvesse construir ali casas para imigrantes mexicanos ilegais nos EUA. Mas, não. Foi na “Palestina” (aspas mais necessárias do que nunca). E Israel conseguiu continuar roubando, embora não nesta escala – este foi o maior roubo de terra em 30 anos, desde que foi assinado o Acordo de Oslo em 1993.
O aperto de mão entre Rabin-Arafat, as promessas e trocas de territórios e retiradas militares e a determinação de deixar tudo de importante (Jerusalém, refugiados, o direito de retorno) para o fim, até que todos confiassem tanto uns nos outros que a coisa seria facílima... não surpreende que o mundo tenha feito descer sobre os dois sua generosidade financeira. Mas esse roubo de terras mais recente não apenas reduz a “Palestina”: também mantém o círculo de concreto armado no entorno de Jerusalém para manter os palestinos bem distantes, tanto da capital, onde se espera que eles partilhem com israelenses, como de Belém.
Foi instrutivo saber que o conselho Etzion, que administra os assentamentos ilegais na Cisjordânia, tenha considerado que este roubo seja um castigo pelo assassinato de três adolescentes israelenses em junho. “O objetivo dos assassinatos dos três jovens foi semear o medo entre nós, interromper nossa vida diária e questionar nosso direito [sic] à terra”, anunciou o conselho Etzion. “Nossa resposta é reforçar a colônia”. Esta deve ser a primeira vez em que alguém “adquiriu” terras da “Palestina” sem usar desculpas sobre segurança nacional ou em nome da autoridade pessoal de Deus. Dessa vez, o motivo para roubar terra palestina foi declaradamente vingança.
Assim se cria um precedente interessante. Se a vida de um israelense inocente – cruelmente ceifada – vale cerca de 130 hectares de terra, a vida de um palestino inocente – também cruelmente ceifada – vale a mesma porção de terra. E se metade, que seja, dos 2.200 palestinos mortos em Gaza mês passado – e esse é número conservador – fossem inocentes, nesse caso os palestinos hoje teriam direito assegurado a 132.000 hectares de terras israelenses; na realidade, muito mais. E por mais “contraproducente” que essa conta seja, com certeza os EUA não aprovariam. Israel rouba terra, palestinos perdem terra; é assim que funciona. É assim desde 1948, e é assim que continuará.
Nunca haverá uma “Palestina”, e o mais recente roubo de terra é apenas mais um ponto acrescentado no livro dos padecimentos que os palestinos têm de ler, enquanto seus sonhos de terem um Estado seu se vão diluindo. Nabil Abu Rudeineh, porta-voz do “presidente” palestino Mahmoud Abbas, disse que seu chefe e as forças moderadas na Palestina haviam sido “apunhalados pelas costas” pela decisão dos israelenses, o que é dizer pouco. Abbas tem as costas completamente apunhaladas, de cima a baixo. E o que ele esperava quando escreveu um livro sobre as relações entre palestinos e israelenses em que não escreveu nem uma única vez, uma que fosse, a palavra “ocupação”?
O que significa que voltamos ao velho joguinho. Abbas não pode negociar com ninguém a menos que fale pelo Hamas ou pela Autoridade Palestina. Como Israel sabe. Como os EUA sabem. Como a União Europeia sabe. Mas cada vez que Abbas tenta construir governo de unidade nacional, todos nós nos pomos a guinchar que o Hamas é organização “terrorista”.
E Israel argumenta que não pode conversar com uma organização “terrorista” que exige a destruição de Israel – por mais que Israel costumasse conversar muito com Arafat e, naqueles dias, tenha ajudado o Hamas a construir mais mesquitas em Gaza e na Cisjordânia, para servirem como contrapeso ao Fatah e a todos os outros então “terroristas” lá de Beirute.
Claro, se Abbas fala só por ele mesmo, Israel então diz o que já disse: que se Abbas não fala por Gaza, Israel não tem com quem negociar. Mas... isso realmente ainda interessa? Sobre esse assunto, todas as manchetes do mundo exibir: “Adeus, Palestina”.
(*) Artigo publicado originalmente no Independent, da Grã-Bretanha.
Tradução: Daniella Cambaúva
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