quinta-feira, 3 de março de 2011

Indenização por enchente leva mais de uma década

Administrar com decência é a maneira de zelar pelo dinheiro público, isto sim!
 
 
  São Paulo, quinta-feira, 03 de março de 2011

Indenização por enchente leva mais de uma década
RICARDO GALLO

DE SÃO PAULO

Faz dez anos que o metalúrgico aposentado Macionil Machado dos Reis, 78, tenta obter da Prefeitura de São Paulo indenização após uma chuva que pôs abaixo sua casa, no bairro do Jabaquara, na zona sul da cidade.
Embora tenha tido duas decisões favoráveis na Justiça, ele ainda não recebeu o dinheiro -R$ 8.150 por danos materiais em 2001, ou R$ 64 mil hoje, considerando juros, correção monetária e também danos morais."Já avisei pra ele: "Seu Macionil, pode deixar o dinheiro para os seus filhos'", disse a advogada Regina Hegedus.
Amparado em perícia, ele provou na Justiça que a falta de limpeza de bueiros e de recolhimento de lixo pela prefeitura foram determinantes para a água invadir a casa.
O caso está prestes a entrar em fase de execução; em fevereiro, a Justiça determinou à prefeitura o pagamento da indenização. Quando o dinheiro virá, não se sabe.
Não se trata de exceção. A Folha identificou ao menos dez casos, entre 2008 e 2010, com decisões favoráveis no Tribunal de Justiça e que ainda não foram concluídos.
São processos em que os cidadãos conseguiram comprovar influência do poder público nos danos causados a imóveis ou carros por enchentes entre 1999 e 2005.

DEMORA
Nesses casos, a demora para ser indenizado decorre principalmente de recursos impostos na Justiça pela prefeitura -o município é responsável pelas vias públicas, bocas de lobo e ligações de esgoto, apontados mais frequentemente como responsáveis pelas enchentes.
O município costuma argumentar que a tempestade daquele dia foi forte o suficiente para provocar os estragos. Na maioria dos casos, o Judiciário rejeita a tese.
"Enchentes já não constituem caso fortuito nem força maior", disse o desembargador Fermino Magnani Filho em decisão de junho de 2010.
O recurso, embora legal, atrasa a execução da sentença e o respectivo pagamento.
Conciliação não há nunca, admite a própria prefeitura
. O raciocínio é que, caso desista da ação e indenize o cidadão, o município não zela pelo dinheiro público.
Em junho, o TJ criou um Juizado Especial para casos que envolvem município e Estado. Até agora, não houve nenhuma conciliação.
Duas ações foram julgadas no juizado por casos contra enchente, ambas com razão para a prefeitura.
Para os que pretendem ir à Justiça, Macionil, o metalúrgico aposentado, dá uma dica: é preciso paciência.

 

ANÁLISE

Em tragédia previsível, poder público pode ser responsabilizado

 
ADIB KASSOUF SAD
ESPECIAL PARA A FOLHA

Alguns aspectos jurídicos das relações entre poder público e sociedade precisam ser trazidos à população.
A responsabilidade civil objetiva do Estado, também chamada responsabilidade sem culpa, decorre do disposto no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal.
Por outro lado, a responsabilidade objetiva não tem caráter absoluto, pois permite seu abrandamento ou, em alguns casos, a própria exclusão da responsabilidade do poder público, como na hipótese de força maior.
Na realidade, a hipótese de força maior é aquela em que se comprova que a própria natureza se apresenta imprevisível e incontrolável.
Aqui reside o principal ponto da controvérsia jurídica nas ações de indenização contra o poder público na questão das inundações, pois o argumento usualmente utilizado na defesa é o de "chuvas acima do previsto" ou "acima da média".
Entretanto, na análise dos casos concretos, deve ser considerada a existência ou não de enchentes nos mesmos locais, bairros e ruas; e a reiterada ocorrência de cheias nos mesmos leitos de rios, nas mesmas pontes e córregos.
Também devem ser observadas a não adoção de medidas administrativas para sanar exatamente as mesmas tragédias que são fotografadas e detalhadamente descritas nos periódicos dos últimos cinco, dez anos.
Pior: em alguns casos, é preciso considerar a aplicação dos recursos orçamentários mínimos previstos, ou seja, se houve a aplicação dos recursos que, por lei, deveriam ter sido aplicados para combater tais tragédias no local em que ocorreram.
Em tais situações, penso, de reiteração de enchentes nos mesmos locais, em que as tragédias são previsíveis e constantes, em que a população pode prever as manchetes dos próximos dias ou anos, sem nenhuma ação do poder público, estamos muito longe de uma situação de força maior.


ADIB KASSOUF SAD é advogado, professor e presidente da Comissão da Direito Administrativo da OAB/SP e membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas.

Um comentário:

  1. Esplêndida exposição sobre a matéria, Professor! Estou pesquisando sobre o assunto, pois tenho uma cliente enfrentando o mesmo problema. Onde ela reside, sequer há "bocas de lobo", bueiros, galerias pluviais, enfim, qualquer que seja o nome do sistema de escoamento de água. Ou seja, já se foram duas levas de móveis e eletrônicos da casa. O atual sofá fica sobre 4 tijolos e só tem os móveis indispensáveis ao uso, pois não tem mais dinheiro pra comprar novos.
    Lamentável que mesmo depois de inúmeras reclamações na Pref. Municipal nada foi feito.
    Vou propor a ação dela pelo Juizado Especial da Fazenda Pública para evitar a demora mostrada acima.
    Miller Jean Guapo da Silva
    Advogado
    e-mail: sdgmiller_guapo@hotmail.com

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