quinta-feira, 2 de março de 2017

História que pode valer a Presidência






FSP, 02/03/17



'Fora, Temer' no Carnaval escancara impopularidade do governo



Por Laura Carvalho




"Nunca na história desse país um presidente perdeu tantos colaboradores em tão pouco tempo por motivos tão pouco louváveis", resumiu Elio Gaspari em sua coluna de 1º de março nesta Folha. A unanimidade do Fora, Temer nos blocos de rua país afora indica, por outro lado, que a impopularidade do presidente vai além: após quase um ano de intensa propaganda do governo, fica cada vez mais evidente sua incapacidade de enfrentar a crise. 

A solução dos problemas econômicos do país parecia ser a única saída para um governo ilegítimo e cada dia mais exposto aos escândalos de corrupção. O que os dados mostram, ao contrário, é que uma retomada expressiva do crescimento até 2018 é cada dia mais improvável.

Até agora, a inflação mais baixa, o início da trajetória de queda da taxa de juros básica e a aprovação da PEC do teto de gastos são os únicos elementos vendidos pelo governo como sinais de sucesso. 

A reforma da Previdência, por sua vez, seria entregue ainda neste primeiro semestre.
Para os mais de 12 milhões de desempregados país afora, a taxa de inflação mais baixa não chega a ser motivo para jogar confetes. Afinal, salários e preços já vinham crescendo menos desde o ano passado em razão do próprio aumento do desemprego e do fim dos choques de câmbio e preços administrados. 

Os ganhos de poder de compra daqueles que ainda têm renda crescente, por sua vez, dificilmente compensarão, do ponto de vista do impacto no consumo, a perda de renda dos que perderam seus empregos.

Quanto aos juros básicos em queda, ainda sem repercussão sobre as taxas de juros reais cobradas pelos bancos, tampouco serão suficientes para estimular o consumo e os investimentos no contexto atual. 

Famílias e empresas têm dívidas acumuladas a pagar e ainda enfrentam enorme incerteza acerca de seus rendimentos futuros. 

Finalmente, sem ter contribuído em nada para resolver os problemas fiscais no curto prazo, que são fruto de uma queda brutal na arrecadação, a PEC 55/241 apresenta-se mais como um obstáculo do que como uma saída para a crise econômica atual. Com a reforma aprovada, até mesmo iniciativas como a da volta da CPMF - agora defendida pelo relator da reforma tributária no Congresso-, mesmo que sirvam para cobrir parte do rombo fiscal deste ano, não poderão ser utilizadas para ampliar investimentos públicos e estimular a economia. 

Uma eventual elevação de impostos também pode criar problemas com boa parte da base do governo, que desde os protestos na avenida Paulista exige não pagar o pato
da crise econômica.

Nesse contexto, o engajamento com a reforma da Previdência — cuja popularidade parece baixa até mesmo entre os parlamentares da base aliada —, o agravamento da crise nos Estados e a perda de apoio de parte do empresariado em razão da falta de perspectivas de retomada do crescimento tornam nebuloso o horizonte até 2018. 

No Carnaval de 2017, o presidente Michel Temer pode ter vivido sentimentos contraditórios. 

De um lado, teve de constatar a bronca dos foliões de todo o país no horário nobre do Jornal Nacional. De outro, ver um país em festa esquecer um pouco da crise e injetar algum dinheiro na economia. 

Segundo estimativas da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, só na economia carioca teriam sido injetados R$ 3 bilhões pelos mais de 1,1 milhão de turistas que visitaram a cidade. "Ô quarta-feira ingrata, chega tão depressa, só pra contrariar", alertava o clássico do carnaval pernambucano.





Blog do Kennedy, 02/03/17



Vazamentos da Lava Jato prejudicam país e desmoralizam Justica, MP e políticos



Por Kennedy Alencar




O depoimento de Marcelo Odebrecht dado ontem Curitiba teve um quantidade de vazamentos que desmoraliza de vez o segredo das colaborações premiadas. Desmoraliza uma série de autoridades da Justiça, do Ministério Público, do governo Temer, da administração Dilma e também o presidente do PSDB, o senador Aécio Neves (MG).

Prejudica a Lava Jato, porque mostra mais uma vez como a investigação, que é importante pelo combate à corrupção, mas também se presta a manipulações e vazamentos seletivos, apesar da ordem expressa do procurador-geral da República de manter em segredo os depoimentos dados ao processo no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contra a chapa Dilma-Temer.

Prejudica o país, reforçando a imagem de uma república de bananas em que até na Lava Jato não há respeito à lei, manipulada para causar danos a políticos. Fere o direito de defesa dos acusados, que sofrem desgastes com vazamentos e não podem respondê-los oficialmente no âmbito dos processos. Prejudica a economia, gerando incertezas políticas que afetam expectativas do empresariado.

Em resumo, é muito ruim para o Brasil. O segredo, no caso das delações da Odebrecht, não faz mais nenhum sentido.

Repetindo: havia pedido expresso do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para que o sigilo dos depoimentos de Marcelo Odebrecht e de outros delatores ao TSE permanecessem em sigilo, pois o ministro relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, não quebrou o segredo das colaborações. Mas houve um festival de vazamentos. Melhor que o depoimento de ontem tivesse sido divulgado e que todas as delações da Odebrecht se tornassem públicas.

Para economia, o efeito é péssimo. O país não pode ter a Lava Jato como tema único, porque há graves problemas na economia, na saúde, na educação, na segurança pública e em outras áreas que mereceriam destaque no debate público.

Uma Lava Jato que virou um circo de delações gera tremenda incerteza no mercado financeiro e nos empresários que precisam tomar decisões de investimento.
Agora, surgiram dúvidas sobre a capacidade do governo de aprovar as reformas da Previdência e trabalhista no Congresso. O país tem quase13 milhões de desempregados, a renda está em queda, a recessão é grave. Havia expectativa de melhora econômica que perde força com uma investigação realizada dessa forma.

É muito bonito e conveniente dizer que a Lava Jato não é a causa, mas o remédio para nossos males, como repetem à exaustão procuradores da República. Mas ela tem gerado incertezas políticas e jurídicas que afetam a vida real das pessoas do ponto de vista econômico. Investigar destruindo empresas não é de interesse público. Punir corruptos e corruptores, sim.

Repetindo de novo: ótimo que a Lava Jato combata a corrupção. Mas não pode investigar assim, vazando depoimentos que o procurador-geral da República e que o ministro relator do caso no Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, querem que fiquem em segredo. Já passou da hora de tornar públicas as delações da Odebrecht. Esse sigilo só tem feito mal ao país e bem aos que manipulam os vazamentos.

Ontem, de acordo com relatos da imprensa, Marcelo Odebrecht disse que não tratou de valores com o presidente Michel Temer no jantar de 2014 no Palácio do Jaburu. Segundo o vazamento, Marcelo Odebrecht disse que outro delator da empresa, Cláudio Melo, teria tratado do valor com Padilha. Ora, tem uma contradição entre Marcelo Odebrecht e Cláudio Melo. Há uma imprecisão ou uma mentira. Se Marcelo Odebrecht tem razão, isso preserva Temer e enfraquece ainda mais Eliseu Padilha, que dificilmente voltará à Casa Civil. Se Cláudio Melo estiver certo, isso prejudica mais o presidente da República.

Não dá para uma investigação de corrupção ser conduzida dessa maneira. Ela vai criar as tais nulidades que a defesa de Temer pretende alegar. Marcelo Odebrecht também fez revelações em relação ao ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e ao presidente do PSDB, o senador Aécio Neves. Nos dois casos, diz que repassou recursos.

Ora, é preciso acelerar todas as investigações. Mas o que se vê é celeridade em relação a petistas e demora no que se refere a tucanos. Se for verdade o que ele diz, Mantega tem sérios problemas a responder. Afinal, a acusação é que um ministro da Fazenda negociava propinas.

E Aécio, que é do partido que pede a cassação da chapa Dilma-Temer no TSE, fica numa situação política delicada, com a suspeita da hipocrisia de ter abusado do poder econômico que critica no PT e de ter usado um operador para obter recursos da Odebrecht exatamente como fizeram petistas e peemedebistas.

Não faz nenhum sentido a afirmação de Marcelo Odebrecht, de acordo com o que vazou, de que ele não seria o dono do Brasil, mas o bobo da corte.

Ele não era o bobo corte, mas um dos maiores corruptores da corte. Era um empresário que atuava com agressividade, segundo relatos de diversas autoridades que estiveram com ele. Um empresário que montou um departamento secreto de operações estruturadas, que, no fundo, era a seção para documentar as propinas, mostra a arrogância com a qual atuava.

Se entrou em projetos obrigado, entrou pela expectativa de retorno. A Odebrecht cresceu muito no período em que Marcelo Odebrecht a comandou. Posar de vítima enquanto atuava como corruptor é querer fazer o país inteiro de bobo e tentar suavizar a sua situação.

Na Lava Jato, corruptores estão se dando melhor do que os corruptos, negociando penas baixas e mantendo boa parte de suas fortunas. Mas esses corruptores e corruptos são irmãos siameses no cometimento de crimes.

 




FSP, 02/03/17



História que pode valer a Presidência



Por Janio de Freitas




A história dos R$ 10 milhões dados pela Odebrecht a pedido de Michel Temer, na campanha de 2014, vale bem mais do que aqueles milhões. Se os inquéritos que "estão mudando o Brasil" fossem menos sinuosos, a história poderia valer a Presidência da República. E dar uma dimensão mais real ao ataque à corrupção que vai da política aos cofres públicos e privados. 

(A propósito: se um empresário de obras públicas é convidado a jantar com o vice-presidente da República, em palácio, e dele ouve um pedido explícito de dinheiro, que alternativas tem para sua resposta?

O advogado José Yunes, amigo mais próximo de Michel Temer, diz que "até hoje" não sabe o que havia no envelope entregue em seu escritório pelo doleiro Lúcio Funaro, para alegado repasse a Eliseu Padilha

Ao relatar o fato, como quem precisa lavar as mãos enquanto é tempo, Yunes definiu-se como "mula" de Padilha. Ora, no jargão policialesco, "mula" é o transportador de dinheiro ou de droga. Não havendo motivo para supor que Padilha esperasse remessa de droga, Yunes só poderia ver-se como "mula" se soubesse haver dinheiro na encomenda. 

Por certo, não a entregou a qualquer um. Mas não revela quem a levou ao destinatário, se não foi ele próprio. Nem quem foi esse destinatário, se Padilha ou o seu amigo de confiança. Não evitou, porém, um esclarecimento insidioso, por vontade ou não, ao jornalista Lauro Jardim: "Contei tudo ao presidente em 2014. (...) Ele não foi falar com o Padilha. O meu amigo reagiu com aquela serenidade de sempre [risos]". Nem precisava dos risos. 

A nota presidencial, a propósito das palavras de Yunes, admite que Temer pediu à Odebrecht "auxílio formal e oficial", e "não autorizou nem pediu que nada fosse feito sem amparo nas regras da Lei Eleitoral. (...) É essa a única participação do presidente no episódio". 

Única, não. O pedido ao convidado Marcelo Odebrecht resultou de propósitos financeiros definidos ou, no mínimo, autorizados por Temer. 

São declaráveis e comprováveis? A responsabilidade (i)legal é de quem teve a iniciativa do pedido, do recebimento mesmo que indireto, e da destinação. E nesse aspecto Temer se apresenta como omisso, seja por conveniência ou não. Apresenta-se mas não é. 

As possíveis implicações desse trecho do episódio são muitas e graves. A comprová-lo há, entre outros indicativos, palavras escritas por Eduardo Cunha

Nas perguntas que dirigiu a Michel Temer, dando-o como testemunha de defesa em um dos inquéritos a que responde, Cunha questionou-o sobre a entrega de dinheiro a Yunes. Como todo o questionário, a pergunta era um homicídio verbal. Ali estavam questões que talvez nem servissem de defesa a Cunha, como o cala boca de R$ 1 milhão que lhe teria vindo da "doação" da Odebrecht. 

Mas as perguntas levavam a veredas que, partindo de Temer, se irradiavam pelos descaminhos da política e de seus condutores. 

Não pôde ser assim. Nem alguma coisa parecida. Antes que José Yunes se admitisse uma "mula", a Lava Jato já sabia sobre os R$ 10 milhões acertados em jantar no Palácio do Jaburu. 

O juiz Sergio Moro já podia saber, portanto, o que aquela pergunta de Cunha a Temer representava. Proibiu-a. Assim como várias outras, elaboradas com doses de venenos reveladores. Censura dita judicial. 

Michel Temer beneficiou-se. Moro argumentou que as perguntas não tinham pertinência no tema do inquérito – o que, de resto, não poderia saber antes de conhecer as respostas e suas implicações.

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