Jornal GGN, 22/03/17
Cúpula da PF agora diz que o escândalo da "carne podre" não pode ser generalizado
Por Luis Nassif
Quatro dias após o "escândalo da carne podre" criado pela Operação Carne Fraca ganhar proporções incontroláveis e levar a exportação do produto brasileiro a ser boicotado em vários países do mundo, a cúpula da Polícia Federal, após reunião no Ministério da Agricultura, enviou nota à imprensa dizendo que os problemas de fiscalização alardeados, na verdade, são pontuais, e que o sistema de inspeção federal não pode ser questionado de maneira generalizada.
Quatro dias após o "escândalo da carne podre" criado pela Operação Carne Fraca ganhar proporções incontroláveis e levar a exportação do produto brasileiro a ser boicotado em vários países do mundo, a cúpula da Polícia Federal, após reunião no Ministério da Agricultura, enviou nota à imprensa dizendo que os problemas de fiscalização alardeados, na verdade, são pontuais, e que o sistema de inspeção federal não pode ser questionado de maneira generalizada.
"Embora as investigações da Polícia Federal visem apurar
irregularidades pontuais identificadas no Sistema de Inspeção Federal
(SIF), tais fatos se relacionam diretamente a desvios de conduta
profissional praticados por alguns servidores e não representam um mal
funcionamento generalizado do sistema de integridade sanitária
brasileiro", diz a nota.
O informe só foi veiculado após o delegado geral da PF, Leandro
Daiello, ter encontro com o secretário executivo do Ministério da
Agricultura, Eumar Roberto Novacki. Nos últimos dias, o governo Temer
tem se empenhado em contornar os estragos provocados pelo lançamento da
operação Carne Fraca, na sexta-feira (17).
Na ocasião, o delegado da PF em Curitiba, Maurício Moscardi Grillo -
o mesmo que disse que a Lava Jato perdeu o "timing" para prender Lula -
disse à imprensa que era possível que a população tivesse consumido
carne de péssima qualidade, mesmo sem conhecer o alcance real do esquema
apurado na Carne Seca.
A operação investiga esquema de pagamento de propina para burlar a
fiscalização de fiscais federais em empresas produtoras de carne, entre
outras irregularidades. Moscardi ainda disse que o esquema abastecia o
caixa de campanha de PP e PMDB, mas a PF não sabe dizer quem foram os
beneficiados. Tampouco tem noção do volume de propina movimentado.
Abaixo, a nota completa.
NOTA A IMPRENSA – OPERAÇÃO CARNE FRACA
Brasília/DF – Sobre a Operação Carne Fraca, o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a Polícia Federal esclarecem:
1. A reunião ocorrida hoje (21) entre o Secretário
Executivo do MAPA, Eumar Roberto Novacki, e o Diretor Geral da PF,
Leandro Daiello Coimbra, teve como objetivo fortalecer a relação entre
as instituições e reafirmar o compromisso de ambas em elucidar os fatos
investigados.
2. A operação deflagrada na última sexta-feira (17) tem
como foco a eventual prática de crimes de corrupção por agentes
públicos;
3. Embora as investigações da Polícia Federal visem
apurar irregularidades pontuais identificadas no Sistema de Inspeção
Federal (SIF), tais fatos se relacionam diretamente a desvios de conduta
profissional praticados por alguns servidores e não representam um mal
funcionamento generalizado do sistema de integridade sanitária
brasileiro. O sistema de inspeção federal brasileiro já foi auditado por
vários países que atestaram sua qualidade. O SIF garante produtos de
qualidade ao consumidor brasileiro.
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Polícia Federal
APCF, 21/03/17
Por Redação Virgula
Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais – APCF
Nota APCF (Assoc. Nacional dos Peritos Criminais Federais) - Carne Fraca
Por Redação Virgula
Sobre os últimos acontecimentos, relacionados à “Operação
Carne Fraca” e seus desdobramentos, a Associação Nacional dos Peritos
Criminais Federais (APCF) esclarece que:
1. Reconhece o valor da
“Operação Carne Fraca” como mais uma das inúmeras ações de combate à
corrupção por parte da Polícia Federal, mas lamenta profundamente que a
participação dos especialistas da corporação em análise de fraudes
alimentares não tenha sido devidamente empregada durante a condução das
investigações. A abordagem quase exclusiva de provas contingenciais deu
aos responsáveis pelo comando da operação a equivocada impressão de que
tudo poderia ser concluído de imediato e sem qualquer dúvida, apenas com
aquilo que se chama circunstancial. Contudo, por sua repercussão e
polêmica, a “operação Carne Fraca” tornou-se uma clara demonstração de
como o conhecimento técnico e o saber científico, em todas as etapas da
investigação, não podem ser deixados de lado em favorecimento dos
aspectos subjetivos da investigação criminal. A atuação adequada dos
Peritos Criminais Federais nas demais etapas do procedimento
investigatório, e não apenas no seu início e na sua deflagração, teria
propiciado a correta interpretação dos dados técnicos em apuração, assim
como a definição dos procedimentos técnico-científicos necessários para
a materialização de crimes de fraude alimentar eventualmente cometidos
pelas indústrias sob suspeição. Além disso, sem sombra de dúvida, teria
poupado o país de tão graves prejuízos comerciais e econômicos.
2. Importa destacar, ademais, que a
Polícia Federal conta atualmente com 27 Peritos Criminais Federais com
formação em Medicina Veterinária, muitos dos quais com vasta experiência
profissional na área de fiscalização e de análise sanitária; além de
dezenas de outros especialistas nas áreas de Química,
Farmácia/Bioquímica, Medicina, Agronomia e Biologia; todos aptos a
compor equipes multidisciplinares de investigação técnico-científica de
fraudes alimentares em investigações policiais e processos criminais na
esfera federal, a exemplo do que já ocorreu com as operações “Ouro
Branco” (sobre fraude em leite, deflagrada em 2007) e “Vaca Atolada”
(sobre fraude em carnes, desencadeada em 2012), e assim como ocorre na
própria “Operação Lava Jato”, sustentada por mais de 1.000 Laudos
Periciais em diversas áreas do conhecimento, como engenharia,
informática e contabilidade. Em todos os casos descritos, esses inúmeros
Laudos Periciais Oficiais embasaram solidamente decisões e mandados
judiciais, denúncias no Ministério Público Federal e outras medidas
jurídico-penais.
3. Diante do exposto, a APCF tem o
dever de esclarecer publicamente que as afirmações relativas ao dano
agudo à saúde pública, divulgadas por ocasião da deflagração da
“Operação Carne Fraca”, não se encontram lastreadas pelo trabalho
científico dos Peritos Criminais da Polícia Federal, sendo que apenas um
Laudo Pericial da Corporação, hábil a avaliar tal risco, foi demandado
durante os trabalhos de investigação, sem que se chegasse, no entanto, a
essa conclusão.
4. Por fim, vale ressaltar que à
atuação da Perícia Criminal Federal deve ser garantida a devida
autonomia técnica, científica e funcional, assegurada pelo ordenamento
jurídico brasileiro. Trata-se de uma importante conquista democrática de
nosso país. Assim sendo, a Associação Nacional dos Peritos Criminais
Federais garante à sociedade brasileira que os Peritos Criminais
Federais permanecem de prontidão para atuar de maneira isenta, técnica e
desvencilhada de eventuais excessos acusatórios, utilizando o
conhecimento científico, de forma imparcial, para a promoção da Justiça e
tendo a certeza de que a maior valorização do método científico será o
correto caminho para o combate às diversas formas de crimes e suas
decorrências.
Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais – APCF
Folha.com, 22/03/17
Na Justiça, a carne não pode ser fraca
Por Conrado Corrêa Gontijo, Gustavo Mascarenhas e Marcela Greggo
Não é de agora que a advocacia alerta para o perigo da espetacularização de investigações e processos. Este espaço já foi palco de diversas manifestações nesse sentido.
O fenômeno da superexposição das acusações teve início, por ironia do destino, com a chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores, um dos maiores alvos das últimas operações.
Não se ignora a necessidade de investigações que contribuam para o necessário "jogo limpo" no Brasil, mas a falta de técnica e cuidado pode causar graves prejuízos econômicos ao país.
Passada a espalhafatosa operação da Polícia Federal na última sexta-feira (17), ficam os fatos e as consequências. O anúncio dos possíveis delitos principia pelo apontamento do delegado responsável pela operação acerca do uso de "ácidos" para "maquiar" a carne.
Basta ler o que já está disponível na investigação para concluir que o ácido é o ascórbico, ou seja, vitamina C, que, como se sabe, nada tem de cancerígeno.
O problema maior, contudo, é colocar, num único balaio, todas as empresas envolvidas. A atitude pode até facilitar a propagação de uma única operação de combate aos desvios, com um nome midiático e a utilização de mais de mil agentes da Polícia Federal num único dia, mas é perigosíssima para o país.
A JBS não teve nenhuma fábrica interditada; a BRF teve uma, que responde por porção ínfima de sua produção. Contra ambas não pesam acusações graves.
Mesmo assim, mercados internacionais de grande relevância, como União Europeia e China, já anunciaram restrições às exportações de carne brasileira.
JBS e BRF já perderam bilhões em valor de mercado e, no cenário de crise em que o país se encontra, podem ter de demitir milhares de trabalhadores. A quem interessa a divulgação prematura das investigações? Não ao Brasil, certamente.
A própria liberação (ilegal) de áudios que levaram a tudo isso evidencia o equívoco. A suposta mistura de papelão com carne de frango pode não passar de discussão informal a respeito da embalagem da carne por parte de funcionário de uma das empresas. O exagero é evidente.
Não é de hoje que se alerta para os perigos do policial hermeneuta, que interpreta os áudios captados e os leva diretamente, segundo sua própria interpretação, para julgamento numa coletiva de imprensa.
É preciso lembrar que o direito ao devido processo legal tem envergadura constitucional tanto quanto o princípio da publicidade - não pode, portanto, ser mitigado.
Muitos países tornam pública apenas a decisão dos juízes de última instância, como a Alemanha e os Estados Unidos, pois entendem, desde a década de 1960, que a divulgação ostensiva de um caso afeta o processo.
A Europa mantém leis que regulam a divulgação de casos criminais. A corte de Justiça do continente ponderou que mesmo casos de grande exposição têm direito à privacidade de seus julgamentos, para que estes sejam justos.
No Brasil, os casos de pré-julgamento são cada vez mais vastos. Na Operação Lava Jato, um diretor de uma grande empreiteira foi absolvido de todas as acusações, inclusive da de distribuir propina, depois de passar meses preso.
No caso das carnes, a divulgação precoce e o julgamento antecipado por parte da opinião pública podem acarretar reflexos catastróficos sobre toda a economia do país. Operações não podem acontecer apenas para sanar a vontade de aprovação popular por parte de alguns agentes da polícia.
Há quem diga que a data da deflagração não foi coincidência: os federais, após dois anos de investigação, escolheram justamente o dia 17 de março para ofuscar o aniversário da Lava Jato, de cujo sucesso certos setores da PF se sentem excluídos.
Situações como essa evidenciam que fraca no Brasil não é a carne, mas a preocupação de quem conduz as investigações. É preciso ser forte diante da tentação dos microfones e holofotes.
CONRADO CORRÊA GONTIJO é advogado criminalista. Doutorando em direito pela USP, é autor do livro "O Crime de Corrupção no Setor Privado"
GUSTAVO MASCARENHAS é advogado criminalista. Foi pesquisador de direito penal e democracia na Utrecht University (Holanda)
MARCELA GREGGO é advogada criminalista e pós-graduanda em direito penal econômico pela Fundação Getúlio Vargas
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