terça-feira, 21 de março de 2017

A carne fica fraca é quando vê os holofotes


http://www1.folha.uol.com.br/colunas/nelsondesa/2017/03/1868333-eua-australia-e-irlanda-ameacam-tomar-os-mercados-do-brasil-na-carne.shtml





Folha.com, 21/03/17
 
 

EUA, Austrália e Irlanda ameaçam tomar os mercados do Brasil na carne


 
Por Neson de Sá
 


A carne podre foi parar na campanha presidencial francesa, ou pelo menos assim foi entendida a frase de Marine Le Pen, que se opõe ao livre comércio, em debate na segunda: "On importe des produits alimentaires fabriqués on ne sait comment et qui ne respectent pas nos normes." ("Importamos produtos alimentícios fabricados sabe-se lá como e que não respeitam as normas").

Até a Jamaica suspendeu a carne brasileira, noticia o 'Jamaica Observer'. Finlândia, China, toda a União Europeia, a lista parece não ter mais fim, por 'Wall Street Journal' e 'Financial Times'.

Os jornais financeiros começam a questionar, ambos citando a consultoria londrina Capital Economics, se o escândalo atingirá a suposta recuperação do país, que vinha sendo propagandeada sobretudo pelo 'FT'. Do 'WSJ':

— O economista-chefe de emergentes da Capital diz que, embora seja cedo para saber o impacto, o escândalo pode "descarrilar a recuperação. É evidente que esta é a última coisa de que a economia brasileira precisava ".
 
Via Reuters, no 'New York Times', o governo americano anunciou que vai testar a carne brasileira por conta própria. E a lista dos exportadores concorrentes que podem ocupar a vaga do Brasil em mercados como a China traz países de língua inglesa como Austrália, Canadá e os Estados Unidos:
 
— A China não compra carne dos EUA desde o pânico com a doença da vaca louca. A proibição da carne brasileira pode acelerar negociações para reabrir comércio, diz economista da Universidade de Oklahoma.
 
*
Por aqui, na escalada de manchetes, o 'Jornal Nacional' responsabilizou os concorrentes, citando a Irlanda, e também a PF:

— Operação Carne Fraca reverbera no exterior. Produtores estrangeiros pressionam autoridades de seus países a barrarem importações do Brasil. China, União Europeia e Chile suspendem a compra da nossa carne bovina. A Coreia do Sul faz o mesmo com a carne de frango de um dos maiores exportadores brasileiros. O governo cobra da Polícia Federal o porquê de ter apresentado o laudo de apenas dois frigoríficos da lista de suspeitos.
 
Independentemente da ação de concorrentes ou da PF, a cobertura no exterior vem saindo sob o cabeçalho Corrupção, como na seção do 'WSJ'.

 
 


Consultor Jurídico, 20/03/17



A carne fica fraca mesmo é quando vê os holofotes


 
Por Lenio Streck


Para introduzir o tema, lembro um fato bizarro. Em batalha que venceu em 280 AC, o Rei Pirro disse, respondendo a um indivíduo que lhe demonstrou alegria pela vitória: "Mais uma vitória como esta e estarei arruinado completamente". E disse isso apontando para o que restou de suas tropas.

Pois no Brasil parece que logo chegaremos a uma etapa pírrica (é pírrica e não pirrônica, que é outra coisa) das operações com nomes fantásticos da Policia Federal autorizadas pela Justiça. Cá para nós, há exageros midiáticos que correm o risco de serem pírricos. Não gosto de teorias conspiratórias, mas já passamos por isso em relação ao café e às febres suínas e coisas do gênero. Querem ver? A Polícia Federal — claro que com ordem judicial — encontrou problemas em 21 unidades produtoras de carnes, num total de quase cinco mil empresas (unidades de produção), e suspeita de crimes praticados por 33 servidores, num universo de 11 mil funcionários do Ministério da Agricultura.

Resultado: pelo estardalhaço e a generalização feita, a imagem do país ficou comprometida, a ponto de o presidente da República reunir gente no domingo buscando acalmar os mercados internacionais. Dizem até que ofereceu churrasco feito com carne argentina. Mas não é disso que quero tratar.

Trago à colação o que pensa o setor agropecuário disso, nas palavras de Francisco Turra, ex-ministro da Agricultura, que disse: Não dá para a gente generalizar e vender a imagem de que tudo é ruim, de que tudo é corrupto, corrompido e corruptível. Para abrir mercado lá fora, a média tem sido de quase dez anos de luta. A maior injustiça do mundo é jogar na lata do lixo todo esse trabalho, denegrindo o esforço de muitos durante décadas.

Disse mais: somos os maiores exportadores de carne bovina. É um absurdo nivelar tudo, generalizar, vender a ideia de que no Brasil nada presta, de que tudo é podridão, é errado, nada está na conformidade da lei. Quando é justamente ao contrário: somos o país que tem a melhor biosseguridade.

Parece que, com exceção da Polícia Federal e do Poder judiciário, há uma quase unanimidade de que houve exagero (ver também aqui: criminalista vê irresponsabilidade nas acusações à carne brasileira) . Pergunto: por que precisa haver entrevista coletiva? Por que divulgar diálogos resultantes de escutas telefônicas, se a lei não permite essas divulgações? Não entendi também por que foi possível interceptar o ministro da Justiça (na ocasião da intercepção, era deputado federal). Ele não tinha foro por prerrogativa de foro? Como divulgaram a sua fala? Parece que a divulgação ilícita de interceptações fez e faz escola. Já não aprenderam suficiente com o episódio das escutas da ex-presidente Dilma, do ex-senador Demóstenes, tudo anulado pelo Supremo Tribunal Federal?

Depois do famoso power point, parece que há uma disputa para ver quem faz mais pirotecnia. Falta só ter trilha sonora, tipo Cavalgada das Valquírias ou Crepúsculo dos Deuses como abertura da coletiva. Imaginemos que isso vire regra e as generalizações também. Se alguns policiais forem pegos em uma operação, vale uma entrevista coletiva colocando toda a polícia na berlinda? Se pegarem juízes ou promotores envolvidos em irregularidades, vale fazer coletiva colocando todo o Poder Judiciário sob suspeita? Alguns jogadores são pegos no antidoping. Vale colocar na berlinda a lisura das disputas do Campeonato Brasileiro, a maior competição do mundo?

Se a resposta é não — e, para mim, é, efetivamente, “não, não pode fazer isso” — então também a Polícia federal não poderia ter feito o noticiamento dessa operação “carne fraca” desse modo. Parece que a carne é fraca mesmo diante de holofotes e exclusivas na GloboNews, para o gáudio dos filósofos brasileiros-alemães Birbaum (Pereira) e Kabina (Camarote).

Cuidemos para que não repitamos o “vitorioso” Rei Pirro. Temos de vencer, mas sem perder as tropas. Não precisamos jogar fora a criança junto com a água suja. Sim, o Brasil pode até ser uma chinelagem. Mas é meu país. É nosso país. Como na anedota: a mulher diz para a vizinha — sim, comadre, sei que meu marido é tudo isso que você diz; mas é meu. Em minha casa eu e ele resolvemos isso (usei o exemplo ao contrário do que se fala no imaginário popular, para evitar ser acusado de sexismo — hoje em dia isso pode dar coletiva).

Nosso sistema de fiscalização de carnes está com problemas? OK. Mas em que grau? Podemos generalizar isso, com pi(r)rotecnia, a ponto de prejudicarmos o país no mercado internacional? Pirro rima com pi(r)rotecnia.

Imaginemos uma entrevista coletiva contando quantas mortes ocorreram no final de semana nas capitais. Nem isso deve ser generalizado, embora os números assustem. Caso contrário, fizéssemos um power point disso, ninguém mais viria para o Brasil. E nós mesmos fugiríamos para as montanhas. E estocaríamos comida. Gente: vamos tocar o país para a frente.

Nota: agora, segunda-feira (20/3) à tarde, uma TV italiana, em programa de culinária, tirava onda com a carne brasileira. Estamos na boca do mundo; mientrastanto que escrevia este texto, fiquei sabendo que o Chile cancelou as importações de carne; e a União Europeia não quer carne dos frigoríficos listados na operação. Fora outras defecções. Bingo.

Como diz o Rei Pirro...

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