quarta-feira, 15 de março de 2017

Onde está o tal rombo da Previdência se há, reiteradamente, superávits?





Carta Maior, 15/03/17


Previdência: o rei está ficando nu



PorPaulo Kliass *



A dinâmica do movimento político é mesmo surpreendente. Já dizia o falecido político mineiro Magalhães Pinto que a política é como as nuvens no céu: você olha em um determinado momento, está de um jeito. Passados alguns minutos, você vai conferir a configuração acima da tua cabeça e está tudo mudado. Se já é difícil entender o fenômeno em si, a tarefa torna-se ainda muito mais complexa ainda quando se tenta fazer algum tipo de previsão.

Depois de ter conseguido aprovar a chamada “PEC do Fim do Mundo” no final do ano passado com relativa facilidade na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, o governo começa agora a enfrentar a realidade da chamada resistência generalizada. Aquela emenda constitucional estabelecia o congelamento das despesas sociais do orçamento por longos 20 anos e foi aceita pela maioria dos parlamentares ainda muito influenciados pelo discurso uníssono do governo e da imprensa em torno da necessidade imperiosa de um ajuste fiscal rigoroso.

Apesar de todo o debate que os opositores tentamos abrir na sociedade a respeito da irresponsabilidade criminosa subjacente àquela medida, o fato é que a reação popular não foi forte o suficiente para impedir o avanço da proposição e sua aprovação em 13 de dezembro. Até a data parece ter sido escolhida com bastante empenho e atenção pelos dedicados assessores palacianos. Em 1968, no mesmo dia, havia sido editado o famigerado AI-5, quando o Brasil mergulhou de forma profunda na pior fase da ditadura militar.

Não obstante a amplitude do arsenal de maldades envolvidos na mudança constitucional válida por 2 décadas, talvez a pulverização das atrocidades a serem cometidas no futuro tenha dificultado o sentimento de revolta da maioria da população. Por mais que o Brasil esteja afundado em uma crise econômica e social sem precedentes, assistimos a um inexplicável grau de apatia e consentimento das forças sociais. Essa relativa passividade fica ainda mais difícil de ser compreendida em se tratando de redução das verbas públicas dedicadas a temas como previdência, saúde, educação, assistência e tantos outros tão necessários em momentos como o que vivemos atualmente.


Reforma da Previdência: desaprovação generalizada

No entanto, a reforma da previdência oferece um quadro bastante distinto. A proposição é muita mais incisiva em mudanças objetivas e claras. Em se tratando de uma PEC que retira direitos de forma ampla e universal, quase todos os indivíduos são atingidos - de forma direta ou indireta - pela matéria. Seja pelo risco oferecido aos que já estão aposentados, seja pela retirada de direitos dos que ainda estão na vida laboral ativa, seja ainda pelo completo descrédito que oferece às futuras gerações que ainda pretendem ingressar na fase de trabalho de suas vidas.

Assim, a questão política fica mais sensível e as próprias pesquisas encomendadas pelo núcleo duro do governo sistematicamente têm apresentado um cenário de elevada impopularidade dos temas sugeridos para a mudança previdenciária. Tendo já decorrido mais da metade do mandato dos parlamentares eleitos em outubro de 2014, os deputados começam a colocar na balança também a reação dos eleitores frente a tal medida. O Presidente começa, literalmente, a temer sobre a sua capacidade de tratorar o Congresso, como ocorreu em dezembro.

As advertências começam a pipocar aqui e ali. Dissidências no interior da própria base aliada são reveladas e emergem na superfície do cenário da disputa de poder. Líderes políticos conservadores se levantam quando o tema volta à baila, como Paulinho da Força Sindical ou dirigentes do PTB, como Arnaldo Faria de Sá. Ainda que não tenham abandonado seu perfil conservador em termos de projeto de país, tais referências do quadro partidário mais à direita expressam também o sentimento de suas bases sociais. Nesse debate, em particular, a contestação aberta da política oficial em matéria considerada “estratégica” pelo Palácio do Planalto não deve ser menosprezada.

Assim, o governo reconhece a importância de tais sinais emitidos e é possível que passe a levá-los em consideração . Por exemplo, pode incorporar a leitura da temperatura a partir da métrica oferecida pelos termômetros desses políticos de sua base, mas que mantêm algum grau de contato com o sentimento do pulso popular. Não é por outra razão que até mesmo o relator da matéria, escolhido por sua extrema lealdade e dedicação ao projeto de Temer, já sinaliza para a necessidade de alguns recuos organizados na tropa aliada. O deputado Artur Maia (PPS/BA) já avisou que a reforma não será aprovada da “forma como foi enviada” pelo Executivo. Isso significa que já avança a incorporação de críticas ao projeto.


Rachas na base aliada.
De outro lado, o núcleo duro começa a enfrentar problemas com os próprios partidos da base aliada. Estão aí alguns dos exemplos mais recentes de questionamento da capacidade de manter o grupo unido na defesa das maldades. Esse foi o caso sintomático das manifestações de caciques do PMDB a favor da liberação do voto dos deputados do partido, bem como o anúncio do PROS e do PSB de que seus integrantes votarão contra o texto enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional.

Nesse contexto ganhou relevância também a atuação pró ativa do amplo leque de entidades, especialistas e pesquisadores envolvidos com o tema. Apesar do evidente boicote patrocinado pelos principais órgãos de comunicação às vozes críticas ao projeto de Temer, conseguimos furar o cerco à informação por meio das redes sociais e até mesmo por meio de peças publicitárias encaminhadas por associações que se manifestaram claramente contra a proposta redutora de direitos.

Nesse momento em especial, a divulgação das informações reveste-se de fundamental importância. À medida que a população vai tomando consciência a respeito do tamanho das maldades incluídas no texto da PEC 287, cada vez mais vai ficando difícil para o governo conduzir a tramitação com a folgada maioria que ele se gaba de manter no interior do Parlamento. Mais debate e mais luz no assunto reforçam o sentimento de indignação popular contra a medida. E esse movimento coloca mais interrogação na cabeça dos deputados preocupados com sua imagem eventualmente arranhada perante o eleitorado.

Ainda que a preocupação não tenha se convertido em desespero, a luz amarela parece ter acendido nos dirigentes do governo. A tentativa destrambelhada de promover censura à divulgação de material contrário à Proposta revela tal dificuldade em lidar com a generalização crescente das críticas. Essa mesma motivação levou o Executivo a se apoiar em um esquema de publicidade típico de quem se vê acuado em sua estratégia. Na direção oposta a todo o discurso a respeito da crise fiscal e da necessidade de cortar despesas secundárias, o governo paga verbas milionárias para difundir a campanha mentirosa a favor das mudanças nas regras previdenciárias.

Os grandes jornais e as redes de televisão martelam cotidianamente as versões patrocinadas pelo Ministério da Fazenda a respeito da urgência da matéria e da catástrofe iminente caso a medida não seja aprovada. Matérias e colunas de “especialistas” buscam desqualificar os argumentos apresentadas pelos estudos que negam o “déficit estrutural” do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Esse é o caso do excelente documento “Previdência: reformar para excluir?” conduzido pela ANFIP e pelo DIEESE. Ali estão apresentados os números baseados nas estatísticas oficiais da administração pública federal e que evidenciam a manipulação de informações para justificar o desmonte previdenciário.


Isolamento de Temer e impopularidade da reforma.

As pessoas começam a perceber que o sistema da seguridade social está equilibrado em termos financeiros. Existe até mesmo um orçamento anual aprovado pelo poder legislativo tratando do tema que engloba previdência, saúde e assistência social. O ponto sensível é que o Executivo se apropria das fontes de receita tributária que deveriam ser destinadas para esse fim e as utiliza para promover o famigerado superávit primário.

Na verdade, o problema de imagem começa em casa. É amplamente conhecido o fato de que o próprio Temer se aposentou aos 54 anos e recebe mensalmente salários somados a benefícios previdenciários em valores altíssimos. Ora, nessas condições, como justificar politicamente que o problema se resolveria com elevação da idade mínima para 65 anos, a exigência de 49 anos de contribuição e a proibição de acumulação para os setores da base de nossa pirâmide social?

Quase todos os dirigentes políticos que se lançam a clamar contra os supostos abusos do regime previdenciário estão no conjunto dos que usufruem dos benefícios desse mesmo sistema. Além disso, uma boa parte deles deverá constar da tão aguardada quanto temida “lista de Janot” - quando finalmente deverão ser oficializados os boatos vazados a respeito dos denunciados em esquemas de corrupção em vários níveis de governo e de ampla coloração partidária.

O aprofundamento da crise econômica e seus efeitos sociais operam como condimento para o crescimento da insatisfação popular e para o aprofundamento dos índices de impopularidade de Temer. O governo vai perdendo quadros e os colaboradores que ficam aos poucos vão perdendo as respectivas vestes. As denúncias de corrupção não cessam de vir à tona, mas o governo nada faz com os acusados de sua proximidade. Ao contrário, a cada dia que passa o presidente perde mais o prurido e o pudor. A sua imperdoável fala no dia internacional das mulheres revela sua enorme dificuldade de operar em sintonia com seu tempo e com as  aspirações da maioria da população.

Caso insista na aprovação da maldade previdenciária, o rei corre risco de ficar nu.


*Doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.


http://reporterbrasil.org.br/2017/02/reforma-da-previdencia-ignora-r-426-bilhoes-devidos-por-empresas-ao-inss/
 


Repórter Brasil, 13/03/17



Reforma da Previdência ignora R$ 426 bilhões devidos por empresas ao INSS                 


 
Por Ana Magalhães
 


Enquanto propõe que o brasileiro trabalhe por mais tempo para se aposentar, a reforma da Previdência Social ignora os R$ 426 bilhões que não são repassados pelas empresas ao INSS. O valor da dívida equivale a três vezes o chamado déficit da Previdência em 2016. Esses números, levantados pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), não são levados em conta na reforma do governo Michel Temer.

“O governo fala muito de déficit na Previdência, mas não leva em conta que o problema da inadimplência e do não repasse das contribuições previdenciárias ajudam a aumentá-lo. As contribuições não pagas ou questionadas na Justiça deveriam ser consideradas [na reforma]”, afirma Achilles Frias, presidente do Sindicado dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz).

A maior parte dessa dívida está concentrada na mão de poucas empresas que estão ativas. Somente 3% das companhias respondem por mais de 63% da dívida previdenciária. A procuradoria estudou e classificou essas 32.224 empresas que mais devem, e constatou que apenas 18% são extintas. A grande maioria, ou 82%, são ativas.


Na lista das empresas devedoras da Previdência, há gigantes como Bradesco, Caixa Econômica Federal, Marfrig, JBS (dona de marcas como Friboi e Swift) e Vale. Apenas essas empresas juntas devem R$ 3,9 bilhões, segundo valores atualizados em dezembro do ano passado.

A Repórter Brasil entrou em contato com essas empresas para entender quais são os pontos em desacordo. O Bradesco afirma que não comenta processos judiciais. A JBS diz que está negociando a dívida com a Receita Federal. A Marfrig afirma, em nota, que discute judicialmente a possibilidade de compensação de débitos previdenciários com créditos relativos ao PIS e a COFINS e que negociou o parcelamento da dívida. A Vale informa que possui questionamentos judiciais referentes às contribuições previdenciárias e que ofereceu garantias da dívida, o que a permite estar em ‘regularidade fiscal’. A Caixa Econômica Federal afirma que “todos pagamentos previdenciários dos seus empregados estão em dia e são realizados sistematicamente dentro do prazo estabelecidos em lei”. Leia a íntegra das respostas.

Acesse a lista dos 500 maiores devedores da Previdência (em pdf).

Apesar da maior parte das empresas devedoras estarem na ativa, no topo da lista há também grandes companhias falidas há anos, como as aéreas Varig e Vasp. Por isso, nem toda a dívida pode ser recuperada. É provável que quase 60% do valor devido nunca chegue aos cofres do INSS – ou porque são de empresas falidas, em processo de falência, tradicionais sonegadoras ou laranjas.

Apenas R$ 10,3 bilhões (4% do montante da dívida) têm alta probabilidade de recuperação, segundo estudo da procuradoria divulgado em março do ano passado. Do classificado à época, referente à R$ 375 bilhões de dívidas, constatou-se que 38% têm média chance de recuperação; 28% tem baixa chance e 30% tem chances remotas (veja detalhes no quadro abaixo).



​A prova disso é que o percentual de recuperação é baixo. Em 2016, a procuradoria recuperou apenas R$ 4,15 bilhões dos créditos previdenciários, o equivalente a 0,9% da dívida previdenciária total.

Apesar disso, a procuradoria diz tomar medidas para recuperar esse valor. “Estamos num momento em que sempre se ronda o aumento da carga tributária, e a PGFN entende que o verdadeiro ajuste fiscal é cobrar de quem deve para não onerar quem paga,” diz Daniel de Saboia Xavier, coordenador-geral de grandes devedores da procuradoria.

O estudo poderia, inclusive, ajudar a retirar algumas empresas do mercado. “A empresa fraudadora viola a livre concorrência e prejudica empresas do mesmo ramo que não fraudam”, afirma Xavier, destacando que o órgão priorizará a cobrança das empresas que entram nos critérios ‘alta’ e ‘média’. Xavier explica ainda que muitas das empresas que estão inscritas como devedoras de valores com alta chance de recuperação apresentam questionamentos judiciais.

A Repórter Brasil questionou quais são as empresas que seriam priorizadas à assessoria de imprensa através da Lei de Acesso à Informação, mas a procuradoria negou a informação sob a justificativa de que a divulgação violaria o sigilo fiscal.


Por que a dívida é tão alta?
A morosidade da Justiça, a complexidade da legislação tributária brasileira e os programas de parcelamento do governo são apontados como os principais fatores que explicam a alta dívida previdenciária no país.

Não é um crime dever, e grandes grupos empresariais se beneficiam disso, questionam valores na Justiça e ficam protelando a vida inteira”, diz Sônia Fleury, professora da Fundação Getúlio Vargas. “É preciso fazer uma varredura para ver como as empresas utilizam esse mecanismo protelatório na Justiça e tomar decisões no nível mais alto para impedir esse jogo, que só favorece as grandes empresas. Perde o governo e o trabalhador.

A criação de varas específicas e especializadas poderia agilizar esse tipo de cobrança, segundo o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Vilson Romero. “A única forma de fazer com que as empresas não fiquem devendo ao INSS seria ter uma estrutura fiscalizadora e cobradora mais eficiente e eficaz, o que chega a ser utopia no Brasil de hoje”, avalia Romero.

Sem a criação dessas varas, o sistema de cobrança continua lento. Uma ação de cobrança da Fazenda Nacional demora cerca de nove anos no Brasil segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2012. A responsabilidade pela cobrança das dívidas é da PGFN. Por outro lado, é dever da Receita Federal fiscalizar se os repasses previdenciários estão de fato ocorrendo, mas o trabalhador pode também conferir se a sua empresa está cumprindo a obrigação dos repasses pedindo, em uma agência do INSS, o extrato CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais).


O coordenador de Previdência do Ipea, Rogério Nagamine, acredita ser necessário melhorar a recuperação dessas dívidas, mas aponta que ela não resolve todos os problemas da Previdência. Por isso, ele defende a reforma proposta pelo atual governo − que estabelece a idade mínima de 65 anos para se aposentar (com pelo menos 25 anos de contribuição) e que, entre outras alterações, muda a base de cálculo do benefício, com redução de seu valor final.

A complexa legislação tributária do país é outro motivo para o alto volume dessa dívida, na avaliação da assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Grazielle David. Hoje, os inadimplentes da União pagam multa sobre a dívida, mas, segundo a especialista, essa multa vem sendo reduzida pela Receita Federal, pela procuradoria e pelo INSS nos últimos anos, em decorrência do parcelamento especial de débitos tributários.

“Principalmente nas grandes empresas, isso gera uma segurança para colocar a inadimplência e a sonegação no planejamento tributário, porque o risco é menor que o bônus. A legislação praticamente incentiva uma empresa a ficar inadimplente ou a sonegar”, afirma, destacando que em outros países as leis costumam ser mais rígidas.

A procuradoria informou, por meio de sua assessoria, que “o que tem prejudicado a cobrança dessas dívidas, em realidade, são os sucessivos programas de parcelamento especial (“REFIS”) editados nos últimos 17 anos. Os devedores têm utilizado esses parcelamentos como meio de rolagem da dívida, migrando de programa de forma sucessiva, sem, contudo, quitar os débitos.”


Folha.com, 03/03/17



Reforma da Previdência sob suspeição



Por Nilton Paixão





Num reino muito distante, havia um sistema de previdência pública. Certo dia, o gerente dessa previdência, titularizando uma função pública, passou a se reunir com a concorrência privada a fim de traçar uma estratégia que permitisse a valorização de um importante produto denominado "previdência privada complementar".
Algum tempo depois, descobriu-se que o gerente era próximo dos que queriam apenas lucrar com o novo mercado. Qualquer semelhança com a República Federativa do Brasil não é mera coincidência.

Vamos aos fatos. Marcelo Caetano, secretário de Previdência do Ministério da Fazenda e principal artífice da reforma que o governo federal prepara para o setor, integra o conselho de administração da Brasilprev, entidade privada patrocinadora de planos de previdência complementar - inclusive para servidores públicos, que antes ingressavam em planos geridos por entidades públicas.


A ética e a moralidade condenam esses expedientes nada republicanos, uma vez que existe nítido conflito de interesse em questão. 

A isenção esperada da Secretaria de Previdência na elaboração e condução da PEC 287/16, que trata da reforma, está maculada, irremediavelmente deixando em situação vulnerável a primazia do interesse público sobre os particulares.

A função de secretário de Previdência permite acesso a informações privilegiadas, as quais conformam as políticas governamentais sobre o tema. Milhões de brasileiros poderão ser afetados por alterações na Previdência Social.

Pesquisas indicam que 42% da população não têm a mínima noção dos conteúdos em debate; dos que os conhecem, 60% são contrários. 

A tragédia social está armada, e o governo alardeia a necessidade de votar com urgência a PEC 287/16. Nenhum país sério aprova reformas previdenciárias a toque de caixa, dado o impacto social de tal empreitada.
A Assembleia Nacional Constituinte brasileira fez clara opção por um Estado social e democrático de Direito. Não pode agora o governo se transformar no exterminador de um sistema de capital indiscutivelmente social, redutor de desigualdades e promotor do bem-estar dos trabalhadores brasileiros.

Toda ação contrária a esse sistema, inclusive, entraria em colisão com inúmeros tratados internacionais ratificados e incorporados ao direito brasileiro.

As funções públicas não podem estar a serviço de interesses estritamente privados, especialmente quando esses interesses alheios ao bem-estar da sociedade dependem de decisões de agente público envolvido.

Na hipótese aqui detalhada, há um relacionamento umbilical entre o órgão gestor do sistema previdenciário brasileiro (secretaria de Previdência) e uma das maiores empresas de previdência privada do país (Brasilprev).

Há limites, e eles foram ultrapassados. A situação torna-se ainda mais grave quando se examinam outros aspectos do caso - agentes do sistema financeiro, por exemplo, devem cifras milionárias à Previdência Social. A dívida de apenas dois bancos públicos chega a R$ 757 milhões.

Também não é coincidência o fato de esses bancos terem produtos comerciais de previdência privada complementar sob as bênçãos da secretaria de Previdência. 

É preciso privatizar o privado e estatizar o público, afastando de vez a confusão entre um e outro.

Portal CTB, 13/02/17



É rombo ou roubo da Previdência?



Por Eduardo Navarro*



Vivemos um tempo em que quem diz a verdade é punido, mas ao mentiroso vai a recompensa. Os ultraliberais (o neoliberalismo 2.0) tem financiado uma campanha midiática milionária, no Brasil, para liquidar os direitos sociais e trabalhistas do povo brasileiro. Tal campanha, que tem iludido amplas camadas da sociedade, está baseada em um suposto rombo na Previdência Social. No caso dos direitos trabalhistas, o mote é um suposto anacronismo na legislação trabalhista (que é protetiva contra a fúria patronal) que estaria a impedir a geração de empregos.

Fiquemos no debate sobre o “rombo” da Previdência Social. A Previdência Social é responsável por atender a mais de noventa milhões de pessoas. A Constituição Federal de 1988 (Art.194) assegura os direitos relativos à Saúde Pública, para todos, Assistência Social, para os que necessitam, e Previdência Social, para os trabalhadores que contribuírem ou para aqueles que adquirirem direitos especiais. As três rubricas compõem a Seguridade Social.

a arrecadação das receitas para custear o Sistema de Seguridade Social é encaminhada para uma conta única da Receita Federal, sendo que as fontes de financiamento são oriundas da folha de pagamento; das cotas previdenciárias do faturamento, do lucro e das importações das empresas (Cofins, CSLL, PIS e PASEB); dos concursos lotéricos, e da contribuição da União. Portanto, se o sistema é universalista na cobertura e no atendimento, é equinânime e diversificado na base do financiamento. Como afirmar que há déficit em uma das partes das partes do sistema, sem levar em consideração as outras duas partes do tripé?

Antes de descermos aos números, vejamos o que prevê a CF/88 (Art.201) para a cobertura previdenciária: (I) cobertura de eventos de doenças, invalidez, morte e idade avançada; (II) proteção à maternidade, especialmente à gestante; (III) proteção ao trabalhador em situação de desemprego; (IV) salário-família e auxílio-reclusão; e (V) pensão por morte do segurado ao cônjuge e dependentes. Sendo assim, a cobertura previdenciária é mais ampla que a simples aposentadoria por contribuição.

Precisamos, ainda, identificar aqueles que têm direito a aposentadoria: são os empregados com carteira assinada, inclusive o trabalho doméstico; o trabalhador avulso; o contribuinte individual; o micro empresário individual; o segurado especial (definido pela CF/88), e o produtor rural pessoa física. Também mais amplo que o assalariado.

Vejamos, agora, os números. Tomemos como análise os dados de 2014: receita bruta 687,8 bilhões (350,9 de contribuição previdenciária / 263,9 de contribuição das empresas / 4,8 das lotéricas / 21,2 de outras contribuições). Já a execução dos programas sociais tem um total de 632 bilhões (303,5 de previdência urbana / 88,7 de previdência rural / 2 bi de regime próprio / 39,4 de assistência a idoso e deficientes / para a saúde 94,2 / assistência social 7 bi / Bolsa Família 26,2 / outras ações 71,1). Os dados acima apresentam um superávit de 55,7 bilhões de reais. (ANFIP, 2016).

Poderíamos apresentar os dados de 2015, o que seria enfadonho. Destacarei apenas a receita previdenciária liquida que é de 352,6 bi contra o pagamento de benefícios previdenciários de 336,3 bi. Como resultado do ano de 2015 encontramos o superávit de 11,1 bilhões de reais. Só para recapitular os últimos anos temos: 2012, superávit de 82,8 bilhões; 2013, superávit de 76,4; e os superávits de 55,7 em 2015 e 11,1 bilhões em 2016. (ANFIP, 2016).
Pergunta-se: onde está o tal rombo da Previdência se há, reiteradamente, superávit? Ou seria melhor perguntar: como um sistema superavitário pode se transformar em deficitário? A resposta está no toque de mágica dos nossos Mandrakes televisivos, também conhecidos como ilusionistas – aqueles que sacodem um lenço vermelho, na mão esquerda, para desviar nossa atenção, enquanto puxam uma carta, escondida na manga, com a mão direita. A mágica está em omitir a informação que, do montante que vai compor as receitas da Seguridade Social, o governo abocanha 20% desta verba, as chamadas DRU, Desvinculação das Receitas da União. Em 2012 foi retirado do caixa geral 58,1 bilhões, de 2013 o montante foi de 63,4 bi, para 2014 foi retirado 63,2 bi, e em 2015, 63,8 bilhões. A PEC 31/2016 garante a retirada de verbas da Previdência até o ano de 2023, passando dos atuais 20% para 30% das contribuições sociais.

Acrescentemos a esta tunga nos cofres do Sistema de Seguridade Social os valores de renúncias previdenciários (Simples, MEI, Exportador rural, desoneração de folha, filantropia, olimpíadas), que nos anos 2014 e 2015 representaram, respectivamente, 65,5 e 69,7 bilhões.

Para concluir: a dívida ativa previdenciária – o valor que sonegadores devem à Previdência – é de 374,9 bilhões. Quando cobrados judicialmente, muitos desses sonegadores pagam a dívida com imóveis, aumentando o patrimônio imobiliário da P.S., que hoje está na ordem de 6 bilhões de reais, ou 5.685 imóveis dados em pagamento. Além do que, tal imobilização gera com manutenção e administração dos imóveis a despesas de 17 milhões ao ano.

Explicando melhor. O povo brasileiro tem direito à saúde pública, assistência social e previdência social. Trabalhadores, empresários e cidadãos contribuem para a seguridade social, através de um caixa único. Este caixa apresenta saldo positivo todos os anos. O governo federal – desde 1994 – retira 20% do total das contribuições sociais, tornando o caixa deficitário (passará em 2017 a 30%). Não satisfeito, ainda possibilitam que uma série de empresas não paguem suas cotas previdenciárias, através das renúncias previdenciárias. Para completar, há uma serie de empresários espertos sonegam a Previdência. Quando são condenados a pagar a dívida o fazem com imóveis, geralmente em desuso. E ai, vem aqueles comentaristas televisivos dizer que existe rombo na Previdência. Ora, o que existe é roubo do futuro do povo brasileiro.

Os trabalhadores e trabalhadoras, os sindicatos e as centrais sindicais devem exigir o fim da aplicação da DRU sobre o orçamento da Seguridade Social. Para esclarecer e recompor a verdade dos fatos devemos exigir auditoria pública das contas do Sistema de Seguridade Social.


Fontes:

ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, 2016.
CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.


*Vice-presidente da Federação dos Bancários da Bahia e Sergipe, diretor executivo da CTB e coordenador da CTB Bancários.



Causa Operária, 06/01/17



Globo utiliza série sobre idosos para fazer propaganda pela reforma da previdência



Por Eduardo Vasco




O monopólio Globo tem um histórico invejável de ataques aos direitos dos trabalhadores, desde as capas de jornais contra o 13º salário até as campanhas atuais pela PEC 55, reforma trabalhista e da previdência, passando pela propaganda de golpes de estado e perseguição a políticos de esquerda.

Essa manipulação e distorção dos fatos para enganar a população muitas vezes é feita de forma escancarada, e em outras é encoberta. Esse é o caso da propaganda a favor da reforma da previdência, que o governo golpista busca implementar para fazer com que os trabalhadores só se aposentem até pouco antes de morrer.

O Jornal Nacional desta semana está com uma série de reportagens especiais sobre os idosos, como podem cuidar da saúde na velhice e viver melhor. Curiosamente, segundo a reportagem desta quarta-feira (4), uma das maneiras de viver melhor para os idosos é trabalhando para um patrão até o fim da vida, e não utilizando seus últimos anos de vida para o lazer.

Os entrevistados da reportagem são idosos que gostam de trabalhar. Um especialista afirma que um dos motivos de pessoas com idade para se aposentar continuarem trabalhando é a baixa renda dos trabalhadores. O dinheiro da aposentadoria também é muito pouco. A solução, para a Globo, é muito simples: que continuem a trabalhar, ora! Aumentar o salário e a aposentadoria, isso nem passa pela cabeça dos patrões, obviamente.

Mas o pior vem a seguir: “É pouco dinheiro para quem recebe, mas é muito para quem paga”, diz o repórter, com ênfase no muito. Exatamente a mesma lábia dos patrões, não? E o argumento é aquele mesmo do governo golpista: a expectativa de vida está aumentando, a cada ano mais gente recebe aposentadoria mas menos gente contribui etc, etc, etc. Aí vem um economista burguês dizer que a reforma da previdência é urgente! Hélio Zylberstajn, professor da USP, é o entrevistado. Ele já deu declarações em outras reportagens da Globo a favor da reforma previdenciária, é aquele típico entrevistado de fachada que serve só para os jornais dizerem que são imparciais e estão apenas consultando a opinião de um especialista.

Tem mais. Outro “especialista” vem com um discurso ridículo, pra avacalhar de vez: desesperados para manipular a opinião da audiência, o argumento é o de que os idosos têm que trabalhar mais tempo porque sua simples presença deixa mais agradável o ambiente de trabalho e assim ele funciona melhor! O trabalhador idoso, segundo a esdrúxula explanação do “especialista”, tem mais jogo de cintura pra conversar com seus colegas e com o chefe.

Ainda segundo a reportagem/propaganda, uma aposentadoria “precoce” (que foi um direito conquistado por anos de luta dos trabalhadores) acaba desperdiçando a experiência que o aposentado adquiriu ao longo da vida. Então se for assim, para que a experiência do trabalhador não seja desperdiçada, ele deveria trabalhar até o último suspiro, porque quanto mais velho maior sua experiência.

O ato final da comédia midiática do Jornal Nacional é citar o exemplo do Japão: idosos com mais de 70 anos se “divertem” trabalhando. O governo incentiva os idosos a trabalharem (ou obriga, como os golpistas daqui querem fazer?). O Japão, que tem um dos sistemas de trabalho mais brutais e exploratórios do mundo, onde o trabalho é tão opressor que as pessoas enloquecem ou se suicidam para se livrar do excesso de exploração.

Segundo o governo japonês, mais de 2 mil trabalhadores se suicidam todos os anos por estresse relacionado ao excesso de trabalho (BBC, 29/12/16). Isso sem contar as mortes por problemas de saúde resultantes do trabalho excessivo.Karoshi” é o termo utilizado para designar esse tipo de suicídio, de tão comum que se tornou a prática.

A Globo, comandada pela família mais rica da história recente do Brasil, sonegadora de impostos e benefeciária de grande fatia de dinheiro público por investimento do governo, utiliza mais uma vez seu monopólio para fazer campanha de ataques aos direitos da classe operária, como é o direito à aposentadoria.

Seguindo os interesses da sua própria classe burguesa, ela quer que o trabalhador produza a riqueza para encher os bolsos do patrão até que morra por morte natural aos 80 anos, ou então até que morra enquanto trabalha em condições miseráveis aos 75, sendo superexplorado e dando lucros para o patrão e sem receber qualquer migalha de aposentadoria.

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