Blog do Santayana, 14 de abr de 2016
Os magos e o monstro
Os magos e o monstro
Por Mauro Santayana
Dizem que, certa vez, querendo
derrotar um adversário, um grupo de magos e de aspirantes a magos – entre eles
havia numerosos aprendizes de feiticeiro – reuniu-se para construir uma
criatura monstruosa, que pudesse destroçar, impiedosamente, o inimigo.
- Vamos fazer uma cauda longa e
forte, coberta de espinhos - disse um deles.
- E uma boca imensa como um
precipício, com duas fileiras de dentes de tubarão, tamanho X-G – disse outro.
- E seis patas, longas como
lanças e grossas como porretes, que possam perseguir e acuar qualquer um que
esteja se vestindo com as cores deles – afirmou o terceiro.
- Cada uma com 12 garras, afiadas
e curvas, como espadas de sarracenos – reforçou mais um.
- Tudo isso unido, por este
tronco aqui – sugeriu outro - grosso como o de um rinoceronte.
- Coberto com escamas em lâminas,
que cortem como cacos de vidro – propuseram outros, que tinham acabado de
chegar ao encontro.
E durante meses os magos assim
procederam.
Além de detalhes físicos,
inúmeros, foram acrescidos à receita condenáveis sentimentos, que iam sendo
reunidos para alimentar, na fase final, o monstro por via intravenosa, já que
ele, como um abominável frankenstein canídeo, ressonava, roncando, no pátio do
castelo, esperando o dia em que despertaria completamente, como a Bela
Adormecida.
Por isso, no caldeirão em que
fervia a poção que era injetada, como um soro fétido, no monstro, por mil
agulhas espalhadas pelo corpo, se juntaram o ódio mais virulento, as mentiras
mais descaradas, o preconceito mais arrogante, a violência mais sádica, a
ignorância mais teimosa, a manipulação mais descarada e a mais cínica
hipocrisia.
Nesse afã, passaram-se dias,
semanas.
Até que, meses depois, em um
crepúsculo lento e friorento, os magos se reuniram nas arquibancadas do pátio
do castelo, para acordar, finalmente, a estranha criatura.
Para isso, um mago anão,
equilibrista, subindo ousadamente sobre o rabo do monstro, percorreu lenta e
solenemente o seu tronco, e, escalando sua cabeça, aproximou-se do focinho repugnante
e disforme, para soprar, precedido pelo som de trombetas, em suas ventas, com
um canudo feito de despachos judiciais, manchetes de jornal e capas de revista,
o vapor azulado da existência.
Passaram-se então alguns
segundos, de ansiedade e expectativa, em que se poderia ouvir o zumbido de um
inseto.
E no instante em que o monstro se
levantou, resfolegando como o cão dos infernos, foi como se a terra tivesse,
súbita e violentamente, estremecido.
A massa da gigantesca criatura
balançou-se, de um lado para o outro, como uma montanha, atirando, sobre uma
arquibancada mais alta, o anão-mago que havia lhe soprado a vida.
E quando, abrindo os olhos em
chamas, ele escancarou a espantosa bocarra, mostrando a garganta escura e
profunda como um poço, emoldurada pelas longas fileiras de dentes, de onde
explodiu, como uma bomba, o poderoso trovão de seu rugido, fazendo com que todo
mundo saísse correndo, desabaladamente, ainda ouviu-se, desesperado e agudo, um
grito lancinante:
- Ih! Ih! Corre, macacada, corre!
A gente se esqueceu de colocar a
coleira!
Se tivesse acesso a um pequeno
livro de contos morávios da segunda metade do medievo, que comprei em um velho
sebo em Praga, que me inspirou o início deste texto, certamente parte da
oposição e do próprio PMDB teriam pensado duas vezes antes de agir como os
magos e os seus aprendizes, e optar, uns de forma planejada, outros de maneira
crescente e intuitiva, por incentivar e cevar, com a velha, surrada,
manipulada bandeira do combate à corrupção de sempre, o monstro da antipolítica,
e por abandonar o calendário eleitoral normal para embarcar em um jogo suicida
de encarniçado perde-perde do qual, como se pode ver também pelas últimas
pesquisas, todos, ou quase todos, sairão exangues, feridos e derrotados, e em
situação muito pior do que a que estavam antes.
Nos últimos anos, e
principalmente nos últimos meses, da Copa do Mundo para cá, muita gente
insistiu em empurrar, radical, emotivamente, a população e a opinião pública
contra o governo, como se disso dependesse a salvação do país.
E o que se conseguiu foi criar
uma grande massa de brasileiros, equivalente hoje a cerca de 20% da população,
que nutre o mais profundo desprezo pela política, pelo Congresso, pelos
partidos, pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Poder Executivo, e que não tem –
e não quer ter - a menor ideia de como funciona um regime democrático ou o
presidencialismo de coalizão.
Uma turba que, da defesa da
tortura, da ditadura, do assassinato de adversários políticos, ao anseio de uma
democracia direta feita na base da porrada e do porrete, exercida pela força, a
pressão e a violência, exibe os mais esdrúxulos devaneios e delírios, tendo
como únicos pontos de união um anticomunismo tosco e anacrônico, o ódio
ao estado, o desprezo pelo Brasil e por suas conquistas e preconceitos de todo
tipo e que só aceita – até agora – a liderança de dois personagens
desequilibrados pelo ego e pela ambição, que representam, a médio prazo, um
imponderável, incalculável, extremado risco para a sobrevivência da democracia
e das instituições.
O PT, de
sua parte, embora não possa ser incluído no “círculo mágico” a que nos
referimos, fez, paradoxalmente, quase todo o possível para o crescimento dessa
receita fascista.
Alimentou, com bilhões de reais, uma mídia parcial, seletiva, inimiga, quando, até mesmo usando o sábio pretexto da austeridade, poderia ter evitado fazê-lo, suspendendo, ou limitando à publicidade legal obrigatória, toda a propaganda paga do governo.
Abandonou, sem nenhuma estratégia
que pudesse impedi-lo, os espaços aparentemente “neutros” e de maior
“audiência” da internet para a direita, e, depois, para a extrema direita,
permitindo que, sem nenhuma reação em contrário, eles se tornassem o principal
caldo de fermento de uma malta ignorante, violenta, hipócrita, manipulada e
burra, parte dela oriunda de um público que as próprias políticas sociais do
Partido dos Trabalhadores havia levado a ter acesso, por meio da inclusão
digital, a computadores, tablets, celulares e conexões de rede.
Não estruturou um discurso claro,
baseado em dados simples, em nada cabalísticos, do PIB, dívida pública, carga
tributária, que pudesse desmentir teses estapafúrdias como a de que quebrou o
Brasil nos últimos 13 anos, ou de que sucateou as Forças Armadas, quando lançou
o maior programa de rearmamento da área de defesa dos últimos 500 anos.
Alguns de seus dirigentes se
entregaram à aceitação de pequenos, perigosos e absolutamente desnecessários
“favores” - não ilegais, mas moral e politicamente discutíveis - e outros
personagens se entregaram a operações de “consultoria”, prestadas não apenas a
empresas brasileiras – coisa totalmente compreensível, no apoio por exemplo, à
exportação de serviços e equipamentos nacionais – mas também a companhias
multinacionais, algumas delas - não necessariamente por influência do PT, mas
em seus governos - beneficiadas, nos últimos anos, por “perdão” de
impostos e empréstimos bilionários, lembrando, nessa aproximação, o que ocorria
nos governos neoliberais e entreguistas anteriores.
O caminho para o cadafalso foi percorrido, inexoravelmente, até agora, com a resignação e a inação de quem achava que algum milagre sempre ia ocorrer na etapa seguinte, à volta da esquina, quando o golpe em andamento só faltou ser anunciado em luzes de neon, por fatos como o deslocamento - para o qual chamamos a atenção à época - para Brasília, da mesma embaixadora norte-americana que estava lotada em Assunção no processo de derrubada jurídico-político- midiática do Presidente Fernando Lugo.
O caminho para o cadafalso foi percorrido, inexoravelmente, até agora, com a resignação e a inação de quem achava que algum milagre sempre ia ocorrer na etapa seguinte, à volta da esquina, quando o golpe em andamento só faltou ser anunciado em luzes de neon, por fatos como o deslocamento - para o qual chamamos a atenção à época - para Brasília, da mesma embaixadora norte-americana que estava lotada em Assunção no processo de derrubada jurídico-político- midiática do Presidente Fernando Lugo.
Os opositores do governo Dilma tem perdido apoio e intenção de votos com o discurso geral de
judicialização e criminalização da política, na mesma proporção em que seus
membros são acusados de corrupção, quase que exatamente com os mesmos
pretextos, jogadas e subterfúgios – principalmente a transformação de doações
legais em ilegais e delações premiadas negociadas em troca da liberdade mesmo
que provisória de detidos - que antes se utilizavam apenas contra membros do PT
e da coalizão governista.
O Congresso também perdeu como um todo, institucionalmente, bastando para isso ver a quantidade de membros do legislativo processados pela justiça - incluídos os presidentes da Câmara e do Senado - ou apenas no âmbito da Operação Lava-Jato, como é o caso, por exemplo, da composição da própria Comissão que aprovou, em primeira votação, por maioria simples, o impedimento da Presidente da República.
A
Operação Lava-Jato, insuflada pela oposição no início, e pela mídia
conservadora durante todo o tempo, e o esporte nacional de acuar e inviabilizar
o governo, aprofundaram o efeito da crise econômica internacional, arrebentando
com a governabilidade e com a economia e quebrando milhares de brasileiros,
que, até mesmo por isso, estão se afastando também da política tradicional,
“seduzidos”, como sempre, por novos e velhos paraquedistas que dizem que não
são “políticos”.
Quanto ao PMDB, se nem os magos e seus aprendizes conseguiram se aproximar da criatura que geraram – por hora disposta a ganhar afagos e festas de apenas duas pessoas, o Juiz Sérgio Moro e o Capitão Jair Bolsonaro, que se aproximam, perigosamente de 16% dos votos;
Se a malta fascista que está nas ruas, criada com o leite amargo do ódio e o pão de ló da criminalização e desconstrução da política que a oposição e a imprensa amassaram com o rabo, não aceita sequer a presença do PSDB partidário em suas manifestações, das quais já expulsou Aécio e Alckmin, nem a do Presidente da FIESP – que foi cantar o hino nacional e por pouco não saiu tosquiado, ou melhor, pagando o pato;
Nem a do “líder” dos Revoltados Online, que apesar de travestido de fascista, foi acusado de comunista e de “estar a soldo do senador Aécio Neves” porque tentou fazer um alerta à turba de “homens de bem” e teve que sair sob proteção policial da Avenida Paulista;
De onde o PMDB tirou a ideia, ou melhor – aos gritos de “Fora PT” no Congresso - a ilusão, de que seria tratado de forma diferente por aqueles que se convencionou chamar de “coxinhas”, ou pelo judiciário, ou pela “imprensa”, após ficar mais de uma década apoiando e participando da coalizão governista?
Será que esse partido não sabe que dificilmente Michel Temer deixará de ser a bola da vez?
Bom ou mau, o PT tinha um acordo com o PMDB. A imprensa, o Judiciário, os "mercados" não tem nenhum.
Blog do Santayana, 23/05/16
O que fazer com o fascismo
Por Mauro Santayana
Querendo ou
não, o voto do Sr. Jair Bolsonaro no plenário da Câmara, homenageando,
aos gritos, o golpismo, a tortura, e fazendo alusão ao sofrimento físico
e ao terror sofridos por Dilma Roussef quando de sua prisão – ilegal,
por ilegal ser o regime – à época do regime militar, foi o ápice
emblemático, o marco, o símbolo, a evidência, de uma situação histórica
cristalina e incontornável.
Descarado,
despudorado, estúpido, violento, irracional, com centenas de milhares de
votos e milhões de simpatizantes, muitos deles organizados em uma
miríade de grupos que vai de saudosistas e apologistas da tortura e dos
assassinatos de opositores políticos a fundamentalistas religiosos
corruptos, nascidos da exploração da fé, do voto e do bolso da parte
mais pobre e menos informada da população – sem oposição, sem controle
por parte do Judiciário, que a ele se alia por numerosos braços, e da
polícia, que lhe fornece candidatos e simpatizantes – o fascismo veio
para ficar e ocupa já um espaço próprio na sociedade brasileira,
desafiando abertamente a Democracia e o que ela tem de mais importante,
essencial, libertário, humanístico, civilizatório.
A questão inadiável, que se coloca, para agora e o anos de eventual pós-petismo, é a seguinte: o que fazer com o fascismo?
Denunciá-lo e
isolá-lo, como a absurda excrescência que é em nosso modo de vida e no
nosso espectro político? Tentar articular uma frente possível, para
enfrentá-lo?
Ou permitir
que se instale, como legado do nosso passado colonialista e
escravagista, “normalmente”, na vida do país, e que abra caminho para o
poder, ajudando a isolar e a desconstruir, institucionalmente, as
forças socialistas e nacionalistas, sabotando-as, e destruindo-as, e
eliminando-as, praticamente, institucionalmente, da vida nacional?
Por que se
chegou a esse ponto de escancarado desafio às instituições e ao Estado
de direito – com o beneplácito de uma mídia parcial e partidária, e o
silêncio e a omissão do Legislativo e do Judiciário, aí incluído o
Supremo Tribunal Federal, que não disse “gato” a respeito da fala de
Bolsonaro?
É fácil
procurar culpados no campo dos inimigos da Democracia, como a velha
mídia entreguista, “elitista”, venal e reacionária, que estereotipa o
negro, o gay e a mulher que diz defender, em suas novelas e programas de
televisão.
Também é
cômodo atribuir esse estado de coisas ao próprio fascismo e a seus
expoentes surgidos nos últimos anos do ventre de um anticomunismo tosco,
ignorante, imbecil que vão, do que há de mais abjeto na imprensa
brasileira a filósofos de bolso, cantores de rock e astrólogos, passando
por pastores caçadores de passarinhos e sacerdotes católicos
fundamentalistas, com ligações com o exterior.
Mas isso equivaleria a culpar uma hiena por ser uma hiena, um abutre por ser um abutre, um escorpião por ser um escorpião.
O fascismo não é razoável, nem cordato, nem racional. Com ele, não há como ceder ou negociar. Se o fosse, não seria fascismo.
A culpa pela
irresistível ascensão da extrema direita – e não há outro termo, nos
aspectos quantitativo e qualitativo, que possa descrever com mais
propriedade o atual processo – deve ser procurada entre aqueles que
deveriam, por natureza, ter – mais que vocação – a necessidade de
defender a Democracia e aqueles que, no poder, tinham a obrigação, a
responsabilidade histórica e ideológica, de combatê-lo, evitando que as
coisas chegassem aonde estão.
Tendo
enfrentado o regime militar e procurado negociar o seu fim, com o
movimento das Diretas Já e a eleição de Tancredo Neves para a
Presidência da República, cabia às lideranças e partidos que conduziram
esse processo ter promovido a defesa, didática, permanente, verdadeira,
racional, dos valores democráticos junto à população, buscando também a
renovação que fosse possível nos meios de comunicação de massa - que
desde antes dos governos militares, continuam basicamente os mesmos e
são controlados pelas mesmas famílias – em benefício da pluralidade de
opinião e da amplitude de informação, evitando que se instalasse no país
um senso comum medíocre, rasteiro e estúpido, ditatorial.
Mas não o fizeram.
O Sr.
Fernando Henrique Cardoso, que agora declarou que a fala do Sr. Jair
Bolsonaro em defesa de um torturador ofende o país, não procurou contar,
em seu governo, às novas gerações, o papel – a serviço também de
interesses estrangeiros – do golpismo e do fascismo, pragas permanentes
na história brasileira, no suicídio de Getúlio Vargas, na sabotagem e
nas tentativas de golpe contra Juscelino Kubitscheck durante todo o seu
mandato, na constante pressão contra Jango, até derrubá-lo, pela força
das armas, em 1964.
Assim como não o fez o PT.
Nos 22 anos
dos governos tucanos e petistas, nem sequer um miserável Dia da
Democracia foi incluído no calendário oficial, com direito a feriado, e,
depois da sua instituição pela ONU, em 2007, para ser comemorado todos
os dias 15 de setembro, sua existência sequer foi lembrada, em uma
prosaica campanha do Tribunal Superior Eleitoral.
Nesse
absurdo país em que estamos vivendo, em que o Estado de Direito foi
substituído pelo Estado de Direita, e não se pode ter mais liberdade de
expressão ou de opinião, o que irrita não é o ódio irracional, sádico e
sombrio dos apologistas do pensamento único, dos assassinatos e da
tortura, mas a inação, a incompetência tática e a falta de visão
estratégica – que nesse aspecto caracterizaram os últimos anos –
daqueles que deveriam dar-lhe combate.
A esquerda
errou quando fingiu que não viu o que estava ocorrendo já na véspera da
Copa do Mundo. Errou quando não reagiu aos insultos, aos atentados
verbais, às calúnias, judicialmente. Errou quando entregou a internet à
direita e à extrema-direita, permitindo que esta última a usasse como um
fantástico instrumento de mobilização, mas também abandonando os
portais de maior audiência, para que o fascismo, por meio de seus
trolls, conquistasse para seus argumentos e mentirosos paradigmas,
milhões de brasileiros que estavam começando a se “politizar” justamente
naquele momento – com o acesso à internet – devido à inclusão social e
digital promovida pelo próprio governo.
Errou quando
não compilou suas conquistas, com dados numéricos, incontestáveis –
como o crescimento do PIB e da renda per capita ou a diminuição da
dívida líquida de 2002 a 2014 – fazendo delas a base de um discurso e de
um plano coerente de governo, que cobrisse, institucionalmente, a
economia, a soberania, o desenvolvimento e a defesa.
Errou quando
não fez uma reforma política, digna desse nome, quando tinha poder e
popularidade para isso, preferindo adotar, como governos passados, o
fisiologismo, no convívio com o tipo de escolhos políticos que se viu na
televisão no dia da votação do impeachment.
E continua
errando quando quer misturar alhos e bugalhos no mesmo saco de gatos e
sair atirando como uma metralhadora giratória contra tudo e contra
todos, em um momento em que já ninguém quer lhe dar a mão, e
taticamente, há muito pouco a fazer para reverter a situação em que se
encontra.
Ao fazer
isso, a esquerda está pedindo para ser isolada ainda e cada vez mais dos
demais partidos e parte expressiva da “opinião pública”.
E está fazendo exatamente o que dela esperam seus inimigos. Dando murro em ponta de faca.
Deixando-se provocar e pautar, o tempo todo, pelos adversários e pelas circunstâncias.
Estamos à
vontade para criticar, porque cansamo-nos de alertar, nos últimos anos,
insistentemente, em artigos como “O PT, o PSDB e a arte de cevar os
urubus”, “Os Pilares da Estupidez”, e “De Golpes e de Labaredas”, para o
que estava ocorrendo, do ponto de vista da degradação e da expansão
geométrica dos ataques repetidos, premeditados, intencionais, contra a
Democracia brasileira.
É preciso denunciar o golpe desfechado?
Sim. Mas não
se pode simplesmente colocar trava na porta depois da casa arrombada e
tentar fazer na saída do poder o que não se fez em anos em que se estava
nele, do ponto de vista da defesa da Democracia, quando se viu
calmamente, da janela, de braços cruzados, que a boiada estava indo, rês
a rês, inexoravelmente, para o brejo.
Tão
prioritário quanto, se não muitíssimo mais importante do ponto de vista
histórico e estratégico, é trabalhar com firmeza para não se isolar,
perecendo, politicamente – o que seria péssimo para a democracia
brasileira – e tentar, em contraposição, ir isolando o fascismo com
relação ao resto da sociedade, para evitar que Bolsonaro e,
eventualmente, certo juiz de Curitiba – que tem sido incensado
permanentemente pelos Estados Unidos – triunfem, direta ou indiretamente
– transformando-se, na oposição ou no governo, em fiel da balança
eleitoral e em um elemento de permanente chantagem e desestabilização,
para qualquer um que venha a vencer as eleições presidenciais – agora,
antecipadamente – ou em 2018.
O que nos
preocupa, no risco que corre o país, não são os palhaços loucos, sempre
subestimados e ridicularizados no início, como Hitler ou Mussolini, e
seus genéricos locais, mas os psicopatas que medram à sua sombra, que os
veem como líderes e exemplo messiânico, e acreditam piamente neles.
Esses se
transformam na alma e no sustentáculo do totalitarismo, praticando os
piores crimes, usando o discurso ideológico como desculpa para idolatrar
o mal e desatar, doentiamente, o seu ódio, a sua devoção pela
injustiça, pela dor e pela destruição de outros seres humanos.
São eles,
não em troca de voto, mas por acreditar apaixonadamente nas mentiras e
mitos mais absurdos, que defendem a tortura e dizem que poderiam
espancar, arrebentar e matar, como reles assassinos, em seus comentários
nos portais e redes sociais.
São eles que
– não se iludam – poderiam tranquila e alegremente sujar suas mãos com o
sangue de pessoas desarmadas porque elas pensam de forma diferente, ou
de mulheres grávidas ou crianças indefesas, por serem filhos de seus
adversários políticos, caso lhes dessem uma arma, um uniforme, um
porrete, uma máquina de dar choque, uma carteira com o seu retrato e um
emblema.
Caberá à
atitude dos grandes partidos, e das forças políticas, principalmente a
esquerda, e de organizações da sociedade civil, como a OAB e a Igreja,
determinar se a absurda fala de Jair Bolsonaro na votação do impeachment
– que equivaleu a um histórico show de striptease moral por parte da
Câmara dos Deputados – será vista, no futuro, como um marco fundamental
para a ascensão política do que existe de pior na população brasileira,
ou como o ponto de inflexão que provocou a reação da sociedade contra o
avanço, até agora, paulatino, inconteste, inexorável, da fascistização
do país.
Mais do que
quem vai “governar” a nação nos próximos meses – entre aspas mesmo,
porque há cada vez menos condições de se administrar este país, ainda
mais sob condições de pressão e chantagem permanentes – é isto que está
em jogo neste momento.
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