terça-feira, 17 de maio de 2016

Criacionistas e jusnaturalistas: sobre os despachantes do golpe e como enfrentá-los


https://rsurgente.wordpress.com/2016/05/14/criacionistas-e-jusnaturalistas-estamentais-sobre-os-despachantes-do-golpe-e-como-enfrenta-los/




​​RSurgente, 14 de maio de 2014


Criacionistas e jusnaturalistas: sobre os despachantes do golpe e como enfrentá-los



Por Katarina Peixoto



Tornar cultiváveis regiões até onde há pouco vicejava a loucura. Avançar com o machado da razão, sem olhar nem para a direita, nem para a esquerda, para não sucumbir ao horror que acena das profundezas da selva. Todo solo deve alguma vez ter sido revolvido pela razão, carpido no matagal do desvario e do mito. É o que deve ser realizado aqui para o solo do século XIX”. (W. Benjamin, Teoria do Conhecimento e Teoria do Progresso)


Há um consenso no diagnóstico do golpe brasileiro: trata-se de uma reação das elites e, como tal, é regressivo, tanto social, como juridicamente. O golpe de estado oficialmente viabilizado no dia 17 de abril de 2016 acarretaria, na sua promessa, a revisita aos anos da escravidão legalizada. Essa acusação se baseia nos compromissos já ventilados pelo governo usurpador: desregulação das relações de trabalho, tuteladas pela Consolidação das Leis do Trabalho, destruição de políticas sociais universalistas e destruição da política do salário mínimo, que responde pela mobilidade social (sem precedentes na história, vale dizer) dos desvalidos, nos últimos anos, no país. Outras medidas anunciadas jogam água no moinho dessa regressão: o fim da exigência de licenciamento ambiental para obras públicas, o desfazimento, via emenda constitucional, do conceito mesmo de trabalho escravo e de sua prática como crime e a desvinculação orçamentária dos investimentos e dotações em saúde e educação. Essa desregulamentação anunciada é mais radical do que qualquer programa já submetido ao crivo eleitoral e jamais foi legitimada democraticamente. Somente um golpe de estado pode tornar possível essa regressão de direitos, sem qualquer consenso pressuposto, na cidadania.

O que subjaz a essa agenda refratária ao controle social e legal nos conduz ao século XIX brasileiro e também ao arranjo das elites paulistas, nas primeiras décadas do século XX. Se por um lado é intuitiva a presença de interesses externos operando uma recolonização da América Latina, como afirma Adolfo Perez Esquivel (1), por outro, a exuberância da reação autoritária, local, fornece elementos mais do que suficientes para entendermos os interesses e o alcance do rompimento com a normalidade democrática, que estamos vivendo. Um olhar atento sobre a reação que dirige o golpe de 2016, no Brasil, pode nos conduzir ao reconhecimento de duas estruturas de crenças, com forte aparato institucional, que permitiram o avanço da reação autoritária e a consumação da ruptura constitucional, no país.

Essas estruturas não são elas mesmas protagonistas, assim como as forças armadas não o foram, no último golpe que precedeu a este, em curso. Assim como em 64, as elites rentistas financiam e chantageiam pela consumação do golpe. Mas a arregimentação desses despachantes é de natureza ideológica, com forte aparato material e estabilidade institucional: operam como realizadores de tarefas moralizadoras e como missionários de uma nova ordem. Ao contrário do modo operante das forças armadas, dedicam-se com afinco à manutenção das aparências ritualísticas e dependem da mídia familiar para legitimarem seus expedientes. O golpe é midiático e civil, mas é menos parlamentar do que pode nos ter dado a ver o espetáculo de horror do domingo 17, último.

Este golpe e a agenda por ele implicada só se tornou possível com o progressivo avanço do criacionismo e do jusnaturalismo estamental, sobre a democracia e a república brasileiras. Seja a partir das seitas neopentecostais, seja da direita católica, o ataque atual à democracia e à ordem constitucional brasileiras não é inteligível sem o reconhecimento do avanço dessas expressões moralistas e religiosas nas estruturas da burocracia jurídica do estado e no parlamento. Se é verdade que ainda está para ser feito um estudo rigoroso sobre as implicações dessas expressões religiosas na vida institucional e representativa de nossa democracia, também é verdadeiro que desconsiderar esse avanço de elementos irracionais contribui para obnubilar o que já está enevoado, no cenário de guerra política em que fomos jogados.

Esse estudo que não foi feito e que poderia referir-se no legado weberiano da psicologia das religiões, também teria de levar em conta o caráter a um só tempo messiânico, pragmático e católico, do Partido dos Trabalhadores e de parte significativa das forças democráticas da sociedade brasileira. Fortemente inspirado pela Teologia da Libertação, o PT conseguiu tornar-se um partido de massa imenso, altamente capilarizado e plural, ao tempo em que experimentou, no governo, limites intransponíveis. Não se trata de apontar um conflito religioso ou uma ameaça fundamentalista. Trata-se de reconhecer, na relação entre moral e direito, uma interseção altamente contaminada de elementos irracionais, místicos, reativos e constituída de crenças refratárias às regras do jogo democrático e republicano.


​​“Nas eleições de 2014, uma candidatura criacionista quase chegou ao segundo turno 
e a votação do impedimento na Câmara dos Deputados foi presidida por um criacionista”.

​Dentre os componentes dessa interseção histórica e cultural, a grande novidade é a mudança de estatuto político do criacionismo, na vida política e partidária. Nas eleições de 2014, uma candidatura criacionista quase chegou ao segundo turno e a votação do impedimento na Câmara dos Deputados foi presidida por um criacionista, aliás, da mesma seita da ex-candidata à presidência, derrotada antes do segundo turno, nas últimas eleições presidenciais. O espetáculo que foi ofertado ao público televisivo e de rádio, do país, no domingo de votação do impeachment sem crime de responsabilidade contou com uma horda criacionista claramente disposta a depor uma presidenta eleita pelo voto direto, em sufrágio universal, em nome da família “quadrangular”, de membros familiares, da “paz de Jerusalém” e de outras coisas tão obscuras como externas ao jogo democrático e ao pudor republicano.

Assim, “Deus”, “Jesus”, o combate aos gays, a reivindicação de um estatuto familiar heterossexual, a tutela uterina e outros mandamentos dessa natureza, invadiram o que seria um domínio político de discussão e deliberação quanto ao impedimento da presidenta da república, que teria cometido crime de responsabilidade. Dos mais de quinhentos deputados, somente 16 se referiram às acusações da denúncia. Está claro que é um golpe. O que não está claro é como se chegou a este ponto.

Neste sentido, uma vez mais, o legado do século XIX ilumina o estado das coisas no presente. Se estamos diante de uma repetição histórica, ou do regresso a um estado anterior, no que concerne ao atavismo autoritário e racista do país, e se os operadores dessa repetição são bacharéis e parlamentares, talvez Alberto Venâncio Filho (2) nos possa ajudar a entender o alcance das dificuldades para a democracia brasileira, hoje. A baixa qualidade dos cursos de direito no país, com efeito, deriva de um vício de origem pouco estudado, para o mal público em que consiste: a urgência, no Brasil pós-independência, da criação de uma burocracia estatal e juridicamente informada, para assumir os postos de um novo país, escravocrata, rural e oligárquico. Em vez de Coimbra, as faculdades de direito brasileiras, sobretudo as de Olinda e Recife e do Largo de São Francisco, passariam a formar elites locais, a fim de realizarem esta tarefa urgente, de despachar e administrar juridicamente a nova ordem burocrática. Pouco letrada e arrivista, pouco ou nada identificada com o país recém independente e oriunda dos estamentos coloniais do estado anterior, a burocracia jurídica brasileira nasce com um encargo impossível: tornar jurídica a usurpação e fazer do direito um instrumento de estabilidade e segurança institucional num país escravocrata.

Da impossibilidade dessa missão se segue o caráter antipositivista e antilegalista de nossas elites burocráticas responsáveis pelo ensino e pela prática jurídica brasileira. E não há, ao longo do século XX, sinal de que essa marca tenha se transformado. Antes, o contrário é verdadeiro: a suspeita e o cultivo da paranoia que reconhece na ordem legal e na constitucionalidade uma estrutura derivativa de preceitos morais recursivos estamentais, subjacentes às classes e aos cargos em que se tem investidura, contamina de fragilidade a relação com o direito positivo, desde sempre, no Brasil. E, dado o caráter católico messiânico da teologia da libertação e o seu nascimento na resistência a uma ditadura, o PT não contribuiu para transformar esse cenário. Antes, abraçou, ecumenicamente, as críticas bacharelescas, departamentais, à dogmática jurídica, que parasitaram setores da esquerda, nos anos de redemocratização. Dos manifestos de meia dúzia de faculdades de direito, em defesa do “direito achado na rua” nasce uma aberração cultural e autoritária, que explica a estrutura jusnaturalista sem a qual o golpe de 2016 não se entende.

Com efeito, é no rastro dessas discussões contra a dogmática jurídica (como se o problema da ditadura fosse de natureza legal e como se alguma ditadura zelasse pela legalidade) que surge uma escola obscura e entusiasmada, no judiciário, de “ativistas judiciais”. Arregimentando a situação extraordinária e peculiar dos julgamentos de Nuremberg, no pós-guerra, os defensores de um papel “protagonista” e prático dos juízes de primeira instância na efetivação de princípios constitucionais formaram ao menos duas gerações de juízes missionários. Jusnaturalistas (3) irrefletidos, céticos práticos contra a ideia de ritos processuais regidos pela letra legal, esses juízes adentraram a jurisprudência e as escolas. E, da demanda por democracia e transformação, represada pela ditadura, nasce uma elite burocrática, do aparato jurisdicional, que toma a legalidade como derivativa, suspeita, paquidérmica, problemática.

Como não bastasse, ao longo dos anos que sucederam a promulgação da Constituição de 1988, essas estruturas burocráticas passaram a configurar, também, uma elite econômica. Enquanto o poder executivo se submeteu a ajustes fiscais, a arrochos salariais, ao depauperamento das carreiras de estado de profissionais, muitos deles doutores, na educação, na saúde e na segurança pública, o judiciário e os ministérios públicos, além das procuradorias de entes federados, passaram a gozar de uma política salarial alheia ao estado das artes da finança e do orçamento do estado. Assim, salários desproporcionais ao nível de formação, estabilidade total, a ausência de qualquer controle social e jurídico externo e penduricalhos (auxílio moradia, auxílio paletó, e outras aberrações) contribuíram para que o problema acarretado pela contaminação jusnaturalista se tornasse maior: predadores orçamentários, com poder e sem responder a ninguém, protagonizam decisões, processos e a administração da justiça, sem responder a qualquer estrutura e com uma carga cultural e intelectual de suspeição e desconfiança da ordem legal, recentemente promulgada, e tomada, pela geração da redemocratização, como derivativa.

Assim nasce uma peculiar estrutura estamental, de crenças e com suporte institucional, material, para despachar interesses e enveredar em terreno estranho: a representação política. A Operação Lava Jato, que opera como despachante do golpe, no Brasil, é um caso paradigmático dessa aberração antilegalista e fortemente imbuída de uma missão externa à legalidade. A relação, reivindicada pelo juiz Sergio Moro (4), com a mídia familiar, sobretudo com a Rede Globo e o Grupo Abril, cujas famílias se notabilizam pelo combate ideológico e antirrealista aos governos petistas e à esquerda, em geral, nos expedientes dessa operação, resultou na desmoralização e na distribuição da suspeita antilegalista, antijurídica, contra a ideia mesma de representação política. O que antes se situava nos tribunais e em instâncias longínquas, frente a leis e dispositivos da legislação infraconstitucional, agora enveredou pelo terreno da política representativa.


“A ideia, defendida pelo juiz Sergio Moro, de “deslegitimar a política”, fornece uma explicação incontornável 
para a consumação do golpe e para a entrega de sua decisão a uma votação parlamentar de caráter moralista e ilegal.”​


​Assim, financiamento eleitoral, mandatos, relações entre movimentos sociais e partidos, reuniões, arranjos lícitos e caixa dois, tudo isso passou a ser tratado na vala dos crimes contra a pessoa. E, de maneira só inteligível se levarmos em conta o traço estamental, identitário, dos dirigentes da Lava Jato, sobressai, ao longo dos dois anos da Operação, uma profunda assimetria de tratamento em relação a políticos. Da degeneração do processo penal e da destruição de procedimentos judiciais elementares, a Operação Lava Jato passou ao partidarismo militante: protege quadros delatados, mantém imunidade de fato a acusados documentadamente, ao passo que persegue, aprisiona e mantém presos, sem qualquer prova documental, militantes do PT e empresários que se recusam a entrar no jogo destruidor e indigno – segundo muitos, uma retomada da tortura – das delações (5).
 
Embora Dilma Rousseff não tenha aparecido na Lava Jato e não tenha sobre si qualquer suspeita juridicamente relevante, o processo de impedimento que enfrenta depende dessa operação. Pois foi o caráter espetacular dessa operação que contaminou de suspeita e de desmoralização a vida política e partidária do país, nos últimos anos. A ideia, defendida pelo juiz Sergio Moro, de “deslegitimar a política”, fornece uma explicação incontornável para a consumação do golpe e para a entrega de sua decisão a uma votação parlamentar de caráter moralista e ilegal, despudoramente negligente com as exigências de respeito à figura do crime de responsabilidade. É a operação Lava Jato que resulta na violação do sufrágio e na eleição indireta, para a presidência, via um golpe de estado de aparência parlamentar. 
 
O bacharelismo jusnaturalista, superassalariado e identificado, como estamento, aos valores e interesses veiculados pela mídia familiar e oligárquica, despachou o golpe no Brasil. A atuação a um só tempo omissa e cúmplice, com raras exceções, do STF, joga água no moinho desta leitura. 
 
Negociações de aumentos para o judiciário são feitas com golpistas a céu aberto, a olho nu, como se juízes negociassem seus aumentos com assaltantes, e isso sem qualquer preocupação, elementar, com o fato de que o golpe em curso se baseia numa querela frente ao gasto com políticas de combate à fome e à miséria, no país. O STF calou e consentiu, de fato, que um juiz de primeira instância grampeasse a presidência da república e, qual um militante terrorista, reivindicasse o delito em cadeia nacional de televisão oligopólica, dando origem a um acirramento social sem precedentes, que encadeia os passos práticos e imediatos do golpe. O juiz, chamado a prestar explicações, emite singelas desculpas num despacho e não responde pelo delito cometido e reivindicado. 
 
Segue-se que é verdadeiro que membros da corte constitucional do país negociam salários com assaltantes do erário (Eduardo Cunha, então presidente da Câmara de Deputados, dirigente maior da votação do impedimento, que tem contra si provas documentais de lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito, além de denúncias já oferecidas pelo Ministério Público Federal e que, somente após a votação do domingo 17 e da negociação dos aumentos do judiciário, é afastado de suas funções nobres para responder a processo) e que juízes de primeira instância, no Brasil, podem cometer crimes contra a segurança nacional sem serem punidos por isso.

​“O STF calou e consentiu, de fato, que um juiz de primeira instância grampeasse a presidência da república 
e, qual um militante terrorista, reivindicasse o delito em cadeia nacional de televisão oligopólica”.

​Nesse contexto, é inadequado falar em golpe parlamentar. O papel das burocracias estamentais e jurídicas e da mídia oligárquica é mais decisivo e duradouro que o espetáculo parlamentar ofertado em cadeia de televisão. O fato de criacionistas estarem hoje no Ministério Público Federal e no Judiciário não é irrelevante nem acidental. Trata-se de uma degeneração caudatária da cultura bacharelesca, tão bem diagnosticada por Alberto Venâncio Filho, e que ganha, no século XXI, uma versão radicalizada do jusnaturalismo escravocrata que marcou a formação dos cursos de direito do país e resultou, entre outras aberrações, na suspeita disseminada da legalidade e da primazia civilizatória do caráter fundacional da constituição. O papel do parlamento, na consumação do golpe, é de despachante de segunda ordem. Os operadores do golpe, que substituíram as forças armadas em seu papel repressor histórico, sobretudo na América Latina, estão no judiciário, nos ministérios públicos e na mídia familiar, brasileiras. 
 
As elites rentistas e a classe média por eles arregimentada não teriam avançado esse golpe sem a adesão criacionista e sem a cultura jusnaturalista militante, no judiciário e nos parquets. Enquanto o PT, dado o seu caráter pragmático, negociou com estruturas parlamentares fisiológicas e politicamente irrelevantes, do criacionismo neopentecostal, o governo usurpador os convocou para o centro de decisão do golpe. Assim se tem procuradores da república pregando em cultos aos domingos, defendendo a limpeza moral do país, disseminando a fantasia de que o PT é uma organização criminosa, ao passo em que se tem criacionistas escolhidos para o ministério de ciência e tecnologia do governo usurpador. Que fique claro: o deslocamento do criacionismo para o centro do poder usurpador não é um acidente. O domínio aberto pela suspeita frente a legalidade anda de par com a ideologia de combate à democracia que denega a racionalidade no que é elementar. 
 
Após quatro derrotas eleitorais, a direita brasileira resolveu se alinhar a essas estruturas estamentais de crenças e a sua degeneração. Assim, juízes, bacharéis pouco letrados e superassalariados, crentes na guerra ideológica disseminada pelas famílias midiáticas e desconfiados, por formação, do caráter originário e fundacional da constitucionalidade e dos regimentos processuais, passaram à linha de frente, qual cabos de esquadra, da quebra constitucional. E, no seu rastro, o câncer criacionista avançou, disseminando a suspeita, a paranoia e a aniquilação de qualquer legitimidade democrática que tenha escopo no campo dos direitos e do reconhecimento de direitos. Diante da aliança entre jusnaturalistas, criacionistas e mídia familiar, o congresso brasileiro é secundário: apenas ecoam uma agenda de arbítrio e fechamento democrático que lhes foi ofertada, com ares procedimentais e jurídicos envernizantes do arbítrio. 
 
O que se avizinha é um processo de fechamento democrático sem precedentes, desde a última ditadura. Não se rompe a ordem constitucional e não se flerta e negocia com a delinquência impunemente. Isso vale para todos, mas vale sobretudo para quem insiste em suspeitar do caráter não derivativo da legalidade. Mais do que nunca, precisamos defender a Constituição de 1988, a grande conquista dogmática da redemocratização brasileira. Nenhum processo de fechamento democrático, na história, preocupou-se com processos constituintes e com o respeito à legalidade. A esquerda brasileira e o pensamento jurídico não bacharelesco não perderia se parasse de suspeitar da racionalidade e da dignidade do direito positivo, da dogmática jurídica, e passasse a respeitá-las. Esta é a grande tarefa, frente a regressão ao século XIX, que temos pela frente.

NOTAS
(2) Em Das Arcadas ao Bacharelismo.
(3) Devo dizer que a acepção de jusnaturalismo que utilizo é vaga e se inspira em H.L.A.Hart, no O Conceito de Direito, sobretudo no capítulo IX, em que trata das interseções entre direito e moral, que marcam a relação entre jusnaturalismo e direito positivo.
(4) Aqui se pode acompanhar a trajetória peculiar da concepção de processo penal, do dirigente da LavaJato: http://jota.uol.com.br/estrategia-institucional-juiz-sergio-moro-descrita-por-ele-mesmo
(5) Esta matéria do site Conjur dá uma pista da degeneração do processo penal, protagonizada pelos dirigentes da LavaJato: http://www.conjur.com.br/2016-abr-28/gravacao-mostra-membros-mpf-tentando-induzir-depoimento



​(*) Katarina Peixoto é doutora em filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul  (UFRGS). Esse artigo faz parte do livro “A resistência ao golpe de 2016” (Projeto Editorial Praxis), que será lançado dia 23 de maio, em São Paulo, e no dia 2 de junho, no Rio. Também deverá ocorrer um lançamento em Porto Alegre e em outras capitais. O livro reúne artigos de advogados, professores, políticos, jornalistas, cientistas políticos, artistas, escritores, arquitetos, líderes de movimentos sociais, brasileiros e estrangeiros.


http://www.diariodocentrodomundo.com.br/escolas-de-sao-paulo-estao-recebendo-biblias-e-panfletos-religiosos-por-mauro-donato/


DCM, 17/05/16



Escolas de São Paulo estão recebendo Bíblias e panfletos religiosos


Por Mauro Donato




Nossos jovens estudantes de escolas públicas estão entre a cruz e a espada. Após a desmobilização da ETEC de Artes na tarde de ontem, restam apenas mais três escolas (Abdias do Nascimento, Emydgio de Barros e Ermano Marchetti) ocupadas na capital de São Paulo.

Mas se os estudantes já tiveram que enfrentar uma polícia desprovida de amparo de judicial e algumas milícias fomentadas por diretores e armadas de paus e pedras que renderam inúmeras batalhas civis como na Basilides de Godoy (SP) e Mendes de Moraes (RJ), agora o cerco vem de setores divinos.
A Escola Estadual Pirassununga distribuiu durante reunião de pais na data de hoje, um folheto com “orientações” voltadas tanto aos pais quanto a professores. Na seção dirigida aos pais, uma das recomendações é que deve-se incutir a fé em Deus nas crianças. Faz parte das “ações que auxiliam o bom desempenho do estudante”.

a Escola Gilberto Freyre, em Taboão da Serra, entregou um exemplar do ‘Novo Testamento – Salmos Provérbios’ para cada aluno no último dia 12 de abril.
Em que século estamos? Se você deseja matricular seu filho numa escola particular dirigida por freiras, é direito seu. Mas se o Estado é laico, no ensino público o laicismo deveria ser a regra.

A entrega de material religioso pode ser vista por muitos como algo benéfico, orientativo. Não devemos cair nessa por dois motivos, ao menos.

Primeiro: não se pode isolar esses fatos no cenário atual das ocupações e deixar de conferir a esse gesto mais uma uma atitude repressora para cima dos estudantes. A religião sempre foi instrumento de apoio em diversos estados totalitaristas e vice-versa. Foi a caçada à heresia promovida pela igreja primitiva que deu origem ao DNA que estruturou, tempos depois, estados totalitários como a Italia fascista.

Não se trata de combate à religião. Muitos ainda confundem a laicidade com o ateísmo. Laico não é ser antirreligioso (algo de foro íntimo) e sim não permitir a interferência da religião, e suas crenças, na esfera pública. Eduardo Cunha já conduziu orações dentro das instalações da Câmara, lembra?
Segundo: a aceitação e abertura das escolas é claramente seletiva. Ou alguém acredita que as escolas permitiriam a entrega da Torá ou do Alcorão? A influência católica no ensino sempre esteve historicamente acima dos limites toleráveis. Não coincidentemente, o catolicismo é a religião praticada pelo governador de São Paulo. Geraldo Alckmin tem um perfil que dificilmente iria opor-se a essa iniciativa, se é que não tenha partido do próprio palácio uma orientação extra-oficial.

Não exagero. O golpe dado por Michel Temer e sua turma escancarou o país para um conservadorismo latente e carrasco. Com sua marcha para trás em termos de direitos humanos há tempos perseguidos como aborto e união civil de pessoas do mesmo sexo, o exército de Temer formado por Malafaias e Felicianos é terreno fértil para que uma assombrosa investida da igreja sobre escolas públicas seja possível. Alckmin, repito, não se negaria a surfar essa onda.

A repressão contra alunos e professores se alastra numa capilaridade impressionante. Uma professora (que pede anonimato) declarou que alguns diretores estão chamando alunos e exigindo os nomes de professores simpáticos às ocupações. Há ainda orientações para que alunos, pais e até professores contrários ‘ocupem’ as escolas para evitar novas ocupações. Não é de se estranhar, portanto, que a religiosidade e seus conceitos de pecado estejam no cardápio de tentativas de amordaçar os estudantes.

Sinto informar, senhores ‘educadores’, mas é tarde demais. Como já se sabe, jogaram Menthos na geração Coca-Cola. Ninguém segura mais.
 


Jornal GGN, 11/05/16



Impeachment é resultado de conluio Judiciário e Mídia


 
Por Patricia Faermann



​O afastamento da presidente Dilma Rousseff para os próximos seis meses, a partir da votação do julgamento do impeachment no Senado, nesta quarta-feira (11), foi construído há mais de dois anos pela politização do Judiciário, expressa com o juiz da Operação Lava Jato, Sergio Moro, e os grandes meios de comunicação como porta vozes para o que se anunciará de neoliberalismo do governo de Michel Temer. Essa é a análise do sociólogo, mestre em Filosofia e cientista político João Feres Júnior, em entrevista ao GGN.

 
A seguir, trechos da entrevista com João Feres Júnior:
 
GGN: Ainda há tempo de recorrer no Judiciário para reverter o cenário de impeachment? 
 
João Feres Jr: Eu sou muito cético em relação ao Judiciário. Parte dele, por exemplo, o juiz Sergio Moro e as instâncias inferiores têm agido de maneira completamente politizada. O juiz Moro fez da Operação Lava Jato um caso de militância partidária, militando contra o PT, fazendo os vazamentos seletivos de informação, fazendo com que coincidisse, inclusive, com os movimentos pró impeachment na rua. 
 
O Moro, sem dúvida, teve essa politização no Judiciário, ao mesmo tempo que ele não sofreu nenhuma sanção, inclusive violando os direitos dos investigados, ou seja, com escutas ilegais em advogados, por escutas ilegais da Presidência da República, uma série de ações ilegais e abusivas em relação aos direitos dos investigados, e ele não sofreu nenhuma sanção por parte do Tribunal Regional a qual ele está submetido, do Paraná, que não fez nada em relação a isso. O Supremo Tribunal Federal foi inteiramente omisso. A única coisa que teve foi um comentário do Teori Zavascki, que era ilegal as escutas, Moro pediu desculpas e ficou por isso mesmo.
 
Então, se as instâncias inferiores tem sido inteiramente politizadas, o Supremo Tribunal Federal tem sido politizadamente omisso. Porque permitiu que Sergio Moro fizesse todas essas violações e, além disso, manteve Eduardo Cunha que tinha uma acusação pesada de corrupção, que foi impetrada pelo procurador-geral da República em dezembro, o STF não julgou, deixou o Cunha levar a cabo o processo de impeachment na Câmara, por razões escandalosamente políticas.
 
E o Supremo tem seletivamente barrado o Lula de assumir o Ministério, outro ponto grave. De novo, o juiz regional declara que Lula não pode e o Supremo não julga. Então o Supremo Tribunal Federal tem agido em conluio, pela sua omissão, com essa campanha política pró impeachment. Duvido que vá fazer qualquer coisa agora. Agora, deixarão as coisas transcorrerem para que o Senado aprove [o impeachment].
 

GGN: Por se tratar de um processo político o impeachment, como são regulados a intervenção, harmonia e independência entre os três poderes?
 
JFJ: Um dia a gente tinha a esperança de que o Supremo fosse entrar na natureza substantiva da matéria e se pronunciar se as votações estavam, de fato, considerando a questão do processo de impeachment, ou seja, a questão do crime de responsabilidade ou se eles iriam simplesmente se abster, não iriam fazer nada a respeito do ponto de vista da natureza substantiva, e simplesmente cuidar do procedimento.
 
Não há dúvida alguma que o Supremo vai, de novo, se omitir e simplesmente cuidar do procedimento. Olhando o que eles [os ministros] fizeram até hoje, não há razão nenhuma para pensar diferente. Eles irão referendar o que os senadores votarem. E os senadores não estão nem aí se ocorreu ou não ocorreu crime de responsabilidade fiscal. Eles querem é retirar a Dilma. É uma aliança política para tirar o PT do governo
 
A questão da legalidade é relativa, porque não é só legalidade, é questão de Justiça também.
 

GGN: O impeachment, então, é resultado do que a imprensa construiu no último ano ou do que iniciou o juiz Sergio Moro há dois anos com a Operação Lava Jato?
 
JFJ: O impeachment é resultado da aliança entre o Judiciário e a Mídia. Nenhum dos dois teriam conseguido sozinhos. Foi fundamental para esse plano que a mídia servisse como canal de propaganda, de comunicação do Sergio Moro, para que pudesse ganhar legitimidade esse processo e fazer pressão, inclusive, sobre a parte política. A mídia funcionando como agente político direto, ou seja, acusando pessoas sem provas, vazando informações que eram sigilosas, a mídia conseguiu junto com o juiz Sergio Moro essa façanha.
 

GGN: Com o provável afastamento da presidente Dilma ainda nesta semana e a entrada de Michel Temer, a tendência da imprensa é reduzir essa pressão ou seguirá para a queda também de Temer?
 
JFJ: Tirando a Dilma do poder, a mídia não vai fazer pressão nenhuma sobre o Temer, ainda mais porque ele está anunciando um saco de bondades neoliberais, um conjunto de medidas pró-mercado, há interesses que a mídia defende, então acredito que, pelo contrário, vai dar um grande suporte ao Temer.
 

GGN: Qual será o cenário da crise política, econômica e da mídia em um ano pela frente? Como você acredita que o Brasil estará?
 
JFJ: Eu acho que vai estar muito mal. Primeiro, com muita instabilidade na sociedade civil, com movimentos sociais nas ruas, depois, com a instalação de políticas neoliberais que vão, de fato, cessar, diminuir o atendimento da parte popular, a crise econômica não vai ser sanada, de maneira alguma, e a política também não. 
 
Agora, o meu medo maior é que eles continuem com o golpe, que as pessoas não estão falando, mas eles estão falando. Essa tentativa de transformar o sistema político em parlamentar. Eu acho que o objetivo dessa gente não é só tirar a Dilma, mas mudar o sistema capital x popular.​

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