Folha.com, 17/05/16
O amor ficou de fora
Michel Temer tem um estilo "déjà vu" - no discurso de posse, mandou uma mesóclise que doeu -, mas daí a voltar aos tempos da República Velha? É o que sugere, ao adotar o "Ordem e Progresso" como slogan de governo. A marca visual, com abóbada celeste, é jogada de marqueteiro para aproveitar a onda de manifestações contra Dilma Rousseff, nas quais a presença do auriverde pendão era obrigatória.
O dístico - como até alguns deputados devem saber - inspira-se no lema positivista "O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim", criado pelo francês Augusto Comte, que no século 19 misturou filosofia, religião e ciência natural numa tentativa de resolver as questões sociais.
Para a bandeira, pegamos a ordem (que, se exagerada, pode descambar em repressão) e o progresso (aquela luzinha no inacessível fim do túnel). O amor ficou de fora.
Mas não de 'Positivismo', de Noel Rosa e Orestes Barbosa. Numa tarde de
1933, Noel chegou ao Café Nice, parada obrigatória dos compositores da
época, e recebeu de Orestes a letra para musicar. O samba parece falar
diretamente ora com a presidente afastada, ora com o presidente
interino.
"Vai, orgulhosa, querida
Mas aceita esta lição
No câmbio incerto da
vida
A libra sempre é o coração
O amor vem por princípio, a ordem por
base
O progresso é que deve vir por fim
Desprezastes esta lei de
Augusto Comte
E fostes ser feliz longe de mim."
"A intriga nasce num café pequeno
Que se toma para ver quem vai pagar."
No fim, Noel e Orestes falam de nós, brasileiros que não moramos em palácios de Brasília:
"Para não sentir mais o teu veneno
Foi que eu resolvi me envenenar".
Foi que eu resolvi me envenenar".
Com o ódio que grassa por aí.
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