terça-feira, 17 de maio de 2016

O amor ficou de fora


http://www1.folha.uol.com.br/colunas/alvaro-costa-e-silva/2016/05/1771918-o-amor-ficou-de-fora.shtml




Folha.com, 17/05/16


O amor ficou de fora


Por Álvaro Costa e Silva



Michel Temer tem um estilo "déjà vu" - no discurso de posse, mandou uma mesóclise que doeu -, mas daí a voltar aos tempos da República Velha? É o que sugere, ao adotar o "Ordem e Progresso" como slogan de governo. A marca visual, com abóbada celeste, é jogada de marqueteiro para aproveitar a onda de manifestações contra Dilma Rousseff, nas quais a presença do auriverde pendão era obrigatória.

O dístico - como até alguns deputados devem saber - inspira-se no lema positivista "O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim", criado pelo francês Augusto Comte, que no século 19 misturou filosofia, religião e ciência natural numa tentativa de resolver as questões sociais.
Para a bandeira, pegamos a ordem (que, se exagerada, pode descambar em repressão) e o progresso (aquela luzinha no inacessível fim do túnel). O amor ficou de fora.

Mas não de 'Positivismo', de Noel Rosa e Orestes Barbosa. Numa tarde de 1933, Noel chegou ao Café Nice, parada obrigatória dos compositores da época, e recebeu de Orestes a letra para musicar. O samba parece falar diretamente ora com a presidente afastada, ora com o presidente interino. 

"Vai, orgulhosa, querida
Mas aceita esta lição
No câmbio incerto da vida
A libra sempre é o coração
O amor vem por princípio, a ordem por base
O progresso é que deve vir por fim
Desprezastes esta lei de Augusto Comte
E fostes ser feliz longe de mim."

Não serve como luva para Dilma?

"A intriga nasce num café pequeno
Que se toma para ver quem vai pagar."

E estes versos, quem não reconhece neles o dedo conspirador de Temer?
No fim, Noel e Orestes falam de nós, brasileiros que não moramos em palácios de Brasília:

"Para não sentir mais o teu veneno
Foi que eu resolvi me envenenar".

Com o ódio que grassa por aí.

Nenhum comentário:

Postar um comentário