terça-feira, 17 de setembro de 2013

Para não se converter num idiota

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Justiça ou marketing? 

 
Paulo Moreira Leite
 
Mesmo sem argumentos  consistentes, procura-se  evitar a aplicação do regimento interno do STF, que reconhece os embargos infringentes, na ação penal 470. A explicação é conhecida: qualquer medida que possa beneficiar os condenados, mesmo que esteja certíssima, pode dar a impressão de que vivemos num país onde “ricos e poderosos” têm meios eficientes para escapar da Justiça.
Vamos combinar duas coisas:
a) no Brasil, nos Estados Unidos, no Paquistão, na China Comunista e na Islândia, os   “ricos e poderosos “ sempre terão meios de garantir seus direitos, evitar decisões injustas e também escapar de punições adequadas; onde houver capitalismo, “ricos e poderosos” sempre poderão mais do que os  “pobres e oprimidos” na saúde, na educação, nos restaurantes, no shopping center e na Justiça,  certo?
b) isso não tem relação alguma com o julgamento do mensalão, que envolveu um método de investigação dirigido para arrancar penas duríssimas e concluiu com sentenças fortes, e mesmo artificialmente elevadas, como foi demonstrado com números por Ricardo Lewandovski; um balanço honesto do julgamento mostrará um evento desequilibrado entre uma acusação poderosa e uma defesa acuada, com apoio de uma cobertura tendenciosa da maioria dos meios de comunicação.
O debate, na verdade, procura confundir, deliberadamente, justiça e marketing  — em prejuízo da Justiça. É inaceitável e demagógico.
Quem subordina a Justiça ao marketing quer autorizar uma ação arbitrária. A mensagem é esta: não importa cumprir o que dizem as leis nem o que sustenta o Direito. O que importa é usar as leis e o Direito para fazer propaganda.
Com um descaramento espantoso, mas que sinaliza para o ambiente que se vive em determinadas esferas do mundo social brasileiro, procura-se defender uma ideia absurda: a de que será possível construir uma Justiça melhor a partir de decisões que podem ser injustas e erradas – mas que a população será levada a entender como certas e justas.
Nós garantimos a mentira – nos dizem, sem ruborizar.
É vergonhoso. É certo que a clamorosa desigualdade entre ricos e pobres exige providências urgentes — na vida real. Cabe estimular e ampliar as defensorias públicas, indispensáveis no curto prazo. Também é preciso investir no judiciário, com a ampliação de vagas para juízes. Outras medidas de cunho geral, como melhora na educação e na distribuição de renda, são indispensáveis. O debate desta semana, vamos combinar, é outro.
Estamos falando do STF e da ação penal 470.
Um tribunal trabalha com a realidade das pessoas, a começar por sua liberdade e sua dignidade. É por isso suas decisões devem ser pesadas e medidas.
O marketing trabalha com campanhas e interesses e, no limite, sua ética peculiar aceita que veicule mentiras sob determinadas condições, o que seria inaceitável numa decisão judicial.
O marketing permite que se argumente uma coisa num dia e se faça outra, mais tarde. Presta-se, perfeitamente, a ações combinadas e orquestradas. 
O mesmo Marco Aurélio Mello que falou dos olhos da nação durante o debate sobre os embargos deu habeas corpus para o banqueiro Cacciola, denunciado por manipular o cambio no governo FHC, lembram advogados dos réus.
Os militantes que levam uma luta sem trégua pela condenação dos responsáveis pelo assassinato de irmã Dorothy, no interior do Pará, recordam que o mandante, conhecido como Taradão, também foi liberado da cadeia em decisão do mesmo Marco Aurélio.
Se o problema era o clamor das ruas, não se compreende os dois habeas-corpus consecutivos, em 48 horas, que abriram a porta da cadeia para o banqueiro Daniel Dantas, desta vez com assinatura de Gilmar Mendes.
Vamos voltar, por exemplo, ao debate sobre embargos infringentes. Submetido a uma ideia falsa, de que a legislação era omissa quanto aos embargos infringentes, o país passou os últimos dias discutindo se os anjos têm sexo, isto é, se os embargos poderiam ou não ser aplicados na ação penal 470.
Mas, depois que o repórter Paulo Celso Pereira, do Globo, revelou que em 1998 a Câmara de Deputados rejeitou uma mensagem do presidente Fernando Henrique Cardoso, que pretendia declarar a extinção dos embargos, não há muito o que discutir – do ponto de vista legal. O Congresso, que tem a primazia de definir as leis em vigor no país, diz que os embargos estão em vigor e foram mantidos de forma explícita pelos parlamentares. Num país onde a Constituição diz que o poder emana do povo, que o exerce através de seus representantes eleitos, o caso deveria estar resolvido e bem encaminhado.
Mas procura-se questionar a decisão – do ponto de vista do marketing. Vale mentir, para dizer que os embargos podem levar a um “novo julgamento” e que logo teremos um “embargo do embargo do embargo”.
São inverdades e fantasias, veiculadas num esforço que pretende emparedar o Supremo e transformar seus integrantes em garotos-propaganda de interesses alheios à Justiça.
São atos baixos e condenáveis. Nenhum país progrediu através de golpes na sua legislação e na sua democracia.
 
 

 
 
 

Embargos vão gerar impunidade?

 
 
Luiz Flávio Gomes
 
 
Como cidadão ético também estou reprovando todas as formas de corrupção parasitária no Brasil, seja do PT (mensalão, ministérios podres, ONGs parasitas etc.), seja do PSDB (mensalão, compra de parlamentares para a reeleição, fraude na concorrência do metrô de SP etc.) ou de qualquer outro partido político. De qualquer modo, o Ministro Celso de Mello, em 16/9, disse que vai admitir os embargos infringentes, mas que isso não significa necessariamente redução de pena ou de regime ou mesmo impunidade (Folha, 16/9/13). A Veja, contrariando o ministro, está dizendo que tudo vai virar impunidade. Será?
A Veja assustou muita gente neste final de semana a história da total impunidade. Vamos raciocinar: a quantos anos de prisão os doze réus do mensalão foram condenados? 178 anos de cadeia. Caso sejam admitidos os embargos (como o ministro Celso de Mello está dizendo), quantos anos de pena estarão em jogo? 31 anos. O que significa 31 de 178? 17,5%. Então, 82,5% das condenações já estão garantidas e vão significar cumprimento efetivo? Sim. Isso é muito ou pouco? 
No campo da justiça, depende de valorações de proporcionalidade. No campo minado e contaminado dos julgamentos ideológicos e partidários existem duas correntes: petistas dizem que é muito; os adversários dizem que é muito pouco! Para iluminar o debate: se o “novo jogo processual” acontecer, vai ser discutido menos de 1/5 do total? Sim. Então, mais de 4/5 do total já vão para execução sem nenhuma dúvida? Sim. E quanto significa isso? 147 anos de prisão. 
Por que estou eu fazendo todas essas contas? Para mostrar que não é verdade que o caso mensalão vá ser “melado” e que “tudo” vai para a impunidade, como a mídia ideologicamente podre está dizendo e assustando todo mundo, sobretudo os que ignoram o funcionamento da Justiça e o que já aconteceu até aqui no mensalão. José Dirceu pode até escapar do regime fechado, mas não vai deixar de cumprir quase oito anos de cadeia (no mínimo). 
Esse total de 147 anos já é certo? Sim. Logo, é exagero falar em “total” impunidade dos poderosos no caso mensalão (a afirmação é relativamente correta em termos gerais, de Brasil). Nossa escandalosa impunidade não é, no entanto, somente dos poderosos. Também das classes baixas e médias: menos de 2% dos crimes no Brasil são punidos. O Estado brasileiro funciona mal também nesse campo e deixa 98% dos crimes impunes? Sim. É difícil saber se proporcionalmente a impunidade é maior nas classes altas ou nas classes baixas. Não temos estatísticas a respeito. Em ambas existem muitos parasitários que vivem às custas do trabalho alheio, valendo-se para isso de violência, fraude, corrupção e outras tantas formas de parasitismo.

Até onde pudermos, temos que procurar nos vacinar contra as idiotices difundidas pelas mídias (tradicional e social). Todo cidadão brasileiro deveria se preocupar com a qualidade das notícias e das informações, para não se converter num idiota: essa palavra grega veio de Idiotes, que “é o sujeito que nada enxerga além dele mesmo, que julga tudo pela sua própria pequenez” (O. de Carvalho).

Ninguém pode ignorar que o mundo político e midiático (mídia tradicional ou social) se apresenta hoje, em geral (há exceções honrosas), como algo repugnante. Trata-se de um mundo ideologicamente envenenado, por ideologias e pré-conceitos. A Veja, independentemente do seu posicionamento ideológico e das suas reiteradas mentiras, no entanto, está muito certa em reprovar as malandragens do PT para garantir sua governabilidade. O próprio PT, já que muitas condenações não mais serão modificadas, deveria fazer autocrítica e dizer que não pode concordar com o errado, com o malfeito. Mas ela não tem o direito de manipular de forma tão descarada a opinião pública. 

O tempo todo, neste final de semana, ela ficou falando em impunidade (“tecnicidade ou impunidade”, “tudo vai virar impunidade”, “a certeza da impunidade para os ricos e poderosos” etc.). Esse tipo de mídia abjeta quando não mente deslavadamente, exagera. Uma vez ou outra produz algo decente. E o que ela faz de decente (informações na área da educação, por exemplo), eu admiro. O leitor apático, que não está bem antenado, acaba acreditando nas suas idiotices e reproduzindo-as (como vários artigos de jornal reproduziram). Pura idiotice! Vamos continuar nos vacinando contra essas idiotices, porque todos temos o direito de não sermos ludibriados pela podridão midiática.

 
Luiz Flávio Gomes é jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil 
(www. institutoavantebrasil.com.br).
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Blog do Lino, 17/09/2013
 
 

Estadão e O Globo: Celso de Mello mudará a vida dos nossos netos


 
 

Calmante para aguentar escrever, ameaça de virarmos “uma Venezuela”; a história do Brasil vai mudar; fim da democracia; futuro das próximas gerações em jogo... As páginas de opinião dos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo desta terça-feira são bom material para estudos acadêmicos ou, ao menos, para um rico debate em faculdades de comunicação. Arnaldo Jabor está nos dois, falando do calmante e outras coisas mais. Além dele, O Globo traz outros 3 textos defendendo que Celso de Mello vote contra os réus do chamado “mensalão”, e o Estadão publica um editorial assinado por Fernão Lara Mesquita, na mesma linha. Breves extratos:
 
“Amanhã, o Brasil muda”, por Arnaldo Jabor no Estadão e O Globo
“Comecei a escrever este artigo e parei. Minhas mãos tremiam de medo diante da gravidade do assunto. Parei. Tomei um calmante e recomecei. (...)
Amanhã, Celso de Mello estará nos julgando a todos; julgará o país e o próprio Supremo. (...)
Já imaginaram a euforia dos criminosos condenados e as portas todas abertas para os que roubam e roubarão em todos os tempos? Vai ser uma festa da uva. (...)
Há sim um forte desejo de ferrar o Joaquim Barbosa, por inveja da fama que conquistou. (...)
E afirmo (com arrogância de profeta) que amanhã o Celso de Mello, com sua impecável “consciência individual”, vai votar “sim” pelos embargos. Será a vitória para os bolcheviques e corruptos lobistas. O.k., Dirceu, você venceu.”
 
“Em jogo a credibilidade da Justiça”, editorial de O Globo
“Julgar preocupado com as multidões não é função do Judiciário. A América Latina reúne histórias de crises institucionais derivadas do populismo jurisdicional, seguido para agradar as massas. Mas não é este o caso do mensalão”.
 
“O STF não pode perder o juízo”, por Rodrigo Constantino, presidente do Instituto Liberal, em O Globo
“Os ministros estão cansados do caso do mensalão? Imaginem o povo brasileiro! Ao menos aqueles que leem jornais, acompanham o noticiário e sabem que o caso foi uma nefasta tentativa de golpe na democracia. (...)
O STF, agora, está a um dia e um voto de fazer história. Ou teremos o escárnio, a desesperança e a revolta popular, ou podemos dar um importante passo rumo à construção de uma democracia mais sólida, uma República mais robusta. É um peso grande que jogaram nos ombros do ministro Celso de Mello, o decano da instituição. (...)
A Corte Suprema ainda goza de credibilidade perante o povo, apesar de uns dois ou três petistas disfarçados de ministros.  (...)
O STF não pode perder o juízo. Vamos dar um passo na direção da Venezuela, ou na direção contrária? Amanhã terá festa de Dirceu, ou comemoração dos brasileiros honrados?”

 
“A quem interessa?”, Merval Pereira em O Globo
“Se os veredictos forem alterados com os votos dos novos ministros, (...) será inevitável a percepção de que manobras na formação do plenário foram realizadas para beneficiar os condenados.”
 
“A última chance”, por Fernão Lara Mesquita, do conselho administrativo do Estadão
“A questão que se discute, (...) não diz respeito apenas ao destino dos réus do mensalão. É a reedição tardia de uma disputa multissecular entre alternativas antagônicas e excludentes entre si, uma das quais mantém desimpedido o caminho que conduz à democracia plena e a outra que torna impossível continuar a percorrê-lo.
A decisão de amanhã, que fará jurisprudência, balizará a vida das próximas gerações de brasileiros.”
“Podemos ver revigorada a esperança de ingressar na modernidade e sonhar com a democracia e a consagração do mérito, ou continuar condenados a percorrer o círculo do absurdo no qual os dados da realidade, o senso comum e a razão não são admitidos como instrumentos bastantes para dirimir controvérsias, o que torna dispensável a educação e consagra o amiguismo e a esperteza, que conduzem necessariamente ao conchavo e à corrupção, como as únicas condições necessárias para o sucesso.”
 
Estando correto o alerta de Fernão Mesquita, Jabor, Merval & cia, meu filho, hoje com 2 anos, em 2047 irá se virar para meu neto e lamentar: “Puxa, moramos em uma Venezuela, não temos democracia ou esperança e, veja só, tudo isso porque o Celso de Mello votou a favor dos embargos infringentes no julgamento do mensalão lá em 2013...”.

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