Ou será que mentiram de novo, tal qual sobre as armas de destruição de massa no Iraque?
São Paulo, segunda-feira, 21 de março de 2011
Aliados sofrem críticas por danos a civis
DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
A coalizão liderada por EUA, França e Reino Unido intensificou ontem os ataques, iniciados no sábado, às forças do ditador líbio Muammar Gaddafi.
Autoridades americanas disseram ter conseguido impor uma zona de exclusão aérea no país e frear a ofensiva do regime líbio contra civis.
Nos ataques, um prédio de quatro andares situado num complexo residencial do governo em Trípoli foi destruído. Segundo a coalizão, o ataque danificou o "centro de controle militar" líbio.
Não há informação sobre se Gaddafi estava perto do local no momento do ataque.
Mas a operação gerou divergências entre os aliados.
A Liga Árabe, que apoiou o início da ação na Líbia, criticou ontem as mortes de civis -negadas pelos americanos.
"Nas primeiras 24 horas, as operações estabeleceram a zona de exclusão aérea", disse Mike Mullen, chefe do Estado Maior das Forças Armadas conjuntas dos EUA.
Embora tenha dito que a operação conseguiu diminuir "significativamente" a capacidade aérea do regime líbio, o governo americano disse que os aliados não estão "perseguindo Gaddafi".
Mais cedo Mullen já havia deixado claro que o objetivo da intervenção militar não é depor o ditador, mas impedir o massacre da população.
Mullen negou que civis tenham sido mortos durante os ataques dos aliados. O governo líbio, porém, reportou ontem a morte de 64 civis.
O chefe da Liga Árabe, Amr Moussa, também indicou a ocorrência de mortes e criticou a ação dos aliados, menos de um dia após participar do encontro em Paris que aprovou o seu início:
"O que está ocorrendo difere de impor a zona de exclusão aérea, e o que queremos é a proteção de civis e não o bombardeio a eles".
Moussa ressaltou que a posição da Liga Árabe não mudou, mas disse querer relatório sobre as consequências do ataque que, segundo ele, "provocaram mortes civis".
Apesar das declarações de Moussa, segundo relatos de agências de notícias, forças militares do Qatar, assim como da Bélgica, se juntaram ontem às de EUA, Reino Unido, França, Itália e Canadá.
China e Rússia também criticaram a intervenção militar na Líbia. Os dois países se abstiveram na votação no Conselho de Segurança da ONU que aprovou a ofensiva, na última quinta-feira.
Ontem à noite, os bombardeios aliados prosseguiam, enquanto as forças de Gaddafi contra-atacavam. Trípoli parecia ser o principal alvo da operação militar ontem.
Testemunhas diziam ouvir artilharia e explosões e uma nuvem de fumaça se formou no céu da capital. Um cessar-fogo anunciado foi recebido com ceticismo pelos EUA.
Gaddafi promete "vencer guerra longa"
DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
Ao enfrentar o segundo dia de bombardeios por parte das forças internacionais, o ditador da Líbia, Muammar Gaddafi, prometeu ontem que "vencerá uma guerra longa" e disse que seus apoiadores estão prontos para "morrer como mártires".
Gaddafi chamou de "terroristas" os países ocidentais que lideram a intervenção e disse que a ofensiva autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU é "nova cruzada para acabar com o islã".
"O islã não vai desaparecer, ele vai ficar mais forte depois de hoje. Todos os líbios estamos preparados para ser martirizados, mas nós seremos vitoriosos e vocês [aliados] morrerão", disse por telefone à rede de TV estatal.
A TV não exibiu imagens de Gaddafi e nem informou onde ele estava. Desde o início da intervenção, o ditador líbio não é visto em público.
Gaddafi insinuou que a ação tem objetivos econômicos em vez de humanitários.
"O petróleo não será levado para os EUA, França e Reino Unido", disse Gaddafi, citando os três países que lideram a ofensiva internacional.
Segundo ele, "o povo da Terra" é contra a ação, e os líderes ocidentais são "injustos, agressores, monstros e criminosos que fracassarão".
O ditador também alertou os desertores que vai aniquilar todos que "traírem" o regime ou "colaborarem" com as forças internacionais.
Anteontem, Gaddafi já havia dito que a ação internacional em seu país era "colonial" e prometeu "abrir os arsenais à população civil".
Líbia: hipocrisia, dupla moral, dois pesos e duas medidas
Max Altman (*)
O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou a resolução que autoriza a imposição de uma zona de exclusão aérea em território líbio, salvo os vôos de natureza humanitária e inclui “todas as medidas que sejam necessárias ”para a proteção da população civil, excluindo, porém, a ocupação militar de qualquer porção da Líbia. Além disso, endurece o embargo de armas à Líbia e reforça as sanções impostas no mês passado a Kadafi e seu círculo mais próximo de colaboradores.
Paris e Londres encabeçaram a arremetida contra a Líbia numa corrida contra o relógio a fim de que a ONU se pronunciasse antes que o último reduto rebelde, Bengazi, fosse recuperado pelas forças leais a Kadafi. O documento recebeu a aprovação de 10 países – Grã Bretanha, França, Estados Unidos, Líbano, Colômbia, Nigéria, Portugal, Bósnia e Herzegovina, África do Sul e Gabão -, nenhum voto contra e cinco abstenções – Brasil, Rússia, China, Índia e Alemanha. A Rússia exigiu a inclusão de um cessar-fogo imediato, medida atendida por Trípoli, e a China insistiu numa solução pacífica da crise, ao reiterar suas sérias reservas quanto à zona de exclusão aérea, ao mesmo tempo em que rechaçava o uso da força nas relações internacionais. Estranhamente, Moscou e Pequim, que detêm poder de veto, não o utilizaram para barrar aspectos da resolução com os quais não concordavam.
Diferentemente da Tunísia e do Egito, quando massas de centenas de milhares, desarmadas, saíram às ruas erguendo as bandeiras de pão, emprego, justiça social, progresso, liberdade e democracia, derrubando por força de seus protestos e pressão os ditadores apoiados pelas potências ocidentais, Ben Ali e Mubarak, na Líbia facções armadas com armamento blindado, artilharia antiaérea, armas individuais modernas e até alguma força aérea ocuparam o leste do país e algumas cidades do oeste determinadas a tomar Trípoli e acabar com o ditador Muamar Kadafi.
Estabeleceu-se com isto uma franca guerra civil. Quando, no curso dos combates, as tropas fieis a Kadafi avançaram sobre os bastiões rebeldes, o chamado Conselho Nacional Líbio de Transição passou a reclamar com insistência o apoio do Ocidente em armas e logística e a exclusão aérea. Ou bem os oposicionistas contavam desde o início com o respaldo dos países hegemônicos e estes estavam roendo a corda ou calcularam mal a capacidade de resistência de Kadafi e o apoio de grande parte da população líbia com que conta. A verdade é que a insurgência armada no leste da Libia é apoiada diretamente por potências estrangeiras. A insurreição em Bengasi ergueu imediatamente a bandeira vermelha, negra e verde com a meia lua e a estrela, a bandeira da monarquía do rei Idris, que simbolizava o domínio dos antigos poderes coloniais.
A imensa campanha de distorções, omissões e mentiras desencadeada pelos meios maciços de comunicação abriu espaço para uma enorme confusão no seio da opinião pública mundial. Levará tempo antes que se possa estabelecer a verdade do que ocorreu na Líbia e distinguir os fatos reais das falsidades publicadas. Alguns fatos concretos, porém, merecem atenção.
A Líbia ocupa o primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento Humano da África e tem a mais alta esperança de vida do continente. A educação e a saúde recebem especial atenção do Estado. O PIB per capita é de 13,8 mil dólares, o crescimento em 2010 foi de 10,6%, a inflação de 4,5%, a pobreza de 7,4% e a colocação no IDH é 53º (Brasil é 73º) todos esses índices melhores que o do nosso país. Seus problemas são de outra natureza. De alimentos e serviços sociais básicos o país não carecia. Nação de pequena população – 6,5 milhões de habitantes - necessitava de força de trabalho estrangeira em boa proporção para levar a termo ambiciosos planos de produção e desenvolvimento social. Milhares de trabalhadores chineses, egípcios tunisianos, sudaneses e de outras nacionalidades labutam em solo líbio. Dispunha de vultosos ingressos, provenientes da venda de petróleo de alta qualidade, e de grandes reservas em divisas depositadas em bancos das potências européias e Estados Unidos, e com isso podiam adquirir bens de consumo e até armamento sofisticado, fornecido exatamente pelos mesmos países que hoje planejam invadi-lo em nome dos direitos humanos.
O tirano, que durante quase três décadas foi considerado o “cachorro louco”, o “inimigo número um” do Ocidente para logo converter-se no vistoso aliado de seus inimigos de agora, voltou ao seu estatuto original. Ao se aproximar das potências ocidentais, Kadafi cumpriu rigorosamente suas promessas de desarmamento e ambições nucleares. Com isso, a partir de outubro de 2002, iniciou-se uma maratona de visitas a Trípoli: Berlusconi, em outubro de 2002; Aznar, em setembro de 2003; Berlusconi de novo em fevereiro, agosto e outubro de 2004; Blair, em março de 2004; Schröeder, em outubro de 2004; Chirac, em novembro de 2004.
Todos exultantes, garantindo o recebimento de petróleo e a exportação de bens e serviços. Kadafi, de seu lado, percorreu triunfante a Europa. Recebido em Bruxelas em abril de 2004 por Prodi, presidente da União Europeia; em agosto de 2004 convidou Bush a visitar seu país; Exxon Mobil, Chevron Texaco e Conoco Philips realizavam os últimos acertos para exploração do óleo por meio de ‘joint ventures’. Em maio de 2006, os Estados Unidos anunciaram a retirada da Líbia dos países terroristas e o estabelecimento de relações diplomáticas. Em 2006 e 2007, a França e os Estados Unidos subscreveram acordos de cooperação nuclear para fins pacíficos; em maio de 2007, Blair voltou a visitar Kadafi. A British Petroleum assinou um contrato "extremamente importante" para a exploração de jazidas de gás. Em dezembro de 2007, Kadafi empreendeu duas visitas a França e firmou contratos de equipamentos militares de 10 bilhões de euros. Contratos milionários foram subscritos com importantes países membros da OTAN.
Dentre as companhias petrolíferas estrangeiras que operavam antes da insurreição na Líbia incluem-se a Total da França, a ENI da Itália, a China National Petroleum Corp (CNPC), British Petroleum, o consórcio espanhol REPSOL, ExxonMobil, Chevron, Occidental Petroleum, Hess, Conoco Phillips.
O que se passa para que o “cachorro louco”, que se transformara em grande amigo, volte a ser o “cachorro louco”. De um lado, a evidência de que as potências hegemônicas tudo farão para não perder o controle dessa vital fonte de energia. De outro, fatores geo-estratégicos. Diante da revolta por mudanças democráticas dos países árabes do Norte da África e do Oriente Médio, é fundamental, no caso da Líbia, ter um governo absolutamente confiável, pressionando o vizinho oriental Egito para manter o tratado com Israel e não partir para políticas que desarrumem todo o contexto regional.
Antes de partir para o Brasil, o presidente Obama declarou que o“cessar-fogo tem que ser implementado imediatamente e isto significa que todos os ataques contra civis têm que parar. (...) Esses termos não são negociáveis. (...) Se Kadafi não cooperar haverá consequências". Entrementes, as agências de notícias informam que no Bahrein, ocupado por tropas da Arábia Saudita, com prévio conhecimento e anuência de Washington, e debaixo de lei marcial, milhares de pessoas desarmadas são reprimidas violentamente por forças militares que destruíram o monumento da praça Pérola, ponto de encontro de manifestantes. Sabe-se que a V Frota norte-americana está estacionada neste país, distante 25 quilômetros da Arábia Saudita, e funciona como posto de vigilância dos vastos poços de petróleo do Golfo Pérsico. Gravíssima é a situação no Iêmen, aliado incondicional da Arábia Saudita e dos Estados Unidos. Dezenas de civis,desarmados, foram assassinados nas últimas horas. Nem a França nem a Grã Bretanha, tampouco Washington ou a Liga Árabe propuseram “todas as medidas necessárias” para proteger a população civil. Obama, Sarkozy e Cameron não falaram grosso com o Bahrein e Iêmen. A ONU não autorizou uma zona de exclusão aérea contra o Iêmen e Bahrein, nem acha que os direitos humanos de bareinitas e iemenitas mereçam ser respeitados. Nesse caso, só falatório, hipocrisia e dupla moral.
Toda e qualquer intervenção na Líbia terá repercussões graves. Cabe ao povo líbio, e apenas a ele, resolver o problema líbio. A comunidade internacional deve manifestar solidariedade e agir unida para conter a guerra civil e facilitar uma via de transição pacífica para o conflito líbio. Os governos ocidentais, no afã de manter o seu domínio, usam diferentes padrões de avaliação, caso a caso, conforme o país e ao não reconhecer os levantes populares são atropelados pelo curso da História. Os regimes árabes despóticos, fundamentalistas e absolutistas têm de saber que não podem resistir às mudanças. É simples questão de tempo, e todos os que resistirem serão varridos do mapa político.
Setores de esquerda vêm dando interpretações disparatadas sobre os acontecimentos. A mais esdrúxula reside em que desqualificar a revolta das massas populares líbias porque o regime é inimigo aparente de nosso inimigo não é um critério muito saudável. Analistas de esquerda não podem fechar os olhos à realidade do mundo de hoje, desconhecer as forças em confronto e seus objetivos estratégicos, deixar-se levar pelas informações da mídia que tem um claro viés em favor dos interesses neo-coloniais e imperialistas.
Uma intervenção militar aberta implica que os Estados Unidos, Inglaterra, França e demais países optaram por um dos lados da guerra civil líbia, como aumentará brutalmente os riscos sobre a população civil que, cinicamente, anunciam que pretendem proteger.
(*) Jornalista e Advogado
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