Correio da Cidadania, 10 de setmbro de 2012
Ser nacionalista: estudo de casos
Por Paulo Metri
Caso 1 – Um representante do BNDES proferiu uma das palestras em Seminário sobre Etanol no Rio de Janeiro. Dentre outros pontos, disse que a grande expansão recente da produção de etanol foi graças a expansões de capacidade de subsidiárias de empresas estrangeiras, que passaram a atuar no setor, e o BNDES financiou estas expansões. Neste ponto, já ouvi, em outras oportunidades, autoridades governamentais dizerem que “hoje, é inconstitucional negar um pedido de financiamento só por ter sido solicitado por uma subsidiária estrangeira”.
Estas autoridades, com a devida vênia, não podem estar corretas. Pode ser que exista, no conjunto de leis abaixo da Constituição, alguma que obrigue este financiamento, mas, na nossa Carta Magna, não existe tal obrigação. Neste momento, trazem sempre a seguinte linha de argumentação. O artigo 171 original da Constituição, além de distinguir as empresas instaladas no país segundo a origem de seu capital, privilegiava a empresa brasileira de capital nacional nas compras de bens e serviços pelo poder público. A emenda constitucional no 6, de 1995, revogou o artigo 171. Então, para alguns intérpretes da mudança, a emenda acarretou a “proibição de privilegiar a empresa genuinamente nacional”.
Notar que a emenda eliminou a diferenciação de empresas existentes no país, segundo a origem do capital, e a obrigatoriedade de privilegiar a empresa nacional genuína, em nível constitucional. Mas os legisladores não colocaram um artigo substitutivo no local, proibindo o ato de privilegiar. Então, o que existe hoje em nossa Constituição é um vácuo total com relação a este tópico, permitindo que a legislação infraconstitucional defina livremente o que é permitido e proibido. Erradamente, concluem que, se a obrigação de privilegiar foi cancelada, é proibido privilegiar, o que é ingênuo demais. Mas é a única explicação que imagino para o que ocorre.
Assim, teria sido melhor se o BNDES tivesse negado os pedidos de financiamento da expansão de empresas estrangeiras de etanol. Talvez as tolhesse de entrar no setor e, assim, permitisse o crescimento e a consolidação de grupos nacionais que lá estavam. Nesta situação, o BNDES seria nacionalista.
Caso 2 – Os leilões de petróleo são causadores de enorme prejuízo para a sociedade brasileira e, portanto, são exemplos claros de falta de nacionalismo. Os leilões e as concessões resultantes são consequências da lei 9478, de 1997, aprovada em pleno governo neoliberal de FHC. As petroleiras estrangeiras são hoje detentoras, sozinhas ou em parceria, de blocos do território nacional, nos quais vão continuar fazendo perfurações e vão acabar descobrindo muito petróleo. Este será integralmente exportado e, como a referida lei é péssima, a sociedade brasileira receberá somente parcela ínfima da riqueza através de taxação. Some-se a este fato o prejuízo de que economias estrangeiras, nossas competidoras, serão ativadas com o energético mais eficiente em diversas aplicações. Assim, o uso geopolítico pelo Brasil do seu petróleo é jogado no lixo.
A recente descoberta da Repsol Sinopec Brasil serve, triste e didaticamente, para o povo brasileiro acordar para o prejuízo a que foi submetido pelo governo FHC. Esta descoberta custará ao país 1,2 bilhão de barris do seu petróleo. O bloco marítimo, onde esta gigantesca reserva se encontra, foi arrematado em um dos leilões da sétima rodada da ANP, em 2005, no qual o consórcio ganhador, com a Repsol como operadora, pagou somente US$ 15 milhões pelo bloco. A expectativa de lucratividade deste arremate pode ser verificada através de conta simples. Cada barril do Pré-Sal dará de lucro, no mínimo, US$ 60, partindo-se de um barril a US$ 100. Se este for maior, o lucro obviamente será maior. Então, o bloco onde está a reserva irá render, no mínimo, 1,2 bilhão de barris vezes US$ 60 por barril, o que é igual a US$ 72 bilhões de lucro, ou seja, cerca de 5.000 vezes mais do que foi gasto com o arremate.
A Petrobrás foi a única responsável pela descoberta do Pré-Sal. Foram os técnicos desta empresa que conceberam o modelo geológico, posteriormente comprovado por ela própria com um poço pioneiro que custou mais de US$ 250 milhões. Nenhuma petroleira estrangeira se arriscou quando o grau de incerteza era muito alto.
Desta forma, não é justo a sociedade brasileira ficar tendo prejuízo só para honrar contratos assinados por seus representantes legais, porem espúrios, que conseguiram chegar ao poder exatamente através de um complô de entes estrangeiros e forças traidoras locais. Assim, as petroleiras estrangeiras estão dentro da legalidade de uma lei injusta e prejudicial à sociedade. Ser nacionalista é lutar pela revisão de todas concessões a estrangeiros de áreas de petróleo, assim como do arcabouço legal e institucional brasileiro, que permite esta injustiça.
Caso 3 – No artigo “No pântano da farsa”, do jornalista Leandro Fortes, sobre o vazamento da Chevron no campo de Frade, constante da Carta Capital n. 674 de 25/11/2011, pode-se ler o parágrafo mostrado a seguir.
“Distante da crise em Brasília, uma das primeiras coisas que o delegado Scliar percebeu quando começou a entrar no caso foi a presença irregular de estrangeiros na plataforma da Chevron. Ele suspeita que a petroleira simplesmente ignore os trâmites de migração da legislação brasileira e embarque trabalhadores de fora sem conhecimento das autoridades locais. A companhia nega formalmente essa acusação, mas não vai além disso. Os advogados da Chevron dedicam-se, nestes dias de turbulência, a consolidar uma tese que poderá lhes ser muito cara quando o assunto chegar às barras da Justiça. A de que o crime, se assim o desastre for definido, não ocorreu no Brasil, mas em águas internacionais. A interpretação não é absurda e tem sido levada em conta pelo delegado Scliar desde seu sobrevoo sobre a mancha. O Campo de Frade está fora do mar territorial brasileiro, fixado em lei em 12 milhas náuticas (22,2 quilômetros) a partir da costa. Está, contudo, dentro das 200 milhas náuticas (370 quilômetros) da chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Embora não seja muito provável que aconteça, caso a tese da Chevron vingue, a companhia terá cacife para reverter a cobrança de multas e complicar a ação da Justiça brasileira. Como também poderá se safar dos processos penais e administrativos relativos à presença de estrangeiros em situação irregular na plataforma e nas embarcações de apoio”.
Salvo interpretação errônea, empresas estrangeiras têm escondida na manga, se alguma disputa com o governo brasileiro sob qualquer pretexto ocorra, a possibilidade de declararem que produzem petróleo em águas internacionais. Como grande limitador está o fato de que elas precisam das bases de apoio no Brasil, senão já estariam explorando na nossa ZEE sem participar de leilão algum. Mas, em uma situação hipotética, em que tenham que pagar multas bilionárias, este argumento poderá ser utilizado.
Preventivamente, o Brasil deveria colocar só a Petrobrás para atuar nesta área. Entretanto, se pressões de governos estrangeiros exigirem leilões de novos blocos marítimos, que é a única justificativa, no meu entendimento, para a persistente existência destes leilões, poderíamos admitir nos leilões só empresas pertencentes a países que aceitam a nossa ZEE. A matriz da Chevron está nos Estados Unidos, que não reconhecem a ZEE de país algum, pois não ratificaram a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Estar sempre protegendo o interesse da sociedade brasileira é ser nacionalista.
Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros e do Clube de Engenharia.
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