10 setembro 2012
Meu Caro Fernando,
Por Theotonio dos Santos (*)
Vejo-me na obrigação de responder a
carta aberta que você dirigiu ao Lula, em nome de uma velha polêmica que
você e o José Serra iniciaram em 1978 contra o Rui Mauro Marini, eu,
André Gunder Frank e Vânia Bambirra, rompendo com um esforço teórico
comum que iniciamos no Chile na segunda metade dos nos 1960.
A discussão agora não é entre os
cientistas sociais e sim a partir de uma experiência política que
reflete contudo este debate teórico. Esta carta assinada por você como
ex-presidente é uma defesa muito frágil teórica e politicamente de sua
gestão. Quem a lê não pode compreender porque você saiu do governo com
23% de aprovação enquanto Lula deixa o seu governo com 96% de aprovação.
Já discutimos em várias
oportunidades os mitos que se criaram em torno dos chamados êxitos do
seu governo. Já no seu governo vários estudiosos discutimos, o
inevitável caminho de seu fracasso junto à maioria da população. Pois as
premissas teóricas em que baseava sua ação política eram profundamente
equivocadas e contraditórias com os interesses da maioria da população.
(Se os leitores têm interesse de conhecer o debate sobre estas bases
teóricas lhe recomendo meu livro já esgotado: Teoria da Dependência:
Balanço e Perspectivas, Editora Civilização Brasileira, Rio, 2000).
Contudo nesta oportunidade me cabe concentrar-me nos mitos criados em
torno do seu governo, os quais você repete exaustivamente nesta carta
aberta.
O primeiro mito é de que seu governo foi um êxito econômico a partir do fortalecimento do real e que o governo Lula estaria apoiado neste êxito alcançando assim resultados positivos que não quer compartilhar com você… Em primeiro lugar vamos desmitificar a afirmação de que foi o plano real que acabou com a inflação. Os dados mostram que até 1993 a economia mundial vivia uma hiperinflação na qual todas as economias apresentavam inflações superiores a 10%. A partir de 1994, TODAS AS ECONOMIAS DO MUNDO APRESENTARAM UMA QUEDA DA INFLAÇÃO PARA MENOS DE 10%. Claro que em cada pais apareceram os “gênios” locais que se apresentaram como os autores desta queda. Mas isto é falso: tratava-se de um movimento planetário. No caso brasileiro, a nossa inflação girou, durante todo seu governo, próxima dos 10% mais altos. TIVEMOS NO SEU GOVERNO UMA DAS MAIS ALTAS INFLAÇÕES DO MUNDO.
E aqui chegamos no outro mito incrível. Segundo você e seus seguidores (e até setores de oposição ao seu governo que acreditam neste mito) sua política econômica assegurou a transformação do real numa moeda forte. Ora Fernando, sejamos cordatos: chamar uma moeda que começou em 1994 valendo 0,85 centavos por dólar e mantendo um valor falso até 1998, quando o próprio FMI exigia uma desvalorização de pelo menos uns 40% e o seu ministro da economia recusou-se a realizá-la “pelo menos até as eleições”, indicando assim a época em que esta desvalorização viria e quando os capitais estrangeiros deveriam sair do país antes de sua desvalorização. O fato é que quando você flexibilizou o cambio o real se desvalorizou chegando até a 4,00 reais por dólar. E não venha por a culpa da “ameaça petista” pois esta desvalorização ocorreu muito antes da “ameaça Lula”. ORA, UMA MOEDA QUE SE DESVALORIZA 4 VEZES EM 8 ANOS PODE SER CONSIDERADA UMA MOEDA FORTE? Em que manual de economia? Que economista respeitável sustenta esta tese? Conclusões: O plano Real não derrubou a inflação e sim uma deflação mundial que fez cair as inflações no mundo inteiro. A inflação brasileira continuou sendo uma das maiores do mundo durante o seu governo. O real foi uma moeda drasticamente debilitada. Isto é evidente: quando nossa inflação esteve acima da inflação mundial por vários anos, nossa moeda tinha que ser altamente desvalorizada. De maneira suicida ela foi mantida artificialmente com um alto valor que levou à crise brutal de 1999.
O primeiro mito é de que seu governo foi um êxito econômico a partir do fortalecimento do real e que o governo Lula estaria apoiado neste êxito alcançando assim resultados positivos que não quer compartilhar com você… Em primeiro lugar vamos desmitificar a afirmação de que foi o plano real que acabou com a inflação. Os dados mostram que até 1993 a economia mundial vivia uma hiperinflação na qual todas as economias apresentavam inflações superiores a 10%. A partir de 1994, TODAS AS ECONOMIAS DO MUNDO APRESENTARAM UMA QUEDA DA INFLAÇÃO PARA MENOS DE 10%. Claro que em cada pais apareceram os “gênios” locais que se apresentaram como os autores desta queda. Mas isto é falso: tratava-se de um movimento planetário. No caso brasileiro, a nossa inflação girou, durante todo seu governo, próxima dos 10% mais altos. TIVEMOS NO SEU GOVERNO UMA DAS MAIS ALTAS INFLAÇÕES DO MUNDO.
E aqui chegamos no outro mito incrível. Segundo você e seus seguidores (e até setores de oposição ao seu governo que acreditam neste mito) sua política econômica assegurou a transformação do real numa moeda forte. Ora Fernando, sejamos cordatos: chamar uma moeda que começou em 1994 valendo 0,85 centavos por dólar e mantendo um valor falso até 1998, quando o próprio FMI exigia uma desvalorização de pelo menos uns 40% e o seu ministro da economia recusou-se a realizá-la “pelo menos até as eleições”, indicando assim a época em que esta desvalorização viria e quando os capitais estrangeiros deveriam sair do país antes de sua desvalorização. O fato é que quando você flexibilizou o cambio o real se desvalorizou chegando até a 4,00 reais por dólar. E não venha por a culpa da “ameaça petista” pois esta desvalorização ocorreu muito antes da “ameaça Lula”. ORA, UMA MOEDA QUE SE DESVALORIZA 4 VEZES EM 8 ANOS PODE SER CONSIDERADA UMA MOEDA FORTE? Em que manual de economia? Que economista respeitável sustenta esta tese? Conclusões: O plano Real não derrubou a inflação e sim uma deflação mundial que fez cair as inflações no mundo inteiro. A inflação brasileira continuou sendo uma das maiores do mundo durante o seu governo. O real foi uma moeda drasticamente debilitada. Isto é evidente: quando nossa inflação esteve acima da inflação mundial por vários anos, nossa moeda tinha que ser altamente desvalorizada. De maneira suicida ela foi mantida artificialmente com um alto valor que levou à crise brutal de 1999.
Segundo mito – Segundo você, o seu
governo foi um exemplo de rigor fiscal. Meu Deus: um governo que elevou a
dívida pública do Brasil de uns 60 bilhões de reais em 1994 para mais
de 850 bilhões de dólares quando entregou o governo ao Lula, oito anos
depois, é um exemplo de rigor fiscal? Gostaria de saber que economista
poderia sustentar esta tese. Isto é um dos casos mais sérios de
irresponsabilidade fiscal em toda a história da humanidade. E não
adianta atribuir este endividamento colossal aos chamados “esqueletos”
das dívidas dos estados, como o fez seu ministro de economia burlando a
boa fé daqueles que preferiam não enfrentar a triste realidade de seu
governo. Um governo que chegou a pagar 50% ao ano de juros por seus
títulos para, em seguida, depositar os investimentos vindos do exterior
em moeda forte a juros nominais de 3 a 4%, não pode fugir do fato de que
criou uma dívida colossal só para atrair capitais do exterior para
cobrir os déficits comerciais colossais gerados por uma moeda
sobrevalorizada que impedia a exportação, agravada ainda mais pelos
juros absurdos que pagava para cobrir o déficit que gerava. Este nível
de irresponsabilidade cambial se transforma em irresponsabilidade fiscal
que o povo brasileiro pagou sob a forma de uma queda da renda de cada
brasileiro pobre. Nem falar da brutal concentração de renda que esta
política agravou drasticamente neste pais da maior concentração de renda
no mundo. Vergonha, Fernando. Muita vergonha. Baixa a cabeça e entenda
porque nem seus companheiros de partido querem se identificar com o seu
governo…te obrigando a sair sozinho nesta tarefa insana.
Terceiro mito – Segundo você, o
Brasil tinha dificuldade de pagar sua dívida externa por causa da ameaça
de um caos econômico que se esperava do governo Lula. Fernando, não
brinca com a compreensão das pessoas. Em 1999 o Brasil tinha chegado à
drástica situação de ter perdido TODAS AS SUAS DIVISAS. Você teve que
pedir ajuda ao seu amigo Clinton que colocou à sua disposição os 20
bilhões de dólares do tesouro dos Estados Unidos e mais uns 25 BILHÕES
DE DÓLARES DO FMI, Banco Mundial e BID. Tudo isto sem nenhuma garantia.
Esperava-se aumentar as exportações do pais para gerar divisas para
pagar esta dívida. O fracasso do setor exportador brasileiro mesmo com a
espetacular desvalorização do real não permitiu juntar nenhum recurso
em dólar para pagar a dívida. Não tem nada a ver com a ameaça de Lula. A
ameaça de Lula existiu exatamente em consequência deste fracasso
colossal de sua política macroeconômica. Sua política externa submissa
aos interesses norte-americanos, ligava nossas exportações a uma economia decadente e um mercado já
copado. A recusa dos seus neoliberais de promover uma política
industrial na qual o Estado apoiava e orientava nossas exportações. A
loucura do endividamento interno colossal. A impossibilidade de realizar
inversões públicas apesar dos enormes recursos obtidos com a venda de
uns 100 bilhões de dólares de empresas brasileiras. Os juros mais altos
do mundo que inviabilizava e ainda inviabiliza a competitividade de
qualquer empresa. Enfim, UM FRACASSO ECONOMICO ROTUNDO que se traduzia
nos mais altos índices de risco do mundo, mesmo tratando-se de
avaliadoras amigas. Uma dívida sem dinheiro para pagar… Fernando, o Lula
não era ameaça de caos. Você era o caos. E o povo brasileiro correu
tranquilamente o risco de eleger um torneiro mecânico e um partido de
agitadores, segundo a avaliação de vocês, do que continuar a aventura
econômica que você e seu partido criou para este país.
Gostaria de destacar a qualidade do
seu governo em algum campo mas não posso fazê-lo nem no campo cultural
para o qual foi chamado o nosso querido Francisco Weffort (neste então
secretário geral do PT) e não criou um só museu, uma só campanha
significativa. Que vergonha foi a comemoração dos 500 anos da
“descoberta do Brasil”. E no plano educacional onde você não criou uma
só universidade e entrou em choque com a maioria dos professores
universitários sucateados em seus salários e em seu prestígio
profissional. Não Fernando, não posso reconhecer nada que não pudesse
ser feito por um medíocre presidente. Vocês vão ter que revisar profundamente esta tentativa de
encerrar a Era Vargas com a qual se identifica tão fortemente nosso
povo. E terão que pensar que o capitalismo dependente que São Paulo
construiu não é o que o povo brasileiro quer. E por mais que vocês
tenham alcançado o domínio da imprensa brasileira, devido suas alianças
internacionais e nacionais, está claro que isto não poderia assegurar ao
PSDB um governo querido pelo nosso povo. Vocês vão ficar na nossa
história com um episódio de reação contra o verdadeiro progresso que
Dilma nos promete aprofundar. Ela nos disse que a luta contra a
desigualdade é o verdadeiro fundamento de uma política progressista. E
dessa política vocês estão fora. Apesar de tudo isto, me dá pena colocar
em choque tão radical uma velha amizade. Apesar deste caminho tão
equivocado, eu ainda gosto de vocês ( e tenho a melhor recordação de
Ruth) mas quero vocês longe do poder no Brasil. Como a grande maioria do
povo brasileiro. Poderemos bater um papo inocente em algum congresso
internacional se é que vocês algum dia voltarão a frequentar este mundo
dos intelectuais afastados das lides do poder.
Com a melhor disposição possível, mas com amor à verdade, me despeço.
(*) Theotonio dos Santos é
economista, cientista político e um dos formuladores da Teoria da
Dependência. E é coordenador da cátedra e rede UNU-UNESCO de Economia
Global e Desenvolvimento sustentável – REGGEN.
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