segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A herança maldita

 
 

 
Tucanolices e coisa séria
 
Por Saul Leblon
 
 
O maior feito monetário do conservadorismo brasileiro foi jogar a taxa de juro do país no patamar meliante de 44%. O colosso se deu em 1999. Paradoxalmente, na gestão do principal analista financeiro da atualidade, Fernando Henrique Cardoso, que se dedica à generosa tarefa de explicar à Presidenta Dilma,como se sabe uma jejuna em economia perto dos seus cabedais, que o problema central da Nação hoje é o legado do ciclo Lula.

Para ficar apenas no alicerce fiscal/monetário: em dezembro de 2002 - último mês do PSDB na Presidência da República-- a relação dívida/PIB atingia estratosféricos 63,2%, praticamente o dobro dos 30,2% existentes no início do ciclo tucano, em 1994. Anote-se: isso, depois de um salto da carga fiscal, que passou de 28,6% para 35% no período. Hoje a relação dívida/PIB é de 35%; a previsão para 2013 é de 32,7%.

Reverteu-se o desastre com uma oscilação de apenas 2 pontos na receita tributária, sem considerar as desonerações e incentivos fiscais. A média da taxa de juros real (acima da inflação) no período de 1997 a 1999 foi de estupendos 21,4%. Hoje é de inéditos 1,98%. Regressões e digressões tucanas, um pleonasmo, elidem o que de fato importa: apesar da queda de 4,5 pontos nos juros desde agosto de 2011, o orçamento de 2013 reserva aos rentistas R$ 108 bi; destina R$ 38 bi à educação e R$ 79,4 bi à saúde.

Aos investimentos ( PAC e Minha Casa) couberam R$ 187 bi. Mesmo que se reduza à metade o gasto com juro, o espaço fiscal para um salto substantivo -indispensável- nos recursos aos investimentos e serviços essenciais continuará magro. Depois da vitórias contra a pobreza, chegou a vez de afrontar a desigualdade. Entre outras tarefas estruturais, isso pressupõe ampliar o universo tributável de modo a abranger o estoque da riqueza existente. O oposto das tolices regurgitadas por FHC, que ainda festeja uma das derradeiras e melancólicas vitórias da agenda demotucana: a subtração de recursos à saúde pública. Registre-se para os anais esse carimbo de uma cepa ideológica reafirmada em seu artigo no Estadao, deste domingo: "a oposição conseguiu suprimir a CPMF, cortando R$ 50 bilhões de impostos, e a derrama continuou impávida..." (FHC; Estadão, 02-09-2012). Basta isso. 
 

 
 
A herança maldita
 
Por Emir Sader
 
 
O governo Lula recebeu uma herança maldita do governo FHC, refletida numa profunda e prolongada recessão, no desmonte do Estado, na multiplicação por 11 da dívida pública, no descontrole inflacionário. O controle da inflação jogou-a para baixo do tapete: transferiu-a para essa multiplicação da dívida pública.

O povo entendeu, rejeitou FHC e derrotou os seus candidatos: Serra duas vezes e Alckmin. Isso é história, tanto no sentido que é verdade incorporada à história do Brasil, como história porque o governo Lula, com grande esforços, superou a recessão profunda e prolongada herdada e conduziu o Brasil ao ciclo expansivo que dura até hoje.

Para não aguçar o clima de instabilidade que a direita pretendia impor no começo do seu governo, Lula preferiu não fazer o dossiê do governo FHC, que incluísse tudo o que foi mencionado, mais os escândalos das privatizações, da compra de votos para a reeleição, da tentativa de privatização da Petrobras, entre outros.

Não por acaso FHC é o político mais repudiado pelos brasileiros. Já na eleição de 2002, Serra tratou de distanciar-se do FHC. Em 2006, as privatizações, colocadas como tema central no segundo turno, levaram a uma derrota acachapante do Alckmin. Em 2010, de novo o Serra nem mencionou FHC, tentou aparecer como o melhor continuador do governo Lula, para a desmoralização definitiva do governo FHC.

Ao lado disso, economistas da ultra esquerda esposaram a bizarra tese de que não havia herança maldita, que o governo Lula era continuidade do governo FHC, que mantinha o modelo neoliberal. Além de se chocarem com a realidade das transformações econômicas e sociais do país, foram derrotados politicamente pelo total falta de apoio a essas teses no final do governo Lula, quando o candidato que defendeu essas posições, apesar de toda a exposição midiática, teve 1% dos votos.

FHC não ouve ninguém, despreza os que o cercam, mas sofre da teoria da dependência da dor de cotovelo. Dedica as pouco claras forças mentais que lhe restam para atacar Lula, cujo sucesso – espelhada no apoio de 69,8% dos brasileiros que querem Lula de volta como presidente em 2014 e nenhuma pesquisa sequer faz a mesma consulta sobre o FHC, para não espezinha-lo ainda mais – fere seu orgulho à morte.

Esses amigos tentam convencê-lo a não escrever mais, a não se expor ainda mais à execração pública – com efeitos diminutos, porque ele não ouve, seu orgulho ferido é o maior dos sentimentos que ele tem, mas também porque ninguém lê seus artigos – a se retirar definitivamente da vida pública. Cada vez que ele se pronuncia, aumentam os apoio ao Lula e à Dilma.

A historia diz, inequivocamente, que o Lula é um triunfador e FHC um perdedor. Isso a direita e seu segmento midiático não perdoam, mas é uma batalha perdida para todos eles.

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