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12 de março de 2011
A vergonhosa violência contra Bradley Manning
por Daniel Ellsberg*, Guardian, UK 11/3/2011
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
O presidente Obama diz que pediu informações ao Pentágono sobre as condições do confinamento de Bradley Manning – o soldado acusado de haver vazado segredos de Estado. – “Fui informado de que sim, as condições são apropriadas e conforme nossos padrões básicos. Garantiram-me que são.”
Se Obama acredita nisso, acreditará em qualquer coisa. Seria de esperar que fizesse mais e melhor do que perguntar aos criminosos se estão agindo como devem agir. Posso até ouvir a voz do presidente Nixon, dizendo à imprensa: “Os empregados da manutenção dos encanamentos da Casa Branca que assaltaram o escritório do Dr. Daniel Ellsberg em Los Angeles informaram-me que seus atos são apropriados e conforme nossos padrões básicos.”
Quando afinal se comprovou que o assalto ao meu escritório fora ordenado diretamente pelo Salão Oval, Nixon, para não sofrer um impeachment, teve de renunciar. Sim, os tempos são outros.
Mas, se o presidente Obama realmente desconhece as reais condições da prisão de Manning – se realmente acredita, como disse, que “parte dos procedimentos adotados [ser mantido nu, em isolamento, impedido de dormir, sob iluminação direta e sob vigilância de câmeras 24 horas por dia] têm a ver com preservar a integridade física do prisioneiro”, apesar do laudo do psicólogo da prisão, que diz exatamente o contrário –, então, estão mentindo ao presidente, e é preciso que o presidente retome as rédeas do próprio governo.
Se sabe e aprova os procedimentos inadequados e, mesmo, ilegais, então, é sinal de que já esqueceu tudo o que ensinava em suas aulas de Direito Constitucional.
O presidente recusou-se a comentar o que disse PJ Crowley, para quem o tratamento dado ao soldado Manning é “ridículo, contraproducente, estúpido”. São palavras verdadeiras e, provavelmente, são o máximo a que se pode atrever o porta-voz do Departamento de Estado, comentando ações do Departamento da Defesa. Mas faltam aí mais dois adjetivos: abusivo e ilegal.
Crowley respondia a uma pergunta sobre “tortura” de cidadão norte-americano, e, pelo que se sabe, não protestou contra esse modo de por as coisas. Isolamento prolongado, privação de sono, nudez – são procedimento aprendidos diretamente do manual da CIA para “interrogatório estimulado” [ing. “enhanced interrogation”].
Já vimos os mesmos procedimentos aplicados em Guantánamo e Abu Ghraib. Trata-se do que a CIA chama de “tortura sem contato” [ing. "no-touch torture"], e o objetivo, como no caso do soldado Manning, é claro: desmoralizar alguém a ponto de alguém agradecer quando lhe oferecerem a oportunidade de “confessar” qualquer coisa, onde o torturador precise de determinada ‘confissão’. É exatamente o caso, como suspeito, com Manning. A ninguém preocupa que a confissão seja falsa ou verdadeira, desde que implique WikiLeaks, de qualquer modo que ajude o Departamento de Defesa a acusar e processar Julian Assange.
São desconfianças minhas, sobre os motivos pelos quais fazem o que fazem, mas nada disso altera a ilegalidade dos procedimentos dos soldados que mantém preso o soldado Manning. Se eu estiver certo, o tratamento ilegal imposto ao prisioneiro não foi ordenado no plano do oficial encarregado nem do comandante da prisão. O fato de que os maus tratos, o tratamento ilegal e os sofrimentos infligidos ao prisioneiro continuem, apesar de, há semanas, o Conselho Militar do Exército dos EUA encarregado da defesa de Manning ter publicamente protestado e de os procedimentos já terem sido condenados também por organizações como a Anistia Internacional, sugere que a ordem para torturar pode ter vindo “de cima”, dos altos escalões do Departamento de Defesa e do Departamento de Justiça – ou, mesmo, da própria Casa Branca.
Não é coincidência que alguém do Departamento de Estado esteja hoje na imprensa, autor de comentário que pode ser apresentado como ‘desabafo pessoal’, denunciando também – quem denuncia é o porta-voz do Departamento de Estado! – a tortura do soldado Manning. Quando o braço armado do governo dos EUA zomba do dever de respeitar a lei – especificamente do dever de os EUA não torturarem prisioneiros – os piores efeitos recaem sobre o Departamento de Estado, e afetam a própria imagem dos EUA em todo o mundo.
O fato de que Manning esteja sendo torturado em Quantico – onde fiz meu curso básico de formação de oficial da Marinha, durante nove meses – e de que haja Marines que mentem ao mundo sobre a prisão do soldado Manning, faz-se sentir vergonha por toda a corporação. Bastaram-me três meses como oficial de infantaria, para saber que o que está acontecendo em Quantico é ilegal. Tem de ser contido. Tem de ser disciplinado.
*Daniel Ellsberg (Chicago, 7 de Abril de 1931) é um ex-analista militar norte-americano, empregado pela RAND Corporation e depois funcionário do Pentágono, que causou um furor no governo e na opinião pública em 1971, quando forneceu ao jornal The New York Times os Papéis do Pentágono, documentos secretos do Departamento de Defesa contendo detalhes sobre as atividades das Forças Armadas dos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã. A publicação dos documentos alertou o povo norte-americano sobre como eles foram enganados por seu próprio governo a respeito da guerra. Esses dados são do Wikipedia.
That's a different guy called Kenneth Bradley Manning in the second picture, btw, not the alleged leaker.
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