quinta-feira, 17 de março de 2011

Internetês, a linguagem da web

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Jornal do Brasil, 17/03/2011

Internetês, a linguagem da web

 
Francisco de Assis Moura Sobreira *
 
A linguagem humana é um mecanismo vivo e, como tal, não se mantém alheia às evoluções culturais de uma sociedade. Assim, ela acompanha o estado dinâmico da cultura das comunidades em que são empregadas. O mundo moderno é, por excelência, marcado pela vertiginosidade da vida, proporcionada pelos avanços da tecnologia, que atingem, sem restrição, as várias atividades do homem como ser social. Isso inclui a comunicação pela  internet , que, em certos momentos, se caracteriza, primordialmente, por uma forma de linguagem capaz de atender à urgência do processo comunicativo, principalmente entre os jovens, tão permeáveis às novidades que os mantêm na “crista da onda” e os distinguem na escala social.
Em razão das exigências do dinamismo, a linguagem da  internet  – o chamado  intenetês  – desenvolveu características peculiares, marcadas por reduções de expressões e abreviações de palavras que viabilizam a velocidade na comunicação. Palavras como  você ,  cadê ,  também  etc são naturalmente substituídas por abreviaturas funcionais como  vc ,  kd  e  tb , respectivamente; frases como “ Hoje estou muito feliz ” apresentam formas cifradas, como “ hj tô mt feliz ”, sem falar no uso de neologismos, como “ twittar ” e “ facebookar ”, que resolvem o problema de traduções nem sempre aceitáveis pelo espírito da língua transformada em discurso.
Tudo isso ocorre sem qualquer prejuízo de clareza ou qualquer desabono para os iniciados nesse tipo de processo comunicativo. O problema se verifica quando o tal  internetês  transpõe seus limites de atuação, gerando inadequações da linguagem ao contrato de comunicação. Ora, o  internetês  é um jargão empregado em certa escala do meio cibernético e se restringe a um uso específico de comunicação imediata. Isso significa que seu uso fora da esfera de sua atuação nem sempre tem proficuidade garantida. Empregá-lo indiscriminadamente é correr um risco que não é aconselhável. É bem verdade que, em escala bastante reduzida, seu emprego ocorre de forma inconsciente pela força do uso, o que não minora o prejuízo causado pela sua inadequação ao tipo de texto.
Existe certa correlação dialética entre um gênero textual – modelos de textos marcados por características peculiares – e seu domínio discursivo (jornalístico, publicitário, científico, religioso etc), seu suporte físico e, em especial, sua linguagem. Se o lugar do futebolês  e do  economês  (perdoem-me os neologismos) é na esfera do futebol e da economia, o lugar do  internetês  é na comunicação via  internet . O problema se agrava quando este jargão é empregado no gênero das redações escolares, em que o aluno precisa desenvolver sua capacidade de lidar com um modelo de linguagem mais discursivo, dentro das normas previstas para um registro linguístico exemplar.
Cada gênero textual é marcado por um tipo de linguagem que o legitima e lhe confere credibilidade. Além disso, a todo gênero textual subjaz um contrato de comunicação, que regula os limites do processo comunicativo – o que pode ser dito e, mais ainda, como dever ser dito. Assim, o que é qualidade em um texto pode ser defeito em outro, o que caracteriza desvio de boa linguagem em um texto pode ser adequação a outro, o que é metáfora em um contexto pode não sê-lo em outro. Portanto, há que se preservar a natureza linguística e estrutural de cada modalidade textual, com suas peculiaridades, que incluem aspectos semióticos relacionados a registro de linguagem, diagramação, codificações etc.
Por conta disso, o emprego inadequado de uma modalidade linguística a um gênero textual que lhe é estranho é uma temeridade cujas consequências podem ser desastrosas. Não se levaria a sério uma receita médica escrita a lápis, ou uma publicação oficial na lúdica linguagem do “P”. Com o  internetês  não seria diferente, já que é uma modalidade de linguagem limitada a um tipo específico de texto e a uma certa camada social.
Não se pode prever se o  internetês  veio para ficar e muito menos se ele ficará restrito a certas comunidades. Mas é de se perguntar se ele é usado em todas as comunidades lusófonas. O fato é que os povos têm comportamentos distintos frente ao espírito do idioma. O português do Brasil não tem o mesmo espírito do português de Portugal, pois, a despeito de a língua ser a mesma, significa de maneira diferente nas duas comunidades. Sendo o português uma língua de reconhecimento oficial nas comunidades que a usam, como prever as consequências da intervenção do  internetês  em tais comunidades?
O homem é fruto de sua cultura, e a juventude em cada comunidade não tem os mesmos hábitos linguísticos. Então aceitemos o fato de que essa linguagem cifrada não deve proliferar para além da esfera em que ela está inscrita.  
Assim como não se vai a uma praia de terno, não se vai a um casamento em trajes de banho. Fique o internetês  em seu lugar. A César o que é de César.

* Mestre e doutorando em língua portuguesa, é professor e coordenador do Sistema Elite de Ensino e professor substituto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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