http://www1.folha.uol.com.br/
Folha.com, 22/03/2015
Faculdade faz até reunião de pais contra 'geração mimada'
THAIS BILENKY DE SÃO PAULO
O ingresso de alunos cada vez menos autônomos na graduação tem levado universidades privadas a adotarem práticas de colégio, como reunião de pais e boletins.
O centro universitário Belas Artes, na Vila Mariana (zona sul de SP), passou a promover, há um semestre, um encontro entre pais e professores depois da primeira prova. Além disso, a família pode acompanhar notas e a frequência do aluno no portal.
O intuito da reunião é discutir as dificuldades dos estudantes e passar confiança aos pais, sobretudo aos que se mostram superprotetores.
O coordenador do curso de publicidade, Eric Carvalho, 38, diz que a prática decorre da frequência com que estudantes, até nos anos finais da graduação, recorrem aos pais para reclamar de notas.
Segundo Carvalho, tendem a ser mais conscientes os alunos que pagam a própria mensalidade --de R$ 1.482 a R$ 3.513 na Belas Artes. Mas em instituições frequentadas pela classe média alta, a família costuma custear os estudos, e os jovens precisam de um empurrãozinho, diz.
Para ele, esses estudantes têm autonomia limitada e repertório incipiente. "Não quero generalizar, mas é uma geração um pouco mais mimada", afirma.
Na ESPM (Vila Mariana), com mensalidade na faixa de R$ 3.000, também se nota a presença dos pais. O diretor de graduação, Luiz Fernando Garcia, diz ter registro - "graças aos céus, poucos" - de mãe reclamar de reprovação em MBA (especialização).
Durante o vestibular, a escola convida as famílias para conhecer instalações e professores. Os aprovados podem assistir à aula inaugural com os pais. É como um rito de passagem. "A gente reforça o recado: 'Muito obrigado pela confiança. A partir daqui, é conosco'", diz Garcia.
Ele conta que se tornou comum mães acompanharem filhos até a sala de espera em entrevistas do estágio, "e ainda quererem entrar junto...".
A universidade Mackenzie, na Consolação (centro), passou, no ano passado, a fazer um encontro de início de curso com pais, que lotou um espaço de mais de 900 lugares.
O reitor, Benedito Aguiar, diz se preocupar com a "afluência" de estudantes a bares em horário de aula. Nesse sentido, analisa, falta maturidade para perceber que precisa de "afinco e dedicação" aos estudos.
Um indicador da mudança de perfil é a queda na procura pelo período noturno. Com curso pago pela família, alunos não precisam trabalhar e são mais "vigiados" em casa. "O protecionismo talvez contribua para a acomodação de alunos", afirma o reitor.
LIMITE
Para a educadora Sílvia Colello, é positivo que os pais acompanhem e incentivem a vida acadêmica dos filhos. O problema, ela opina, surge quando há exagero na proteção e a tutela acaba adiando a conquista da autonomia.
Professora de psicologia da educação na USP, Colello observa que a atual geração de estudantes antecipou em um ou dois anos o ingresso na graduação em comparação com a geração anterior, começando o curso até mesmo aos 17 anos.
"O intervalo é pequeno, mas, nessa faixa etária, faz toda a diferença", afirma. Mais dependentes, os jovens têm dificuldade para mudar a chave, "continuam tratando a universidade como escolinha", analisa.
Essa postura compromete o desempenho acadêmico na medida em que o aluno não se desafia. "Sinto claramente a diferença de alunos, bons até, que vão, assistem às aulas, fazem tudo o que o professor pede e vão embora e os alunos que se embrenham na vida universitária, vão atrás dos professores, procuram programas de iniciação científica, ficam umas horas a mais no laboratório, leem bibliografia complementar."
Os jovens que fazem o mínimo exigido para serem aprovados, diz Colello, "desperdiçam a oportunidade de viver a universidade na sua riqueza maior, que é o trabalho de pesquisa e extensão".
Quanto à postura das universidades de estabelecer uma linha direta com as famílias, a especialista pondera que "não se pode ser ingênuo". A iniciativa, ainda que ajude a acolher os pais, não deixa de ser uma jogada de marketing das instituições.
Com a recepção às famílias, as escolas tentam conquistar simpatia e cumplicidade de modo a evitar a evasão dos alunos, sobretudo dos que entram cedo e decidem trocar de curso, afirma.
Uma professora que não quis se identificar disse que a postura de colegas contribui para o comportamento infantilizado dos alunos. "Eles ficam dando bronquinha, dizendo que, se não estudar, vai se dar mal na prova. E os estudantes só no celular."
"Hoje, o aluno da graduação tem perfil de ensino médio, e o aluno da pós-graduação se comporta como o da graduação", compara Alvaro Bufarah, professor na Faap (Fundação Armando Alvares Penteado).
Nenhum comentário:
Postar um comentário