Maricá, 20 de março
de 2015
Tanto melhor se
estivermos juntos nessa luta
Por Ivone Bulhões*
Compreensível nossa
decepção. Como nós, quem acreditou no PT, o partido “ético” esperou muito mais
dele, o que explica o tamanho da dor que agora sentimos ... e a decepção é
sempre proporcional à esperança. Fomos
traídos, sim, e essa traição é tão mais significativa para mim, porque já não
tenho outra vida para construir...
Em algum momento,
para muito além do Mensalão e da Lava Jato, o PT preferiu se desligar da sua
base histórica e... girou em falso: traiu algumas de suas bandeiras e aderiu à
corrupção – que obviamente não foi inventada por ele.
O PT não só rasgou
suas causas como se colocou ao lado de seus algozes. Sei que ainda existem
pessoas que merecem o máximo respeito dentro do PT, como sei que muitos dos que
o deixaram fizeram-no para continuar defendendo aquilo que o PT acreditava.
Chamar a estes de traidores seria estúpido de minha parte.
Seria igualmente
idiota tal julgamento : como se que toda pessoa que não fosse PT hj fosse
"elite-branca-filhinho-de-papai-cujo-protesto-não-vale." Seria cegueira ou má fé de minha parte
afirmar que toda oposição ao PT e ao governo é composta por esse tipo de gente.
Sem hipocrisia.
Impossível negar que
a grande maioria de quem bateu panela é da elite. Nesses panelaços, parece-me
inaceitável chamar a presidente de “vagabunda”, “filha da puta” “vaca” ou mandá-la “chupar”e “tomar no ...”, pois considero fundamental respeitar o seu
cargo e aqueles que a elegeram, mas também acho condenável chamar uma mulher dessa maneira.
Concordo com quem
disse que “é nesses xingamentos, janela
a janela, que está colocado o rompimento dos limites, o esgarçamento do laço
social”. No domingo de 15 de março, essa
ruptura esteve colocada naqueles que defendiam a volta da ditadura. Não há
desculpa para desconhecer que o regime militar, que dominou o Brasil pela força
por 21 anos, torturou gente, inclusive crianças, e matou muitos.
Assim, essa defesa é
inconstitucional e criminosa. Para mim, misturar-me a quem assim pensa e age seria de grande
irresponsabilidade. Ainda mais num momento
difícil como esse e sobretudo nos casos de manifestações públicas,
quando precisamos ter mais cuidado para não fomentar o clima de ódio e de disseminação de
preconceitos.
Veja
http://www.jb.com.br/pais/noticias/2015/03/16/parte-da-midia-mundial-diz-que-protesto-foi-da-classe-media-branca/
(16/03 às 19h45 Parte da mídia mundial diz que protesto foi da "classe média
branca")
Minha herança
familiar, minha trajetória de vida e aqueles a quem permiti “fazer minha
cabeça” (Pedro e Eulina Bulhões, Caio Prado Júnior, Darcy Ribeiro, Amabílio
Bulhões, Paulo Freire, Alain Badiou,
Aguinaldo Marques, Barbosa Lima Sobrinho, Viana Moog, Frei Betto, D. Helder
Câmara, Sartre, Ariano Suassuna, Graciliano Ramos, Celso Furtado, Camus,Vargas
Llosa, Che Guevara, Betinho, Michel Foucault,
Mayakovsky, Mario Benedetti, Câmara Cascudo, Neruda , Mario Benedetti,
Ortega y Gasset, Bertrand Russell, Pepe
Mujica (o último presidente do Uruguai), assim como tantos outros escritores, poetas e cineastas a quem
tanto devo) impedem-me de contribuir
para a vitória de movimentos em prol da dependência e super-exploração do
Brasil ( tão defendida por FHC e seus
comparsas), não me permitem engrossar as
fileiras de quem pede ditadura/intervençãomilitar/impeachment, faz discurso
homofóbico, renega Paulo Freire (não é um mero detalhe, representa uma ideologia),
defende a privatização da Petrobrás, a
entrega de nossos minerais ao capital estrangeiro, a internacionalização da
Amazônia e ainda grita “filha da puta”, “vaca”, “vagabunda” e “vá
tomar no ..." contra uma mulher que venceu as democraticamente as eleições
para a presidência da república .
Sinceramente, o que
se pediu no dia 15 último não é o que desejo para o Brasil. Preferi a
manifestação de 13/março, em frente à Sede da Petrobrás, aqui no Rio: esse ato
foi contra a corrupção, em defesa da Petrobrás e pelo avanço das conquistas dos
direitos dos trabalhadores - sem gestos obscenos, sem chamar ninguém de fdp ou
“mandar a presidenta tomar no c.”
Meu cuidado é o de
não me deixar cooptar por aqueles que, com a desculpa de lutarem contra a
corrupção de agora - por que não antes, quando ela foi maior? - visam outros
interesses que não aqueles que defendo para o meu país.
Considero ridículo
atribuir unicamente ao PT – tal qual muitos o fazem – a responsabilidade por
todos os males do Brasil de hoje. Não me encontro entre os que acham que a
corrupção foi inventada pelo PT, pois há partidos políticos, organizações e
categorias sociais muito, mas muito mais corruptos que o PT. Só a desinformação ou a má fé permitem
afirmar isso.
Lembremos ainda que o
Brasil tem 56.764 vereadores, 5.570 prefeitos, 513 deputados federais, 81
senadores, 27 governadores e nem tudo que acontece é culpa da Dilma, do Lula ou
do PT.
Todos sabemos que a
sociedade brasileira é corrupta (da
padaria da esquina ao Congresso, conforme disse a jornalista Eliane Brum) .
Aliás – só para citar um dos mais
recentes escândalos - a que classe pertence os integrantes da lista do HSBH?
Nesse golpe, o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking de correntistas e o nono
no de valores depositados. A lista de clientes tem no topo a própria Suíça, com
11.235, seguida pela França (9.187) e Reino Unido (8.844). São 8.667 contas
clandestinas de brasileiros – cerca de
US$ 7 bilhões depositados. Se confirmado, esse total representa dez vezes mais
do que o valor que o Ministério Público Federal comprovou até o momento como
usado para pagamento de propina na investigação da Operação Lava Jato, sobre cartel e
desvio de recursos na Petrobras.
Na lista, até o momento: a) personagens de dez casos de suspeita de
desvio de dinheiro público ou fraudes em instituições financeiras ( caso
Alstom, operação Lava-Jato, máfia que desviou US$ 310 milhões entre 1989/1991
da Previdência Social); b) empresários de mídia - donos, diretores e herdeiros
de veículos de comunicação (O Globo, Folha de São Paulo, Bandeirantes); c)
chefes da máfia dos caça-níqueis; d) cinco auditores fiscais; e) políticos de
12 partidos receberam R$ 5,8 milhões de pessoas com contas numeradas no banco
suíço. Na marcha do dia 15, alguém pediu maior controle de evasão de divisas?
... como se
estivéssemos no meio de uma luta de classes.
Claro que se trata de
uma luta de classes; o que aparece nas ruas é mero detalhe, infelizmente.
A luta de classes é
um fato. Se ela se apresenta embaralhada entre o ABC paulista e a Fiesp, suas
marcas estão por toda a parte, engendrada que é por fatores diversos:
desigualdade, injustiça, violência, falta de representatividade no
parlamento... Os diferentes lados, eles existem, não os inventei.
Minhas primeiras
noções sobre a desigualdade... eu as
tive ainda criança, mas a noção de luta de classes me chegou mais tarde com a
leitura de livros como Os dois Brasis, de Jacques Lamber, e Geografia da Fome,
de Josué de Casto, ambos lidos em 1959. Muitas outras leituras e participação
em seminários e conferências só aprofundaram essa percepção. Além disso, em minha vida de trabalhadora - em 3
hospitais, na Petrobras, cursos e palestras em mais de 100 empresas no Rio de
Janeiro, bem assim no ensino (pós-graduação) de cerca de 20 universidades
brasileiras) - não foram poucas minhas confrontações com a luta de classes.
Todos sabemos que a
classe média e a classe média alta são altamente reacionárias.
Que o digam sua
representação no Parlamento, suas reivindicações e seu comportamento.
O Brasil
predominantemente feminino e não branco abriga no seu parlamento de 2015,
apenas 10% de mulheres (51) e menos de 5% de negros (22). Já os indígenas,
821.501 brasileiro(a)s autodeclarados, originários de 307 povos, não têm sequer
um representante direto na Câmara dos Deputados!
Mais do que partidos,
nosso parlamento tem bancadas:
das empreiteiras (214
deputados de 23 partidos);
dos bancos (197 de 16
partidos),
dos frigoríficos (162
deputados de 16 partidos),
das mineradoras (85
deputados de 19 partidos),
do agronegócio, da
bala, da bola, da cerveja, da mídia comercial, do fundamentalismo...
Trata-se de um
parlamento que bem reflete nossa DESIGUALDADE.
Precisamos de REFORMA
POLÍTICA, REFORMA TRIBUTÁRIA e FISCAL,
REFORMA AGRÁRIA ECOLÓGICA, de investimentos em políticas de MOBILIDADE URBANA e
MORADIA DIGNA...
Esse parlamento vai
se preocupar com essas reformas?
Há um genocídio de
jovens das periferias dos grandes centros urbanos: de 2009 a 2013, 11.197
mortos pela polícia – que é também a polícia que mais morre no mundo. E a
impunidade campeia.
O analfabetismo
político é de tamanho assustador. As bandeiras políticas variadas e
conflitantes da marcha do dia 15 de março o demonstram bem, assim como a
linguagem dos eleitores de Aécio nas redes sociais o comprovam
Há poucos dias, uma
amiga me veio com o argumento de que os militares brasileiros não podiam ser
responsabilizados pelas atrocidades ocorridas durante a ditadura 64 , já que ela teria sido
engendrada pelos EUA... Se culpa houve, essa deveria ser atribuída aos
americanos...
Se eu tivesse a
desfaçatez de me servir do raciocínio acima, poderia, de
consciência-jogada-no-lixo, atender ao apelo dos convocadores da manifestação
do 15 último, com a desculpa de que lá estaria apenas para protestar contra a
corrupção, mas ao mesmo tempo engrossando as fileiras dos que gritavam e
exibiam faixas pedindo intervenção militar/impeachment/ditadura/Bolsonaro
presidente/chega de Paulo Freire e ... etc, etc. Sem esquecer o ódio manifesto
– tudo amplamente registrado de modo a permitir que até analistas estrangeiros
concluíssem que o ato foi sobretudo branco, reacionário e de direita.
A luta continua!
Tanto melhor se
estivermos juntos nessa luta.
* Ivone Bulhões é
autora da principal obra sobre enfermagem em Saúde do Trabalhador, publicada em
língua portuguesa. São de sua autoria os seguintes livros:, Enfermagem do
trabalho - 2 vol., Avaliação da saúde em enfermagem do trabalho, Riscos do
trabalho de enfermagem, Os Anjos também erram: mecanismos e prevenção da falha
humana no trabalho hospitalar.
Da Turma-62 da Escola
Ana Néri, da UFRJ, teve o hospital como seu primeiro campo de trabalho:
Hospital dos Bancários (atual Hospital da Lagoa) e Instituto Fernandes Figueira
e Hospital Central do Exército. Todos no Rio de Janeiro. Duplo emprego...
durante pouco mais de 10 anos.
A essa experiência
hospitalar somam-se mais de 30 anos de prática efetiva em Saúde do Trabalhador.
Durante quase 20 anos, como enfermeira da Petrobras: Região de Produção do
Nordeste (RPNE), Refinaria Duque de Caxias (REDUC), Terminais e Oleodutos do
Rio de Janeiro e Guanabara (TORGUA) e, por fim, nos Serviços Administrativos do
Rio de Janeiro (SERARJ), no Edifício Sede da Companhia.
Como professora
convidada, já lecionou a disciplina Enfermagem do Trabalho em Cursos de
Especialização em Enfermagem do Trabalho de 18 universidades brasileiras.
Realiza cursos, palestras e seminários sobre os temas abordados em seus livros
- sobretudo para estudantes e trabalhadores de saúde - em hospitais, empresas,
associações profissionais, estabelecimentos de ensino e demais instituições com
interesse nesses temas, em todo o país.
Fantástico! Gostaria de vê-lo publicado no Facebook. Parabéns dona Ivone Bulhões,por tão excelente artigo!
ResponderExcluirFantástico! Gostaria de vê-lo publicado no Facebook. Parabéns dona Ivone Bulhões,por tão excelente artigo!
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