domingo, 8 de março de 2015

Mulher, amor e revolução

 
 
 




O Globo.com, 08/03/2015




Mulher, amor e revolução


Por Helena Celestino




Dia da mulher é momento de lembrar a história das revolucionárias.

Era uma época em que se escreviam cartas de amor, e Fidel Castro prometia dar a vida para defender a honra da amada. Faz muito tempo, estávamos nos anos 50 do século passado e o primeiro esboço de revolução cubana dera errado. Da prisão, Fidel mandava cartas prometendo amor eterno, discorria sobre política e dialética da paixão mas, inseguro, implorava à amante que avisasse quando ele ficasse chato. Ela era Naty Revuelta — Natalia na certidão — uma linda mulher de olhos verdes, rica e casada com um cardiologista famoso, destaque nas festas da elite em Havana, simpatizante do Partido Ortodoxo, no qual se agrupavam os opositores do ditador Fulgencio Batista.

Eram tempos intensos e foi paixão à primeira vista. Inspirada pela cruzada por justiça social dos rebeldes, a socialite esvaziou sua conta bancária, vendeu seus diamantes, pulseiras de ouro e brincos de esmeralda para financiar a revolução. Abriu a casa de colunas gregas para reuniões secretas em que Fidel e os companheiros do Grupo 26 de Julho planejavam o assalto ao quartel de La Moncada, o primeiro ato do movimento para derrubar Batista. Aos rebeldes, Naty deu a chave da casa para eles se refugiarem em caso de perigo. A Fidel, entregou também o coração, numa tórrida relação clandestina. Antes de partir para a primeira ação armada, o guerrilheiro fez uma paradinha na casa de Naty: precisava apanhar o plano de ataque ao quartel e as cópias do manifesto à nação, a ser lido em caso de vitória. Como ninguém é de ferro, foi também despedir-se da amante e, deste adeus, nasceu a filha dos dois.

“Ela era revolucionária antes da revolução”, diz o embaixador Frederico Meyer, um amigo desde os tempos em que serviu como jovem diplomata em Cuba. Fim de semana passado, Naty morreu, aos 89 anos, em Havana. Estava a seu lado Aline, a filha rebelde de Fidel que trocou o país por uma vida de modelo na Europa e passou décadas sem voltar a Cuba, no papel de opositora ao pai.

Foi um romance de época, num tempo em que amor e revolução inspiravam Hollywood. Foi bem antes de Fidel, Che, Camilo Cienfuegos, bonitos e vitoriosos, descerem de Sierra Maestra, aplaudidos pela multidão, um elenco de sonhos para um filme épico na virada dos 60. “A revolução cubana era cinematográfica. Parecia escrita por Hollywood”, gostava de dizer Vladimir Palmeira, o líder das passeatas dos idos de 68.

Nesse roteiro romântico, Naty entrava como “os olhos verdes da revolução”, a burguesa com inquietações sociais, que tem uma intensa história de amor com o jovem advogado que queria mudar o mundo. Separada pela vida, continuou discretamente fiel ao amor de juventude e ao projeto de construir uma nova sociedade, com o fim dos privilégios e abusos dos ricos.

Ela é muito importante na biografia dele. Além da relação física e amorosa, tinham uma relação política. É impressionante como a atual mulher de Fidel, Dalia, é parecida com Naty, é muita bandeira”, comenta Claudia Furiati, biógrafa brasileira de Fidel, que a encontrou três vezes em Cuba, na época de pesquisa para o seu livro.

O tal manifesto à nação, escondido na casa de Naty, jamais foi lido por que, como sabemos, o ataque ao quartel foi um fracasso. Muitos morrem, Fidel vai preso e é ele mesmo quem faz sua defesa, num texto célebre, “A História me absolverá”, manuscrito, com correções do próprio punho, dado por Naty ao embaixador Meyer. São para ela também as muitas cartas, encharcadas de paixão e fervor intelectual, escritas por Fidel da prisão. Até hoje, esses são os textos mais reveladores da intimidade do homem que sempre manteve a vida privada envolta em mistério, enquanto cultivava a imagem do líder revolucionário. Algumas dessas cartas foram vendidas pela filha ao jornal espanhol “ABC”, outras estavam no arquivo reunido por Celia Sánchez — chefe de gabinete do presidente por décadas — e muitas, por determinação da destinatária, só se tornarão públicas depois da morte de Fidel.

São cartas lindíssimas, são os melhores documentos dessa época”, diz Claudia.

Na cadeia, com todo o tempo do mundo, Fidel lê obras clássicas, aprofunda seu pensamento político e faz declarações de amor, enviadas, clandestinamente, a Naty. Numa delas, por acaso ou por destino, os destinatários são trocados e vai parar nas mãos da mulher a carta destinada à amante, acabando com o primeiro casamento de um homem com muitos romances.

Há coisas duradouras, apesar das misérias desta vida; coisas eternas, como as impressões que guardo de ti, tão indeléveis que me acompanharão até a sepultura”, declara-se um Fidel jamais conhecido pelos cubanos. A um biógrafo dele, Naty disse que não concordava com alguns dos rumos seguidos pelo governo, mas continuava se vendo como uma revolucionária. Simone de Beauvoir afirmava que há mulheres cuja herança é a construção da sua própria vida. Hoje é dia delas e de Naty serem homenageadas.
 
 
 
 
 



Estadão.com, 02 de março de 2015




Naty Revuelta, um dos amores de Fidel Castro, morre aos 89 anos


O Estado de São Paulo



HAVANA -­ A socialite cubana Natalia Revuelta, que esvaziou suas contas bancárias e vendeu suas joias para apoiar os planos revolucionários de Fidel Castro, morreu aos 89 anos em Havana. Natália e Fidel tiveram um romance nos anos 50 do qual nasceu Alina,
que hoje vive no exílio.

A morte da Natália ocorreu na sexta-­feira, mas só foi confirmada ontem por Carmen García, cuidadora que vivia com ela havia quase duas décadas. Carmen disse à Associated Press que Natália foi cremada em uma cerimônia familiar íntima. Por telefone, a antropóloga Natalia Bolívar, amiga da socialite cubana, afirmou à AP que Natália estava doente desde que sofreu uma queda e passou por uma cirurgia. Nos últimos tempo, sua saúde havia se deteriorado.

Naty, como era chamada por seus amigos e parentes, tinha 26 anos quando se envolveu com Fidel, então com 25 anos. "Era uma mulher com uma das belezas mais raras de Cuba e com uma atração pela Revolução e pela aventura", escreveu a colunista americana Georgie Anne Geyer.

"Loira, olhos verdes, voluptuosa e sempre com humor exuberante, Naty era o tipo de mulher que atraía a atenção e deixava todos sem palavras quando entrava uma sala", escreveu Geyer no livro Guerrilla Prince: The Untold Story Of Fidel Castro (Príncipe da Guerrilha:
A História não contada de Fidel Castro, em tradução livre) sua biografia do ex­presidente cubano.

Nascida em 6 de dezembro de 1925, Naty era filha única de pais separados. Tinha 10 anos quando sua mãe casou-­se novamente com um executivo da empresa americana Electric Company. Ela estudou em um colégio para meninas católicas na Pensilvânia.

Casada com o cirurgião Orlando Fernández, quase 20 anos mais velho, começou a participar das reuniões do Partido Ortodoxo depois de entediar­-se com a vida na alta sociedade cubana. Fidel, membro do partido, era casado com Mirta Díaz­Balart. Os dois se
conheceram em um protesto para lembrar a morte de estudantes independentistas, em 27 de novembro de 1952.

Naty entregou cerca de 6 mil pesos cubanos ­ equivalentes a mesma quantidade em dólar ­ e penhorou suas joias para ajudar a causa revolucionária. Ela também ajudou nos preparativos do ataque ao Quartel Moncada, o primeiro contra a ditadura de Fulgencio Batista.

No entanto, o fracasso do plano levou Fidel para a prisão. Nessa época, os dois já trocavam cartas de amor. Quando Fidel foi anistiado, em 1955, passou 53 dias em Havana antes de ser enviado para o exílio, no México. Nesse período, Natália engravidou, mas não contou para ele. Quando Fidel ficou sabendo, pediu que Naty fosse para o México para se casar com ele, mas a socialite rejeitou o pedido. Em março de 1956 nasceu Alina Fernández Revuelta, que foi registrada com o sobrenome do marido de Naty.

A jovem só descobriu quem era seu pai biológico aos 12 anos, mas se recusou a conhecer Fidel, como ela mesma contou em um livro de memórias publicado nos anos 90. Alina deixou Cuba em 1993 disfarçada de turista espanhola e converteu­se em uma dura crítica do governo dos irmãos Castro.

Em uma entrevista ao jornal espanhol La Vanguardia, Naty afirmou que Fidel sempre "colocou seu projeto (revolucionário) muito acima de sua vida privada" e admitiu que levou muitos anos para tirá-­lo de seu coração. / AP

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