O Globo.com, 12/03/2015
Teresa, um caso de amor
Por Frei Betto
A 28 de março comemoram-se 500 anos do nascimento da espanhola Teresa de Ahumada, mais conhecida como Teresa de Jesus ou Teresa de Ávila, mística e doutora da Igreja Católica.
Teresa salvou minha vocação religiosa. Eu não completaria neste ano cinco décadas de pertença à Ordem Dominicana - que em 2016 celebrará 800 anos de fundação - se não fossem os livros de Teresa: “Vida” (autobiografia), “Caminho da perfeição”, “Castelo interior”, “Conceitos de amor”, “Exclamações”, e suas cartas e poemas.
Em 1965, deixei a militância estudantil (no ano anterior havia sofrido minha primeira prisão sob a ditadura, no Rio), a faculdade de jornalismo, e ingressei no noviciado dominicano, em Minas.
Três meses depois, sofri profunda crise de fé. Decidi deixar o convento. Frei Martinho Penido Burnier, meu diretor espiritual, sugeriu-me paciência. Introduziu-me na leitura de Teresa. Foi uma paixão à primeira vista.
Em sete meses de “noite escura”, ela operou em mim o que caracteriza sua mística: deslocou Deus das abóbadas celestiais, dos conceitos catequéticos, para o íntimo do coração. Na boca da alma, provei o sabor do Transcendente.
Bernini a esculpiu, flechada pelo anjo, em expressão de indescritível orgasmo, na imagem exposta na igreja de Santa Maria della Vittoria, em Roma. Isto é Teresa: Deus como caso de amor. Não o deus dos castigos eternos, das culpas irremediáveis, do moralismo farisaico. Deus como paixão incontida. Tanto ansiava por ele, que ousava repetir: “Morro por não morrer.”
Teresa foi uma feminista avant la lettre, numa época em que, na Europa, mulheres eram relegadas ao analfabetismo e as místicas, atiradas à fogueira da Inquisição como bruxas. Leitora compulsiva, reformou a Ordem das carmelitas, indignada com os conventos transformados em depósitos de mulheres cujos maridos vinham explorar as riquezas do Novo Mundo.
Teresa rompe com o Carmelo convencional, e também com a mediação do clero entre a pessoa e Deus. Peregrina incansável, funda comunidades de mulheres vocacionadas à exclusividade do amor divino.
O representante do papa na Espanha, indignado, a acusa de “mulher irrequieta e andarilha, desobediente contumaz, que a título de devoção inventa má doutrina, andando fora da clausura, contra a ordem do Concílio de Trento e dos bispos, ensinando como mestra, à revelia do preceito de São Paulo de que as mulheres não devem ensinar.”
Salvou-a da condenação como herética e maluca a intervenção de seus confessores e teólogos, que se tornaram seus discípulos. Em 1970, o papa Paulo VI concedeu-lhe o título de Doutora da Igreja.
Seu principal discípulo e cooperador não foi uma mulher, e sim um homem, João da Cruz, patrono dos poetas espanhóis. A dupla reformou a vida carmelita e introduziu entre os católicos o saudável exercício da meditação — embora esta palavra não apareça em seus escritos e a Igreja Católica, ainda hoje, nutra injustificável preconceito em relação à sua prática, o que arrefece, entre os fiéis, a contemplação.
Com exceção de Francisco de Assis, nenhum outro santo atrai tanto a atenção de artistas, intelectuais e psicoterapeutas quanto Teresa. Nela se realizou, em plenitude, a promessa de Jesus: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e viremos a ele e nele faremos a nossa morada” (João 14, 23).
Teresa transvivenciou aos 67 anos, em 1582. Suas obras completas, encontráveis em qualquer livraria católica, nos ensinam a beber do próprio poço.
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