Blog da Tereza Cruvinel, 17/03/2015
O silêncio da serpente
Por Tereza Cruvinel
Agora que os ânimos serenaram um pouco, tratemos do lado feio da manifestação de domingo. Sim, todo protesto, contra o que for e contra quem for, expressa a beleza da vitalidade democrática. Mas a beleza se esvai quando uma manifestação, ou grupos dentro dela, descambam para a violência, o preconceito, o desrespeito, afora o clamor por intervenção militar, que atenta contra a própria Constituição. Foi uma minoria, dizem alguns participantes. Ok, mas estavam marchando juntos.
No portal da Folha de São Paulo há um vídeo estarrecedor. Os bonecos de Lula e Dilma enforcados foram incitação à violência ou não? Ensinam a fazer justiça com as próprias mãos por métodos cruéis. Os palavrões gritados contra Dilma e Lula ultrapassaram o limite do pudor, mas não constrangeram aquelas senhoras dos Jardins que lá estavam, bem vestidas, perguntando (no vídeo) pela carta de renúncia da presidente ou pedindo a volta dos militares. Uma delas dizia dar razão a Figueiredo, quando disse que sentiríamos saudades dele. Ela talvez. O Brasil, com certeza não. Os xingamentos de conotação sexual foram horríveis. As referências a Lula e à falta de seu dedo mínimo, abjetas. Uma jovem foi para o microfone para gritar “f.d.p” contra Dilma dezenas de vezes. Outra se gabou de tomar “veuve cliquot”, a champanhe mais cara do mundo, e de nunca ter precisado de qualquer ajuda do governo. Desnecessário repetir o que disseram contra o PT e falar das hostilidades a partidos e políticos em geral. Meu colega Paulo Moreira Leite já comentou isso. E como disse, protestavam disputando o poder, não reivindicando. O nome disso é luta política.
O perfil social dos que participaram das manifestações de sexta-feira e de domingo, feito pelo Datafolha, mostra que eles pertencem a mudos completamente distintos. Os perfis são antagônicos em renda, educação, voto para presidente, partido preferido e tudo o mais. Entre os que protestaram no domingo, 74% disseram ter participado de uma manifestação pela primeira vez na vida. O que fizeram demonstrou mesmo uma reduzida vivência democrática.
Mas sobre este lado feio, os políticos se calaram. Tanto o PT como os outros. Estão aturdidos demais para cutucar esta nova face das ruas. Com raras exceções, preferiram o silêncio diante dos laivos fascistas da serpente humana que atravessou a Avenida Paulista. O 247 foi dos poucos espaços públicos que comentou esta face escura dos protestos.
Tereza Cruvinel atua no jornalismo político desde 1980, com passagem por diferentes veículos. Entre 1986 e 2007, assinou a coluna “Panorama Político”, no Jornal O Globo, e foi comentarista da Globonews. Implantou a Empresa Brasil de Comunicação - EBC - e seu principal canal público, a TV Brasil, presidindo-a no período de 2007 a 2011. Encerrou o mandato e retornou ao colunismo político no Correio Braziliense (2012-2014). Atualmente, é comentarista da RedeTV e agora colunista associada ao Brasil 247.
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