Folha.com, 09/03/2015
A sombrinha da Angélica
Por Luiz Fernando Vianna
RIO DE JANEIRO - A apresentadora Angélica não é exatamente um exemplo em quem nossas filhas devam se mirar. E seu marido ganha dinheiro explorando pessoas pobres. Mas não foram esses atributos que a fizeram ser constrangida a sair da UNI-Rio na quarta (4), como mostra vídeo que circula na internet.
"O povo não é bobo. Abaixo a Rede Globo", gritavam os manifestantes. O bordão está tão roto que enfraquece qualquer ato que se pretenda contundente. Mas a loira (ou loura, como falamos no Rio) pagou pelo seu bem remunerado emprego. Quem está sob o sol é para se queimar.
Ou não. O momento mais significativo do vídeo se dá quando uma jovem morena, provavelmente funcionária da Globo, corre na direção de Angélica, abre uma sombrinha e passa a caminhar ao lado da estrela alva protegendo-a dos raios ultravioleta.
A moça diligente não tem culpa de nada, cumpria o papel que lhe destinaram. Mas a cena é puro Debret.
O pintor francês Jean-Baptiste Debret chegou ao Rio em 1816. Veio a convite de d. João 6º fazer registros oficiais da vida na então capital do reino português. Fez mais: também desenhou o cotidiano dos escravos na cidade.
Documentou maus-tratos, humilhações, as conversões às liturgias cristãs e, como não esquece quem já viu, a caminhada dos escravos pelas ruas atrás de seus senhores carregando-lhes os apetrechos, inclusive o guarda-sol.
Passaram-se quase 200 anos e ainda há moças negras (ou morenas, para quem quiser dourar a pílula/pele) segurando sombrinhas para senhoras brancas de mãos desocupadas.
Na verdade, não chega a surpreender. No Brasil desembarcaram mais de 5 milhões de africanos escravizados, mas tratamos essa ferida com o mito da democracia racial. Olhe as feições de quem crê nessa balela. E olhe as da maioria dos presos e assassinados.
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