Carta Maior, 30/10/2014
Kill the messenger: o filme que desmente o mito da mídia livre
Chris Hedges, originalmente publicado em Truthdig.com
Há muito mais verdades sobre o jornalismo norte-americano no filme Kill the Messenger, que descortina o que se passa na grande mídia, a partir da campanha nacional de difamação contra o trabalho do jornalista investigativo Gary Webb do que no filme All the President’s Men, uma celebração ao trabalho dos repórteres que cobriram o escândalo Watergate. Os meios de comunicação apoiam cegamente a ideologia do capitalismo corporativo. Louvam e promovem o mito da democracia estadunidense. Deste modo são suprimidas liberdades civis da maioria e o dinheiro substitui o voto. Os meios de comunicação prestam deferência aos líderes de Wall Street e de Washington não importa o quanto os seus crimes possam ser perversos. De modo servil, os meios de comunicação veneram os militares e a aplicação de leis em nome do patriotismo.
Os meios de comunicação selecionam especialistas e peritos, quase sempre indicados e sugeridos a partir dos centros de poder, para interpretar a realidade e explicar a política. Em geral divulgam press releases oficiais redigidos pelas corporações para preencher o seu noticiário. E para distrair os leitores, recheiam os furos de notícias com fofocas da vida de celebridades, com notícias triviais ou esportivas e com futilidades. O papel da grande mídia é promover o entretenimento ou se fazer de papagaios repetindo a propaganda oficial para as massas. As corporações, que contratam jornalistas dispostos a serem cortesãos e são proprietárias da imprensa, alugam profissionais para serem benevolentes com as elites e, em contrapartida, os promovem a celebridades. Estes jornalistas cortesãos, que ganham milhares de dólares, são convidados a frequentarem a intimidade dos círculos do poder. Como diz John Ralston Saul, romancista canadense, são hedonistas do poder.
Quando Webb publicou, em 1996, uma série de reportagens no jornal San José Mercury News denunciando a Agência Central de Inteligência (CIA) como cúmplice no contrabando de toneladas de cocaína a ser vendida nos Estados Unidos para financiar a sua operação na luta dos contra da Nicaragua, a mídia se voltou contra ele que passou a ser visto como se fosse um leproso. Ao longo do tempo e das várias gerações de jornalistas, é longa a lista de profissionais leprosos que vai de Ida B. Wells a I.F. Stone e a Julian Assange. Os ataques contra Webb foram renovados agora, em jornais como o The Washington Post, assim que o filme estreiou, há uma semana, em Nova Iorque. Estes ataques são como uma autojustificativa. Uma tentativa da grande mídia de mascarar a sua colaboração com as elites do poder. A grande mídia, assim como todo o stablishment liberal, pretende apresentar o verniz de quem, destemidamente, busca a verdade e a justiça. Mas para sustentar este mito precisa destruir a credibilidade de jornalistas como Webb e Assange que procuram jogar uma luz no trabalho sinistro e criminoso do império que é mais preocupado com (esconder) a verdade do que com a notícia.
Os maiores jornais do país, inclusive o The New York Times, escreveram que a história levantada por Webb apresentava “provas escassas”. Funcionaram como cães de guarda para a CIA. Em 1996, assim que a denúncia surgiu, The Washington Post dedicou imediatamente duas páginas inteiras para atacar a argumentação e as provas de Webb. O Los Angeles Times publicou três artigos enlameando a reputação de Webb e procurando destruir a credibilidade da sua história. Foi um repugnante, deplorável, vergonhoso capítulo do jornalismo norte-americano. Não foi o único. Alexander Cockburn e Jeffrey St. Clair, em um artigo publicado em 2004, How the press and the CIA killed Gary Webb’s career (Como a imprensa e a CIA mataram a carreira de Webb) detalharam a dinâmica da campanha nacional de difamação.
O jornal de Webb, depois de publicar um mea culpa sobre a série de matérias publicadas, demitiu-o. Webb nunca mais conseguiu trabalho como jornalista. Ele expôs a CIA como um bando de marginais contrabandeando armas e traficando drogas. E expôs os meios de comunicação, que dependem de fontes oficiais para a maioria de suas notícias e, portanto, são reféns de tais fontes, como servas covardes de poder. É de conhecimento público, em parte devido a uma investigação do Senado conduzida pelo senador John Kerry, que Webb estava certo. Mas a verdade nunca foi assunto para aqueles que denunciaram o jornalista. Webb tinha cruzado a linha. E ele pagou por isto. Desorientado e apavorado com o risco de perder a sua casa oficialmente diz-se que cometeu suicídio em 2004. Há quem diga que a CIA o matou.
O filme Kill the Messenger (O mensageiro) é dirigido por Michael Cuesta e estreia no Brasil no próximo dia 11 de dezembro. O ator Jeremy Renner (de Guerra ao terror) faz o papel de Gary Webb, o jornalista que sofreu implacável campanha nacional de difamação depois de publicar a cumplicidade da CIA no contrabando de cocaína para financiar os contra da Nicarágua. Antes, Brad Pitt e Tom Cruise foram sondados para o papel assim como Spike Lee foi convidado para dirigir a produção.
Sobre o filme, o economista Paul Krugman escreveu, em coluna recente, com o tema da redução de impostos e a propaganda ideológica que substituiu o jornalismo. Ele reforça a percepção de que a grande mídia hoje faz política; não jornalismo - ao contrário do fervor de suas recentes juras oficiais. Abaixo, Krugman:
“... dizer aos eleitores, com frequência e bem alto, que o fato de sobrecarregar os ricos e ajudar os pobres provocará um desastre econômico, enquanto que reduzir os impostos dos “criadores de emprego” nos trará prosperidade a todos. Há uma razão por que a fé conservadora na magia das reduções de impostos se mantém, por mais que essas profecias não se cumpram (...): há um setor, magnificamente financiado, de fundações e organizações de meios de comunicação que se dedica a promover e preservar essa fé. Há mais verdade sobre jornalismo americano no filme Kill the Messenger, que narra o descrédito da mídia mainstream do trabalho do jornalista investigativo Gary Webb, do que há no filme Todos os Homens do Presidente, que celebra as façanhas dos jornalistas que descobriram o escândalo Watergate.”
A tradução é de Léa Maria Aarão Reis.
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