quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Abaixo os intermediários: Armínio Gordon para Presidente




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Carta Maior, 15/10/2014 
 

Abaixo os intermediários: Armínio Gordon para Presidente


Por Saul Leblon



​A notícia soa como uma daquelas tiradas espirituosas da verve nacionalista brasileira: ‘Armínio Fraga cogitado para comandar o Fed norte-americano (o BC dos EUA)’.

Parece um revival do bordão dos anos 60, ‘Abaixo os intermediários, Lincoln Gordon para a presidência’, em cenário invertido.

Gordon, embaixador gringo, um dos articuladores do golpe de 64, não chegou lá. Mas a cogitação de Armínio , ex-presidente do BC, de Fernando Henrique Cardoso, que despontou para o estrelato rentista como operador do fundo especulativo de George Soros – e hoje é o principal fiador de Aécio Neves junto aos mercados– é mais que uma metáfora venenosa.

A proposta, real, foi revelada pelo próprio autor, Timothy Geithner, ex-secretário do Tesouro dos EUA, que conta o episódio em seu livro, ‘Stress Test’ (‘teste de resistência’). Nele, Geithner faz um retrospecto do fiasco da paridade entre o Real e o dólar , que obrigou a uma maxidesvalorização cambial de 30% em 1999. A decisão foi empurrada com a barriga até se consumar a reeleição de FHC em 1998, ancorada em dupla fraude: compra de votos para aprovar a emenda constitucional no Congresso e a ilusão da moeda forte.

A ressaca começou logo em seguida à contagem dos votos. A máxi de janeiro de 1999 fez explodir a inflação levando Armínio a elevar a taxa de juro básica do país a 45%. Fechou-se assim o torniquete que o transformou em um centurião dos endinheirados : desvalorização da moeda, perda de poder de compra dos assalariados e juro sideral. Ele é soberbo nisso.
Em matéria sobre o livro, de maio deste ano, o jornal Folha de SP () destaca a origem da credibilidade do brasileiro junto aos americanos: ’Ao explicar os pacotes de ajuda decididos pelo governo norte-americano, diz a matéria da Folha, Geithner acrescenta que "só funcionaram quando lidamos com líderes competentes e confiáveis. O presidente do banco central brasileiro, Armínio Fraga, foi tão notável que mais tarde eu o mencionei para o presidente Obama como um potencial presidente do Fed [o BC americano]", escreveu Geithner citado pela Folha. Seu empenho pela nomeação da ‘ liderança econômica soberba’ foi tão entusiasmada que fez questão de lembrar a Obama, como diz no livro, a condição de cidadão norte-americano de Armínio ( ele tem dupla cidadania e neste caso não é apenas uma metáfora venenosa)

A empatia entre ‘Tim’, como é chamado o ex-Secretário do Tesouro, e Armínio tem raízes profundas. O americano é um entusiasta dos derivativos que funcionaram como um dos bombeadores da crise de 2008. Não só. Durante a crise, Tim funcionou como uma espécie de embaixador da alta finança junto à Casa Branca: sua prioridade era salvar bancos.

A intercambialidade de Gordons , Armínios e Tins não é novidade na história brasileira.

Mas nem por isso a influência desses coringas deixa de trazer problemas no trato de interesses e agendas, nem sempre tão complementares quanto eles.

Tome-se a encruzilhada do país nos dias que correm.

Dois de seus principais desafios consistem em elevar a taxa de investimento e reverter o estiolamento da base industrial.

Armínio e Aécio Neves deram uma entrevista ao jornal Valor, no início de maio, em que o coordenador econômico da candidatura tucana expõe seu modus operandi ao tecer críticas à ação oficial nessa área.

Entre outras coisas, o amigo de Geithner manifesta sua desaprovação ao Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Talvez a coisa mais certa que o governo fez nessa frente.
Criado na crise de 2009, o programa garante crédito barato de longo prazo à aquisição de bens de capital, desde que apresentem 60% de conteúdo nacional.

O mesmo critério incômodo foi incorporado ao regime de partilha, que rege a exploração soberana do pré-sal brasileiro.

Todas as encomendas associadas à exploração das reservas bilionárias devem incluir 60% de conteúdo fabricado no país.

Compreende-se a má vontade.

Nos idos tucanos, quando Armínio pontificava, dizia-se que a melhor política industrial para uma nação em desenvolvimento é não ter política industrial alguma.

Com Armínio no comando (aqui, no Brasil) voltaríamos aos domínios dessa fé inquebrantável na capacidade dos livres mercados para alocar recursos com maior eficiência, ao menor custo.

O veículo por excelência dessa ubiquidade é o capital financeiro, dotado de alguns requisitos.

A saber: liberdade irrestrita de ir e vir, um Banco Central complacente e condições adequadas para impor sua remuneração pelos serviços prestados.

Se alguém disser que nessa chocadeira vingou o ovo do colapso neoliberal de 2008 não estará longe de uma verdade sintética acerca do ocorrido.


O amigão de Armínio ajudou na choca.

Quando presidente do Fed regional, de Nova Iorque, Geithner defendia que os bancos podiam reduzir suas reservas de segurança e alavancar operações , mesmo sem ter caixa para honrá-las, se necessário.
Deu-se o que se sabe. E agora se sabe que quando se deu, Geithner lembrou-se de Armínio – ‘competente e confiável’, afiançou ao presidente norte-americano, para ajudar a resolver o melê.

Hoje, no Brasil, essa linha de pensamento nomeia o arrocho fiscal, de consequências sabidas, como a principal alavanca corretiva para destravar o crescimento da economia.

Trata-se de recuar o Estado para o mercado agir e a sociedade prosperar. É o que dizem.

Nunca é demais repetir que essa reordenação vigora há alguns anos em países europeus, sob ajuste da troika.

Neles se colhe taxas de desemprego de 11,5% a 50% (entre os jovens); as contas públicas se distanciam do equilíbrio; o crédito mingua, a atividade econômica rasteja e a juventude migra. Mas a extrema direita floresce: sua bandeira é substituir a desordem resultante por uma ordem policial atuante.


Em nenhuma outra dimensão da luta política nesse momento a pauta do país é tão esfericamente blindada e impermeável quanto na área econômica.

Discute-se como se não existisse a opção de cortar os juros para a construção de um equilíbrio que poupe o investimento público em programas sociais e em infraestrutura.

Sim, é verdade, na era das finanças desreguladas o comando do Estado sobre a taxa de juros é limitado pelo poder de chantagem dos capitais que respondem à ‘afronta’ com fugas maciças levando a uma crise nas contas externas.

Mas também é verdade que tudo se passa como se o recurso do controle de capitais não figurasse no cardápio econômico mundial, embora seja tolerado até pelo FMI.

A invisibilidade imposta a essas angulações é parte da encruzilhada brasileira.

Ao afunilar o horizonte do país num labirinto repetitivo desemboca-se, inapelavelmente, no paredão do arrocho onde estão escritos os mandamentos seguidos pelos Armínios e assemelhados.

É impossível desmontar essa ciranda sem afetar os interesses da alta finança. Razão pela qual respeitados economistas cogitam alguma forma de controle de capitais numa reordenação macroeconômica para retomada do crescimento.

Se o PT avançará nessa direção num eventual segundo governo Dilma é incerto. Depende em grande parte da correlação de forças interna e externa.

Agora, imaginar que um potencial presidente do Fed americano possa agir contra seus camaradas de fé, em defesa do país, equivale a aceitar que Lincoln Gordon operou o golpe por amor à democracia.

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