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Carta Maior, 28/10/2014
As lições da vitória de Dilma
Por Francisco Fonseca
Por Francisco Fonseca
A reeleição da presidente Dilma, por pouco mais de 3% dos votos,
necessita ser refletida profundamente, uma vez que encerra muitas
lições. Este artigo focará em alguns aspectos fundamentais, a começar
pelo sentido da polarização social/eleitoral verificada.
A grande polarização social, referente a classes sociais, no país (revestida por elementos geográficos), revela um fenômeno curioso: embora os Governos Lula e Dilma, até aqui, tenham feito alianças de classes e políticas incrementais, sem qualquer enfrentamento às elites e aos grandes interesses (capital financeiro, bancos, dívida interna, agronegócio, mídia, sistema político e tributário etc), as classes médias e superiores e parte dos ascendentes têm no PT seu inimigo de morte. Em outras palavras, parece que estamos na Venezuela, sem que haja Chaves nem chavismo! Lá os detentores históricos do poder e de privilégios têm de fato razões – à luz de suas perspectivas – para odiar o chavismo. Afinal, foram feitas inúmeras reformas, inclusive constitucionais, que alteraram fortemente a relação entre as classes sociais e levaram à polarização radical entre essas e os partidos políticos.
No Brasil, ao contrário, o “pacto de classes de todos com todos” permitiu a convivência, embora contraditória, entre agronegócio e sem-terra, lucros bancários exorbitantes e ampliação do crédito, apoio simultâneo a grandes empresas (via BNDES, por exemplo) e ao “pequeno empreendedor”, coalizão conservadora de partidos e participação popular, entre inúmeras outras.
Apesar desse modelo assentado no pacto – conservador por excelência –, que enquadra as reformas ao incrementalismo, possibilitando avanços apenas nas “franjas”, houve inúmeros e inéditos avanços. Avanços esses que, contudo, poderiam ser muito mais significativos. Ainda assim as manchas eleitorais mostram precisamente os locais onde Dilma e Aécio venceram, opondo claramente ricos e pobres. Mais ainda, a violência verbal e simbólica, desferida pela campanha do PSDB aos apoiadores de Dilma, expressa o vigor e a latência do “ódio de classe” vigente no Brasil. Mal comparando, da mesma forma que Hitler não inventou o antisemitismo, também o PSDB não inventou o “ódio” das classes médias e superiores aos pobres: em ambos os casos eram latentes, mas foram organizados – no sentido gramsciano –, enquadrados e vocalizados respectivamente por lideranças e partidos. No caso brasileiro, Aécio se parece com Capriles – o líder venezuelano opositor do chavismo – e o PSDB é cada vez mais um partido de direita, cujo apego ao poder, independentemente dos votos, o aproxima da UDN. Esse livre “passeio histórico” se concatena na tentativa de compreensão do fenômeno que dividiu o país quase ao meio.
Afinal, o aparato ideológico/midiático – representado pela esmagadora maioria de rádios e tvs (que são concessões públicas), jornais e revistas (na quase totalidade), portais (vinculados à grande mídia) e mundo virtual como um todo (no caso, vinculado a essa direita), que tentou golpear ostensivamente a democracia, cujo ápice foi a farsa grotesca da “revista” Veja, em parceria com a Rede Globo – atuou em estreita articulação com o PSDB. Para sorte do Brasil, e particularmente dos pobres e dos democratas, foram derrotados!
De toda forma, a primeira grande lição é que “pactos de união” com esses grupos sociais não garantem absolutamente nada, uma vez que, mesmo sem grandes interesses contestados, quiseram golpear a democracia até o último minuto... e não pararão se não se reformar o sistema político e o sistema midiático e se não se ampliar a participação popular.
A “Venezuela brasileira” deu-se mesmo sem o “radicalismo” chavista. E está e estará pronta para novos golpes. Tais elites não aceitarão a derrota (não por acaso já falam em impeachment da presidente Dilma!), tal como Carlos Lacerda e a UDN o fizeram de forma contumaz.
Portanto, para além dos inúmeros erros do PT, a começar pelo sua tímida capacidade de enfrentar poderes grandiosos e por sua lógica de “jogar o jogo, sem alterá-lo”, que claramente chegou ao fim, a direita raivosa ganhou músculos e considera que poderá vencer daqui para frente – pelo volto e/ou pelo golpe –, ancorada no bastião do atraso: o estado de São Paulo.
Nesse cenário, e com um Congresso mais fragmentado e mais conservador, somente a intensa participação popular e social poderá forçar a realização de reformas: do sistema político, da mídia, tributária, entre outras.
De fato, um “novo governo” precisará emergir: mais popular e participativo, mais à esquerda e mais ousado para enfrentar grandes interesses constituídos. Mas que atue de forma inteligente, articulando-se tática e estratégia com vistas a promover mudanças políticas e sociais.
As mudanças políticas passam pela desprivatização da vida pública, cuja âncora a ser alterada é o financiamento privado, notadamente empresarial, das campanhas e partidos, e pela maior representação dos partidos políticos, diminuindo o peso dos “partidos de aluguel”; pela aprovação da Política Nacional de Participação Social; pela regulamentação da Constituição quanto à mídia, pela aprovação do marco legal da mídia e pelo impedimento do oligopólio que, por seu turno, passa pela revisão da maneira como as concessões e renovações das concessões são feitas. A Lei de Meios é um exemplo exitoso a ser pensado.
Quanto à reforma tributária, o grande objetivo é não apenas taxar as grandes fortunas, mas também reverter a trágica situação de serem os pobres os que mais pagam impostos.
Do ponto de vista social (e trabalhista), o impedimento à derrogação da CLT, intentado fortemente, e parcialmente ocorrido com a introdução da PJ (Pessoa Jurídica), ao lado da garantia do emprego e renda e do gasto social – que deve ser ampliado –, são tarefas fundamentais.
A lista é longa e os compromissos assumidos em campanha são fundamentais para tanto.
Por fim, o grande vitorioso dessa campanha foi a militância: os milhares de apoiadores, militantes, simpatizantes e pessoas comuns que se empenharam cotidianamente para discutir política. Sentiram o que tinham a perder com a dupla Aécio/Armínio e se mobilizaram. Foi, portanto, o cidadão comum o grande agente da vitória de Dilma. A eles, e particularmente aos pobres, é que o segundo Governo Dilma deve se voltar de maneira efetiva.
Reitere-se que algumas tarefas saltam aos olhos: enfrentar a lógica do sistema político, isto é, mudar as regras do jogo; enfrentar o oligopólio oligárquico da mídia, cujo golpismo não tem limites; inverter as premissas do sistema tributário; manter o mercado interno, o emprego, o salário, a renda e os direitos sociais, ampliando-os (por exemplo, por meio do aumento do gasto social referente ao PIB); consolidar a política exterior plural, para além do eixo norte/sul, reforçando os Brics; enfrentar os aspectos perversos do agronegócio, a começar pela dotação orçamentária; rever a dívida interna e avançar rumo a novas formas de desenvolvimento; estabelecer um ciclo virtuoso de crescimento produtivo, impedindo a liberdade dos capitais especulativos; entre inúmeros outros pontos de uma agenda de desenvolvimento econômico/social/ambiental. Em outras palavras, “radicalizar” a democracia, num contexto de crescimento e distribuição de renda.
Sem isso, o golpismo lacerdista, travestido pelo PSDB, permanecerá atuando, em parceria com a mídia e com outros aparatos ideológicos e econômicos, aprofundando o “ódio” de classe.
Adotar políticas específicas às classes médias, notadamente as ascendentes, será fundamental, mas não na perspectiva carcomida do “pacto de todos com todos”, que apenas produz reformas incrementais e nas margens e protegem os interesses essenciais das elites!
O segundo governo Dilma será essencial e estratégico não apenas para os próximos 4 anos, mas para um projeto político de mais longo prazo, e que claramente não se completa em 16 anos.
A grande polarização social, referente a classes sociais, no país (revestida por elementos geográficos), revela um fenômeno curioso: embora os Governos Lula e Dilma, até aqui, tenham feito alianças de classes e políticas incrementais, sem qualquer enfrentamento às elites e aos grandes interesses (capital financeiro, bancos, dívida interna, agronegócio, mídia, sistema político e tributário etc), as classes médias e superiores e parte dos ascendentes têm no PT seu inimigo de morte. Em outras palavras, parece que estamos na Venezuela, sem que haja Chaves nem chavismo! Lá os detentores históricos do poder e de privilégios têm de fato razões – à luz de suas perspectivas – para odiar o chavismo. Afinal, foram feitas inúmeras reformas, inclusive constitucionais, que alteraram fortemente a relação entre as classes sociais e levaram à polarização radical entre essas e os partidos políticos.
No Brasil, ao contrário, o “pacto de classes de todos com todos” permitiu a convivência, embora contraditória, entre agronegócio e sem-terra, lucros bancários exorbitantes e ampliação do crédito, apoio simultâneo a grandes empresas (via BNDES, por exemplo) e ao “pequeno empreendedor”, coalizão conservadora de partidos e participação popular, entre inúmeras outras.
Apesar desse modelo assentado no pacto – conservador por excelência –, que enquadra as reformas ao incrementalismo, possibilitando avanços apenas nas “franjas”, houve inúmeros e inéditos avanços. Avanços esses que, contudo, poderiam ser muito mais significativos. Ainda assim as manchas eleitorais mostram precisamente os locais onde Dilma e Aécio venceram, opondo claramente ricos e pobres. Mais ainda, a violência verbal e simbólica, desferida pela campanha do PSDB aos apoiadores de Dilma, expressa o vigor e a latência do “ódio de classe” vigente no Brasil. Mal comparando, da mesma forma que Hitler não inventou o antisemitismo, também o PSDB não inventou o “ódio” das classes médias e superiores aos pobres: em ambos os casos eram latentes, mas foram organizados – no sentido gramsciano –, enquadrados e vocalizados respectivamente por lideranças e partidos. No caso brasileiro, Aécio se parece com Capriles – o líder venezuelano opositor do chavismo – e o PSDB é cada vez mais um partido de direita, cujo apego ao poder, independentemente dos votos, o aproxima da UDN. Esse livre “passeio histórico” se concatena na tentativa de compreensão do fenômeno que dividiu o país quase ao meio.
Afinal, o aparato ideológico/midiático – representado pela esmagadora maioria de rádios e tvs (que são concessões públicas), jornais e revistas (na quase totalidade), portais (vinculados à grande mídia) e mundo virtual como um todo (no caso, vinculado a essa direita), que tentou golpear ostensivamente a democracia, cujo ápice foi a farsa grotesca da “revista” Veja, em parceria com a Rede Globo – atuou em estreita articulação com o PSDB. Para sorte do Brasil, e particularmente dos pobres e dos democratas, foram derrotados!
De toda forma, a primeira grande lição é que “pactos de união” com esses grupos sociais não garantem absolutamente nada, uma vez que, mesmo sem grandes interesses contestados, quiseram golpear a democracia até o último minuto... e não pararão se não se reformar o sistema político e o sistema midiático e se não se ampliar a participação popular.
A “Venezuela brasileira” deu-se mesmo sem o “radicalismo” chavista. E está e estará pronta para novos golpes. Tais elites não aceitarão a derrota (não por acaso já falam em impeachment da presidente Dilma!), tal como Carlos Lacerda e a UDN o fizeram de forma contumaz.
Portanto, para além dos inúmeros erros do PT, a começar pelo sua tímida capacidade de enfrentar poderes grandiosos e por sua lógica de “jogar o jogo, sem alterá-lo”, que claramente chegou ao fim, a direita raivosa ganhou músculos e considera que poderá vencer daqui para frente – pelo volto e/ou pelo golpe –, ancorada no bastião do atraso: o estado de São Paulo.
Nesse cenário, e com um Congresso mais fragmentado e mais conservador, somente a intensa participação popular e social poderá forçar a realização de reformas: do sistema político, da mídia, tributária, entre outras.
De fato, um “novo governo” precisará emergir: mais popular e participativo, mais à esquerda e mais ousado para enfrentar grandes interesses constituídos. Mas que atue de forma inteligente, articulando-se tática e estratégia com vistas a promover mudanças políticas e sociais.
As mudanças políticas passam pela desprivatização da vida pública, cuja âncora a ser alterada é o financiamento privado, notadamente empresarial, das campanhas e partidos, e pela maior representação dos partidos políticos, diminuindo o peso dos “partidos de aluguel”; pela aprovação da Política Nacional de Participação Social; pela regulamentação da Constituição quanto à mídia, pela aprovação do marco legal da mídia e pelo impedimento do oligopólio que, por seu turno, passa pela revisão da maneira como as concessões e renovações das concessões são feitas. A Lei de Meios é um exemplo exitoso a ser pensado.
Quanto à reforma tributária, o grande objetivo é não apenas taxar as grandes fortunas, mas também reverter a trágica situação de serem os pobres os que mais pagam impostos.
Do ponto de vista social (e trabalhista), o impedimento à derrogação da CLT, intentado fortemente, e parcialmente ocorrido com a introdução da PJ (Pessoa Jurídica), ao lado da garantia do emprego e renda e do gasto social – que deve ser ampliado –, são tarefas fundamentais.
A lista é longa e os compromissos assumidos em campanha são fundamentais para tanto.
Por fim, o grande vitorioso dessa campanha foi a militância: os milhares de apoiadores, militantes, simpatizantes e pessoas comuns que se empenharam cotidianamente para discutir política. Sentiram o que tinham a perder com a dupla Aécio/Armínio e se mobilizaram. Foi, portanto, o cidadão comum o grande agente da vitória de Dilma. A eles, e particularmente aos pobres, é que o segundo Governo Dilma deve se voltar de maneira efetiva.
Reitere-se que algumas tarefas saltam aos olhos: enfrentar a lógica do sistema político, isto é, mudar as regras do jogo; enfrentar o oligopólio oligárquico da mídia, cujo golpismo não tem limites; inverter as premissas do sistema tributário; manter o mercado interno, o emprego, o salário, a renda e os direitos sociais, ampliando-os (por exemplo, por meio do aumento do gasto social referente ao PIB); consolidar a política exterior plural, para além do eixo norte/sul, reforçando os Brics; enfrentar os aspectos perversos do agronegócio, a começar pela dotação orçamentária; rever a dívida interna e avançar rumo a novas formas de desenvolvimento; estabelecer um ciclo virtuoso de crescimento produtivo, impedindo a liberdade dos capitais especulativos; entre inúmeros outros pontos de uma agenda de desenvolvimento econômico/social/ambiental. Em outras palavras, “radicalizar” a democracia, num contexto de crescimento e distribuição de renda.
Sem isso, o golpismo lacerdista, travestido pelo PSDB, permanecerá atuando, em parceria com a mídia e com outros aparatos ideológicos e econômicos, aprofundando o “ódio” de classe.
Adotar políticas específicas às classes médias, notadamente as ascendentes, será fundamental, mas não na perspectiva carcomida do “pacto de todos com todos”, que apenas produz reformas incrementais e nas margens e protegem os interesses essenciais das elites!
O segundo governo Dilma será essencial e estratégico não apenas para os próximos 4 anos, mas para um projeto político de mais longo prazo, e que claramente não se completa em 16 anos.
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