Carta
Maior, 09/10/2014
Avançar ou
regredir?
Por Saul Leblon
Pela
segunda vez nesta campanha, uma densa onda de ‘consenso’ se arremete do
dispositivo conservador para sequestrar o discernimento crítico da sociedade,
inoculando a prostração nos espíritos e o interdito na reflexão.
Um pouco como fazia o coro neoliberal, no arrastão ensurdecedor dos anos 70. ‘Rendam-se, não há alternativa!”, ordena a fuzilaria que coordena denúncias não comprovadas, mas oportunamente vazadas na largada do segundo turno, farto bombardeio seletivo na economia e clima de já ganhou nas bolsas e demais circuitos do dinheiro grosso.
Lembra um pouco, também, o massacre de agosto, quando a então recém assumida candidata do PSB, Marina Silva, emergiu para a disputa levitando em um aluvião de quase santidade, apoios em cascata e inexorabilidade histórica.
A fase alegre dos consensos em torno da terceira via, como se sabe, liquefez-se em semanas.
O que se tenta agora é reeditar o embalo, com um material já de partida um pouco mais gasto.
Sai a terceira. Turbina-se o revival da ‘via única’ dos anos 90, revisitada – acredite-se - na forma de salvação nacional.
À falta de algo melhor, um Churchill das gerais assume o comando.
Se não possui la physique du rôle por conta de outros tantos predicados que não propriamente anatômicos, não se vexa de avocar-se o portador da ‘eficiência e da decência’.
Passemos.
Não se pode negar a audácia diante de uma trajetória –tanto a biográfica, quanto a moldura histórica mais geral - ainda fresca, recheada de marcadores em sentido flagrantemente oposto ao evocado pelos novo salvacionismo.
Apenas para ilustrar: fruto justamente das receitas e práticas servidas agora como o manjar da redenção nacional, o mundo se arrasta há seis anos na maior crise vivida pelo capitalismo desde 1929.
Advém desses hiatos de coerência a sofreguidão perceptível com que os juízes do imaginário social tentam encerrar o jogo antes da hora.
Vale tudo para garantir o placar logo na saída. E há compradores nessa feira de liquidação de escrúpulos.
Epitáfios biográficos saltam aqui e ali do mutirão convocado a dar forma palatável à gororoba indigesta que se enfia na goela da sociedade.
‘Às vezes, o reacionário serve de avanço", salpica o dirigente do Partido Socialista Brasileiro, Roberto Amaral.
O PSB tem história como trincheira da dignidade política.
Nele militaram intelectuais e socialistas como Antonio Cândido, Fúlvio Abramo, Adalgiza Nery, Barbosa Lima Sobrinho, Sergio Buarque de Hollanda, Rogê Ferreira e Arraes, entre outros.
Nesta 4ª feira, a sigla se juntou à nervosa escalada rumo ao que, algo difusamente, denomina-se ‘candidatura da mudança’.
Registre-se, não sem um contundente protesto.
Enquanto a executiva do PSB juntava-se ao PSDB de Aécio Neves, Fernando Henrique e Serra, para derrotar o PT de Lula e Dilma, a deputada Luiza Erundina retirava-se da reunião do partido por não aceitar o cediço passo.
‘Farsa’, disparou na saída.
O jogral conservador insiste que se trata de outra coisa.
Qual seja, salvar o Brasil das mãos do ‘intervencionismo’ anacrônico, que atrapalha os mercados, solapa a confiança dos investidores, dilapida as estatais, paralisa o crescimento.
Nem mais um país; na verdade uma ilha de crise, cercada da oceânica prosperidade mundial, da qual inadvertidamente se apartou.
Será? Vejamos:
‘A produção industrial despencou 4,8% em agosto em relação a julho; as encomendas à indústria caíram 5,7% no mês; sem novas encomendas, outros tombos virão até o final do ano; as exportações cresceram apenas 0,9% no ano passado, contra 8%, em média, antes da crise; as perspectivas de expansão pelo comércio exterior são reduzidas; a queda mensal de 5,8% nas exportações em agosto é a maior desde janeiro de 2009; a tendência do PIB no terceiro trimestre ante o anterior é de uma expansão medíocre da ordem de 0,3%..’
O que mais será preciso dizer?
É preciso dizer que essa autópsia não se refere ao suposto defunto Brasil.
Estamos falando da poderosa Alemanha, de Angela Merkel, que a ninguém ocorreria acusar de negligente com os fundamentos dos mercados. Os mesmos fundamentos vendidos aqui como a redenção da lavoura pelo candidato a Presidente que faz borbulhar de alegria as bolsas.
Dona do parque fabril talvez o mais avançado do mundo, e um dos mais competitivos do planeta, o gargalo da Alemanha sugere que a festança da plutocracia brasileira talvez não incorra apenas em prematuro júbilo eleitoral.
Mais grave é o equívoco de diagnóstico embutido na celebração.
São os ‘erros internos que impedem o Brasil de crescer’, insiste a manchete da Folha, desta 4ª feira, em dueto com o FMI.
A incomoda informação de que a referência de pujança mundial, a inoxidável economia alemã, chafurda na areia movediça da estagnação global, que nem mesmo a recuperação norte-americana consegue romper, não cabe na narrativa da ‘mudança’.
Às favas os ‘detalhes’.
Para glosar Roberto Amaral, ‘às vezes a mentira é o caminho da verdade’.
Sendo assim, espete-se no governo brasileiro os crimes de subsidiar empresas, proteger o mercado interno, gerar empregos, apostar nos Brics e na integração latino-americana, administrar preços, valorizar o poder de compra das famílias assalariadas, multiplicar o crédito, investir em gigantescos programas de infraestrutura, decretar a soberania no pré-sal, impor exigências de conteúdo nacional nas aquisições da Petrobrás etc
Enfim, criar uma barragem de mercado interno que dificulta a aterrisagem da crise, melhor, da ‘bonança mundial’ no país.
Pior que isso: privar os livres mercados da liberdade para fazê-lo, desbastando o custo do trabalho por essas bandas, como fizeram outras nações na esteira da crise.
A essa tarefa tardia se propõe agora a candidatura conservadora.
Os soluços ecoados pela poderosa locomotiva alemã sugerem que o diagnóstico talvez não seja exatamente esse que justificaria o lacto purga ortodoxo. E por uma razão que o conservadorismo finge não saber: o comércio internacional foi soterrado pela aplicação disseminada da receita de arrocho social e fiscal que se pretende adotar aqui.
A ideia genial dos armínios globais de deslocar a oferta de cada economia para a demanda do vizinho colidiu com as leis da física.
Na medida em que todos pularam de cabeça simultaneamente no mesmo espaço, a busca da salvação transformou-se em estagnação coletiva.
O crescimento das exportações tem sido decepcionante em todos os países.
O caso alemão é pedagógico. Mas de igual sina não escapam outros colossos.
Habituada a um crescimento médio das exportações da ordem de 20%, a China assiste ao recuo dessas taxas a menos da metade (8,5%).
Mesmo a festejada recuperação norte-americana carece de demanda externa que compense a anêmica capacidade de consumo de sua arrochada classe média, cujo poder de compra real não cresce há 15 anos.
Que a Casa Branca se desdobre em esforços para impor acordos de livre comércio em todas as latitudes, a exemplo da Aliança do Pacífico, na América Latina, não surpreende.
O que surpreende é a cínica defesa da mesma agenda pelas elites locais, como se isso fosse de fato redimir a economia e o crescimento.
Vai piorar.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) prevê que o oxigênio externo ficará ainda mais rarefeito para os EUA, à medida em que o afrouxamento da liquidez se esgota.
A previsível valorização do dólar tende a encarecer produtos made in USA , dificultando adicionalmente o uso da exportação como acelerador da retomada - a menos que o velho espírito da ALCA volte a reinar abaixo do Rio Grande, por exemplo.
Esse é o mundo em marcha.
Segundo a OMC, nele não há mais espaço para um crescimento do comércio internacional de 5,3% em 2015, como previa. A taxa foi reduzida para 4%, sujeita a novos recortes.
O funil explica também a revisão do FMI, que cortou novamente a previsão para o crescimento mundial em 2015.
Nesse ambiente entupido de produção sem demanda, com elevada capacidade ociosa na indústria, ter moeda valorizada, como é o caso do Real há duas décadas, sem dúvida abre um túnel complacente a importações maciças de manufaturados, com toda a sorte de efeitos deletérios .
A saber: cerca de 25% da manufatura consumida no Brasil atualmente é importada; o déficit externo da indústria local foi de US$ 108 bilhões em 2013, mais de ¼ das reservas cambiais; em uma economia que roça o pleno emprego, as demissões de mão de obra qualificada superam as de menor formação.
Reverter esse flanco é crucial. Não tanto para redimir as exportações, pelas razões expostas acima e, sim, para proteger a industrialização brasileira, trunfo desdenhado pelo conservadorismo.
Não se trata de um cacoete do desenvolvimentismo, como querem os armínios e assemelhados.
A indústria é a usina disseminadora da produtividade na economia.
O investimento industrial qualifica e muda a escala do crescimento. Faz mais que isso: multiplica o excedente indispensável a uma sociedade que aspira dar novos saltos de convergência da renda e de direitos.
A defesa da industrialização brasileira é um imperativo da democracia e do desenvolvimento. E ela colide com as teses da derrubada irrestrita de tarifas protecionistas esposadas pelo conservadorismo.
Não só.
Se o Brasil asfixiar seu dinamismo interno, pela receita do arrocho, num mundo em que nem a lubrificada máquina exportadora germânica funciona, o que lhe restará?
Restará uma nação encurralada no menosprezo aos seus próprios trunfos, entre eles um gigantesco mercado de massa e uma indústria já carente de impulsos para modernizar-se.
Delineiam-se, portanto, dois caminhos na travessia para um novo ciclo de desenvolvimento.
Um, implica a repactuação democrática das linhas de passagem que garantam a matriz de um crescimento ordenado pela justiça social.
Não é isenta de algum sacrifício programado, alerte-se.
Mas disporá de salvaguardas que interliguem esse passo a um calendário de ganhos progressivos.
A outra, simplifica a tarefa. Terceirizando-a à ‘racionalidade’ dos livres mercados, como vem sendo feito em uma Europa em carne viva, há quatro anos submetida à lixadeira neoliberal.
A escolha conservadora dispensa o penoso trabalho de coordenação política da economia, associado à mediação dos conflitos inerentes às escolhas do desenvolvimento.
Dispensa-se a reforma política, prescinde-se da maior participação social, rejeita-se, por incompatível, uma regulação do sistema de comunicação, capaz de torna-lo mais poroso à expressão dos diferentes interesses da sociedade.
A festejada ‘racionalidade dos mercados’, no entanto, é só nome fantasia do despotismo econômico.
Na verdade, armínios e assemelhados, organicamente conectados aos detentores da riqueza local e global, manipulam as ferramentas macroeconômicas arbitrando quem vai ganhar e quanto as famílias assalariadas vão perder na contabilidade do processo.
O que o conservadorismo pleiteia neste 2º turno é sancionar essa carta branca sob o difuso guarda-chuva de ‘mudança’, para não se defrontar com a questão-chave da disputa.
O Brasil vai passar pelas dores do parto que marcam o reordenamento do seu novo ciclo econômico.
É uma repactuação incontornável na vida da nação.
E ela terá que ser construída sobre um tecido social redesenhado pela emergência dos grandes contingentes populares que ingressaram no mercado e na cidadania nos últimos doze anos.
A escolha é reordenar a macroeconomia em negociação permanente com eles.
Ou contra eles.
Não há terceira via, via única ou neutralidade que elida essa disjuntiva.
Não se trata de discurso do medo.
É mais grave que isso.
É um divisor histórico. Local e global.
Os próximos quatro anos serão decisivos na construção do país que o Brasil quer ser no século XXI.
Conquistas e riquezas promissoras podem florescer ou regredir.
Não cabe lavar as mãos nas águas dos princípios imaculados.
Nem edulcorar táticas de rendição.
Nenhum projeto reacionário serve de avanço quando ele tem o comando do processo.
Nenhum princípio tem pertinência política se é incapaz de agir na correlação de força de uma época.
As ideias pertencem ao mundo através da ação.
A ação hoje inclui uma escolha: lutar para avançar ou regredir?
Dilma ou Aécio?
Um pouco como fazia o coro neoliberal, no arrastão ensurdecedor dos anos 70. ‘Rendam-se, não há alternativa!”, ordena a fuzilaria que coordena denúncias não comprovadas, mas oportunamente vazadas na largada do segundo turno, farto bombardeio seletivo na economia e clima de já ganhou nas bolsas e demais circuitos do dinheiro grosso.
Lembra um pouco, também, o massacre de agosto, quando a então recém assumida candidata do PSB, Marina Silva, emergiu para a disputa levitando em um aluvião de quase santidade, apoios em cascata e inexorabilidade histórica.
A fase alegre dos consensos em torno da terceira via, como se sabe, liquefez-se em semanas.
O que se tenta agora é reeditar o embalo, com um material já de partida um pouco mais gasto.
Sai a terceira. Turbina-se o revival da ‘via única’ dos anos 90, revisitada – acredite-se - na forma de salvação nacional.
À falta de algo melhor, um Churchill das gerais assume o comando.
Se não possui la physique du rôle por conta de outros tantos predicados que não propriamente anatômicos, não se vexa de avocar-se o portador da ‘eficiência e da decência’.
Passemos.
Não se pode negar a audácia diante de uma trajetória –tanto a biográfica, quanto a moldura histórica mais geral - ainda fresca, recheada de marcadores em sentido flagrantemente oposto ao evocado pelos novo salvacionismo.
Apenas para ilustrar: fruto justamente das receitas e práticas servidas agora como o manjar da redenção nacional, o mundo se arrasta há seis anos na maior crise vivida pelo capitalismo desde 1929.
Advém desses hiatos de coerência a sofreguidão perceptível com que os juízes do imaginário social tentam encerrar o jogo antes da hora.
Vale tudo para garantir o placar logo na saída. E há compradores nessa feira de liquidação de escrúpulos.
Epitáfios biográficos saltam aqui e ali do mutirão convocado a dar forma palatável à gororoba indigesta que se enfia na goela da sociedade.
‘Às vezes, o reacionário serve de avanço", salpica o dirigente do Partido Socialista Brasileiro, Roberto Amaral.
O PSB tem história como trincheira da dignidade política.
Nele militaram intelectuais e socialistas como Antonio Cândido, Fúlvio Abramo, Adalgiza Nery, Barbosa Lima Sobrinho, Sergio Buarque de Hollanda, Rogê Ferreira e Arraes, entre outros.
Nesta 4ª feira, a sigla se juntou à nervosa escalada rumo ao que, algo difusamente, denomina-se ‘candidatura da mudança’.
Registre-se, não sem um contundente protesto.
Enquanto a executiva do PSB juntava-se ao PSDB de Aécio Neves, Fernando Henrique e Serra, para derrotar o PT de Lula e Dilma, a deputada Luiza Erundina retirava-se da reunião do partido por não aceitar o cediço passo.
‘Farsa’, disparou na saída.
O jogral conservador insiste que se trata de outra coisa.
Qual seja, salvar o Brasil das mãos do ‘intervencionismo’ anacrônico, que atrapalha os mercados, solapa a confiança dos investidores, dilapida as estatais, paralisa o crescimento.
Nem mais um país; na verdade uma ilha de crise, cercada da oceânica prosperidade mundial, da qual inadvertidamente se apartou.
Será? Vejamos:
‘A produção industrial despencou 4,8% em agosto em relação a julho; as encomendas à indústria caíram 5,7% no mês; sem novas encomendas, outros tombos virão até o final do ano; as exportações cresceram apenas 0,9% no ano passado, contra 8%, em média, antes da crise; as perspectivas de expansão pelo comércio exterior são reduzidas; a queda mensal de 5,8% nas exportações em agosto é a maior desde janeiro de 2009; a tendência do PIB no terceiro trimestre ante o anterior é de uma expansão medíocre da ordem de 0,3%..’
O que mais será preciso dizer?
É preciso dizer que essa autópsia não se refere ao suposto defunto Brasil.
Estamos falando da poderosa Alemanha, de Angela Merkel, que a ninguém ocorreria acusar de negligente com os fundamentos dos mercados. Os mesmos fundamentos vendidos aqui como a redenção da lavoura pelo candidato a Presidente que faz borbulhar de alegria as bolsas.
Dona do parque fabril talvez o mais avançado do mundo, e um dos mais competitivos do planeta, o gargalo da Alemanha sugere que a festança da plutocracia brasileira talvez não incorra apenas em prematuro júbilo eleitoral.
Mais grave é o equívoco de diagnóstico embutido na celebração.
São os ‘erros internos que impedem o Brasil de crescer’, insiste a manchete da Folha, desta 4ª feira, em dueto com o FMI.
A incomoda informação de que a referência de pujança mundial, a inoxidável economia alemã, chafurda na areia movediça da estagnação global, que nem mesmo a recuperação norte-americana consegue romper, não cabe na narrativa da ‘mudança’.
Às favas os ‘detalhes’.
Para glosar Roberto Amaral, ‘às vezes a mentira é o caminho da verdade’.
Sendo assim, espete-se no governo brasileiro os crimes de subsidiar empresas, proteger o mercado interno, gerar empregos, apostar nos Brics e na integração latino-americana, administrar preços, valorizar o poder de compra das famílias assalariadas, multiplicar o crédito, investir em gigantescos programas de infraestrutura, decretar a soberania no pré-sal, impor exigências de conteúdo nacional nas aquisições da Petrobrás etc
Enfim, criar uma barragem de mercado interno que dificulta a aterrisagem da crise, melhor, da ‘bonança mundial’ no país.
Pior que isso: privar os livres mercados da liberdade para fazê-lo, desbastando o custo do trabalho por essas bandas, como fizeram outras nações na esteira da crise.
A essa tarefa tardia se propõe agora a candidatura conservadora.
Os soluços ecoados pela poderosa locomotiva alemã sugerem que o diagnóstico talvez não seja exatamente esse que justificaria o lacto purga ortodoxo. E por uma razão que o conservadorismo finge não saber: o comércio internacional foi soterrado pela aplicação disseminada da receita de arrocho social e fiscal que se pretende adotar aqui.
A ideia genial dos armínios globais de deslocar a oferta de cada economia para a demanda do vizinho colidiu com as leis da física.
Na medida em que todos pularam de cabeça simultaneamente no mesmo espaço, a busca da salvação transformou-se em estagnação coletiva.
O crescimento das exportações tem sido decepcionante em todos os países.
O caso alemão é pedagógico. Mas de igual sina não escapam outros colossos.
Habituada a um crescimento médio das exportações da ordem de 20%, a China assiste ao recuo dessas taxas a menos da metade (8,5%).
Mesmo a festejada recuperação norte-americana carece de demanda externa que compense a anêmica capacidade de consumo de sua arrochada classe média, cujo poder de compra real não cresce há 15 anos.
Que a Casa Branca se desdobre em esforços para impor acordos de livre comércio em todas as latitudes, a exemplo da Aliança do Pacífico, na América Latina, não surpreende.
O que surpreende é a cínica defesa da mesma agenda pelas elites locais, como se isso fosse de fato redimir a economia e o crescimento.
Vai piorar.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) prevê que o oxigênio externo ficará ainda mais rarefeito para os EUA, à medida em que o afrouxamento da liquidez se esgota.
A previsível valorização do dólar tende a encarecer produtos made in USA , dificultando adicionalmente o uso da exportação como acelerador da retomada - a menos que o velho espírito da ALCA volte a reinar abaixo do Rio Grande, por exemplo.
Esse é o mundo em marcha.
Segundo a OMC, nele não há mais espaço para um crescimento do comércio internacional de 5,3% em 2015, como previa. A taxa foi reduzida para 4%, sujeita a novos recortes.
O funil explica também a revisão do FMI, que cortou novamente a previsão para o crescimento mundial em 2015.
Nesse ambiente entupido de produção sem demanda, com elevada capacidade ociosa na indústria, ter moeda valorizada, como é o caso do Real há duas décadas, sem dúvida abre um túnel complacente a importações maciças de manufaturados, com toda a sorte de efeitos deletérios .
A saber: cerca de 25% da manufatura consumida no Brasil atualmente é importada; o déficit externo da indústria local foi de US$ 108 bilhões em 2013, mais de ¼ das reservas cambiais; em uma economia que roça o pleno emprego, as demissões de mão de obra qualificada superam as de menor formação.
Reverter esse flanco é crucial. Não tanto para redimir as exportações, pelas razões expostas acima e, sim, para proteger a industrialização brasileira, trunfo desdenhado pelo conservadorismo.
Não se trata de um cacoete do desenvolvimentismo, como querem os armínios e assemelhados.
A indústria é a usina disseminadora da produtividade na economia.
O investimento industrial qualifica e muda a escala do crescimento. Faz mais que isso: multiplica o excedente indispensável a uma sociedade que aspira dar novos saltos de convergência da renda e de direitos.
A defesa da industrialização brasileira é um imperativo da democracia e do desenvolvimento. E ela colide com as teses da derrubada irrestrita de tarifas protecionistas esposadas pelo conservadorismo.
Não só.
Se o Brasil asfixiar seu dinamismo interno, pela receita do arrocho, num mundo em que nem a lubrificada máquina exportadora germânica funciona, o que lhe restará?
Restará uma nação encurralada no menosprezo aos seus próprios trunfos, entre eles um gigantesco mercado de massa e uma indústria já carente de impulsos para modernizar-se.
Delineiam-se, portanto, dois caminhos na travessia para um novo ciclo de desenvolvimento.
Um, implica a repactuação democrática das linhas de passagem que garantam a matriz de um crescimento ordenado pela justiça social.
Não é isenta de algum sacrifício programado, alerte-se.
Mas disporá de salvaguardas que interliguem esse passo a um calendário de ganhos progressivos.
A outra, simplifica a tarefa. Terceirizando-a à ‘racionalidade’ dos livres mercados, como vem sendo feito em uma Europa em carne viva, há quatro anos submetida à lixadeira neoliberal.
A escolha conservadora dispensa o penoso trabalho de coordenação política da economia, associado à mediação dos conflitos inerentes às escolhas do desenvolvimento.
Dispensa-se a reforma política, prescinde-se da maior participação social, rejeita-se, por incompatível, uma regulação do sistema de comunicação, capaz de torna-lo mais poroso à expressão dos diferentes interesses da sociedade.
A festejada ‘racionalidade dos mercados’, no entanto, é só nome fantasia do despotismo econômico.
Na verdade, armínios e assemelhados, organicamente conectados aos detentores da riqueza local e global, manipulam as ferramentas macroeconômicas arbitrando quem vai ganhar e quanto as famílias assalariadas vão perder na contabilidade do processo.
O que o conservadorismo pleiteia neste 2º turno é sancionar essa carta branca sob o difuso guarda-chuva de ‘mudança’, para não se defrontar com a questão-chave da disputa.
O Brasil vai passar pelas dores do parto que marcam o reordenamento do seu novo ciclo econômico.
É uma repactuação incontornável na vida da nação.
E ela terá que ser construída sobre um tecido social redesenhado pela emergência dos grandes contingentes populares que ingressaram no mercado e na cidadania nos últimos doze anos.
A escolha é reordenar a macroeconomia em negociação permanente com eles.
Ou contra eles.
Não há terceira via, via única ou neutralidade que elida essa disjuntiva.
Não se trata de discurso do medo.
É mais grave que isso.
É um divisor histórico. Local e global.
Os próximos quatro anos serão decisivos na construção do país que o Brasil quer ser no século XXI.
Conquistas e riquezas promissoras podem florescer ou regredir.
Não cabe lavar as mãos nas águas dos princípios imaculados.
Nem edulcorar táticas de rendição.
Nenhum projeto reacionário serve de avanço quando ele tem o comando do processo.
Nenhum princípio tem pertinência política se é incapaz de agir na correlação de força de uma época.
As ideias pertencem ao mundo através da ação.
A ação hoje inclui uma escolha: lutar para avançar ou regredir?
Dilma ou Aécio?
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