quinta-feira, 31 de julho de 2014

Fracking: A polêmica do gás não convencional em debate





http://www.aepet.org.br/site/noticias/preview/11615/A-polmica-do-gs-no-convencional-em-debate




AEPET, 31/07/2014


A polêmica do gás não convencional em debate

 


Evento realizado no Sindipetro-RJ no dia 28 de julho, discutiu a exploração do gás não convencional, através do método do fraturamento hidrológico (fracking). Os palestrantes abordaram o tema sob diversos ângulos e foram unânimes na condenação do método, já proibido na França e na Romênia.
A luta contra o fracking tem mobilizado ambientalistas em vários países do mundo. Em nome da Campanha Todo o Petróleo Tem que Ser Nosso, o engenheiro Fernando Siqueira exibiu gráficos, pesquisas e documentos que não deixam margem para dúvidas; o Brasil tem petróleo em abundância e outras fontes de energia não havendo a menor necessidade de recorrer à exploração de gás não convencial pelo método fracking.
Siqueira considera que essa é uma imposição dos Estados Unidos para forçar a queda do preço do barril de petróleo no mercado internacional. Afirma que não faz o menor sentido para a América Latina, sobretudo o Brasil, submeter-se a essas imposições.
A argentina Diana López, do Observatorio Petroleo Sur, narrou a experiência do fracking em seu país. Lá a utilização do método na exploração de petróleo e gás não convencionais avança na mesma proporção em que se organiza a resistência popular. Diana afirma que pelo menos 30 cidades portenhas já proibiram o fracking. Mas novos territórios são ocupados, visando a exploração de gás, ameaçando terras indígenas e áreas agrícolas, com graves prejuízos para a exportação de frutas, por exemplo. Na sua avaliação, “a Argentina virou um laboratório para a América Latina”.
A pesquisadora Bianca Diele trabalha na Fiocruz e também atua no Fórum dos Atingidos pela Indústria do Petróleo e Petroquímica nas Cercanias da Baía da Guanabara (FAPP-BG). Ela chama atenção para um detalhe nada desprezível. Os mapas da ANP costumam mostrar o subsolo, mas as informações sobre quem vive acima do solo e que culturas se desenvolvem nessas localidades são sonegadas. Uma de suas preocupações centrais é com as pessoas, seu modo de vida e com o direito de ser ouvido que deveria ser garantido a cada um dos atingidos.
Antônio Terra representou a Campanha por Um Brasil Livre de Fracking, liderada pela Associação dos Servidores do Ibama. A entidade reuniu farta documentação científica, condenando o fracking, por provocar danos irremediáveis ao ambiente, sendo uma das conseqüências mais prováveis a contaminação do lençol freático. A ANP, no entanto, se fechou ao diálogo. Interesses empresariais foram colocados à frente da razão e do bom senso.
O seminário foi uma realização conjunta da:Campanha Por um Brasil Livre de Fracking (Ascema Nacional e Asibama/RJ); Fórum dos Atingidos pela Indústria do Petróleo e Petroquímica das Cercanias da Baía de Guanabara (Fapp-BG), Campanha Todo o Petróleo Tem que Ser Nosso/Sindipetro-RJ; e Observatório Petróleo Sur (Argentina). (Fonte: APN)

terça-feira, 29 de julho de 2014

Asterix ironiza os lugares-comuns sobre a Europa




http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed809_asterix_ironiza_os_lugares_comuns_sobre_a_europa



Terça-feira, 29 de Julho de 2014



Asterix ironiza os lugares-comuns sobre a Europa



Por Guillermo Altares, do El País


No último inverno europeu, aconteceram em Paris duas exposições de histórias em quadrinhos excepcionais e, aparentemente, opostas. Uma, na Biblioteca Nacional, era dedicada a Asterix e Obelix, a história em quadrinhos mais francesa possível, com seus bigodudos e seus banquetes de javalis. Outra, muito mais modesta, percorria, no Museu Nacional da Imigração, a relação entre os quadrinhos e a imigração. Esta última mostrava exatamente todo o contrário da idealização nacionalista de Asterix, apresentando a França como produto de um cruzamento de culturas, como um caldeirão. “Nossos ancestrais não eram todos gauleses”, dizia o cartaz que recebia os visitantes. O poder dos personagens criados em 1959 por René Goscinny e Albert Uderzo é tão forte que formam parte do imaginário europeu como se fossem uma referencia real, como se, efetivamente, a poção mágica pudesse ser comprada nas farmácias. O escritor, dramaturgo e cineasta Marcel Pagnol, autor de obras que todos os estudantes franceses leem para fazer o vestibular, afirmou depois de aparecer na revista Asterix e a Volta à Gália: “Agora sei que serei imortal”. Apenas oito anos depois do nascimento da revista com os personagens, uma pesquisa de opinião revelou que dois de cada três franceses a tinham lido.
Asterix, o gaulês, o primeiro volume da saga, teve uma tiragem inicial de 6.000 exemplares. Pouco depois, com a produção a todo vapor, a um ritmo de duas revistas por ano a partir de 1965, superava o milhão de exemplares só na primeira edição francesa de cada título. O último, Asterix entre os Pictos – o primeiro a não ser assinado nem por Uderzo, que decidiu se aposentar com 87 anos e que ademais está envolvido em uma sinistra disputa familiar, nem por Goscinny, que morreu de infarto em 1977, aos 51 anos –, voltou a ser um sucesso apesar de estar a anos-luz dos grandes títulos da saga. No total, foram vendidos 300 milhões de álbuns em 57 línguas.
Mary Beard – especialista no mundo romano da Universidade de Cambridge (leia uma entrevista com ela em espanhol) – se perguntava em seu último livro, Confronting the classics (Confrontando os clássicos, em tradução livre, não publicado no Brasil), sobre o motivo do sucesso de Asterix e também sobre a dificuldade para exportar a historieta aos Estados Unidos, um dos últimos lugares do Ocidente imunes à poção mágica e, em geral, à chamada linha clara europeia (tipo história em quadrinhos feita com desenhos de linhas de espessura uniforme, narrativa linear e bem-humorada e temática que privilegia a aventura e referências históricas). “Asterix é selvagemente europeu”, explicava Beard. “O legado do Império Romano proporciona um marco dentro da cultura popular para que os diferentes países europeus falem sobre cada um deles, sobre sua história e seus mitos compartilhados”. Como diriam os Monty Python, o sucesso do povo gaulês se explica pelo que os romanos fizeram por nós, pelas marcas – culturais e não apenas linguísticas – que Roma deixou.


Simples e bom

Beard enfatiza que a série explora a relação dos nacionalismos com os inimigos de Roma, de Útica a Viriato, e que, desde seu nascimento, foi submetida a interpretações políticas mais ou menos forçadas. De fato, na França, os indomáveis gauleses são utilizados por todos os campos: pelo lepenismo – como símbolo da resistência da quintessência francesa contra qualquer coisa vinda de fora (sejam imigrantes ou queijos) –, mas também são considerados como símbolo da tolerância frente a qualquer ideia imperial e como um canto à solidariedade (os gauleses passam a vida ajudando qualquer um que passe pela aldeia). “As crianças que leem Asterix se projetam em um passado no qual existe um pequeno povoado que resiste a um império invasor. Tenho de confessar que imaginava a história assim: gente que tratava de defender sua cultura, sua forma de viver e que tinha uma poção mágica para poder fazê-lo”, afirma o ex-jogador de futebol Lilian Thuram, presidente da fundação Educação contra o Racismo, no magnífico catálogo da exposição de Paris, Asterix de A a Z.
Asterix desenvolveu uma linguagem própria, conseguiu que todos nós caíssemos dentro do caldeirão quando éramos pequenos. Também funciona porque é uma espécie de Ocho apellidos vascos (Oito sobrenomes bascos, em tradução livre, filme de grande sucesso atualmente na Espanha, inédito no Brasil) europeu: sabe fazer rir com uma hábil mistura de mal humor, proximidade e ironia em relação a todos os lugares-comuns da Europa, do sigilo bancário suíço à toxicidade dos queijos da Córsega, passando pela péssima comida inglesa ou a teimosia espanhola (a relação de Obelix com Pepe em Asterix na Hispânia figura entre os melhores momentos da série). Mas, acima de tudo, o segredo de Asterix é muito simples: é muito bom. Os desenhos são magníficos, as piadas são descomunais e não envelhecem, muito pelo contrário.

A guerra enganadora de Israel, de 2014

Observe-se que o autor deste texto é judeu.






http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/A-guerra-enganadora-de-Israel-de-2014/6/31484



Carta Maior, 29/07/2014 


A guerra enganadora de Israel, de 2014



Por Gideon Levy - Haartez



Começa como uma guerra de escolha: uma política israelense diferente nos últimos meses a teria evitado. Evoluiu para uma guerra sem sentido. Já é bastante óbvio que isso não resultará em qualquer conquista de longo prazo. Pode ainda deteriorar-se num desastre, e no final, vir a ter sido uma guerra de engano – Israel mentiu para si mesmo até arruinar-se.

O primeiro engano foi o de que não havia alternativa. É verdade, quando vários foguetes caem em Israel, tornou-se o caso. Mas e os passos que levaram a eles? Foram passos para os quais houve outras opções. Não é difícil imaginar o que teria acontecido se Israel não tivesse suspendido as conversações de paz; se não tivesse lançado uma guerra total contra o Hamas na Cisjordânia, no rastro do assassinato de três adolescentes israelenses; não teriam deixado de realizar a transferência de recursos destinados ao pagamento de salários na Faixa de Gaza; não seriam se oposto ao governo de unidade palestina, e teriam atenuado o bloqueio da Faixa de Gaza.

Os foguetes Qassam foram uma resposta às escolhas de Israel. Depois que os objetivos se amontoaram, como sempre ocorre em guerras – de parar os foguetes, para encontrar e destruir túneis, e para a desmilitarização de Gaza. Eles podem bem continuar a crescerem, para sabe-se lá o que mais. “O silêncio será recebido com calma”. Lembram disso? Na sexta-feira, Israel rejeitou a proposta de cessar-fogo do Secretário de Estado John Kerry.

O segundo engano é que a ocupação da Faixa de Gaza acabou. Imagine um enclave sitiado, cujos habitantes estão aprisionados, com a maioria dos seus negócios e atividades controlados por um outro estado – da manutenção do registro populacional ao comando de sua economia, inclusive proibindo exportações e restringindo a pesca, e que voa no seu céu e ocasionalmente invade o seu território. Isso não é ocupação?

O terceiro engano é a afirmação de que as Forças de Defesa de Israel “fazem tudo o que está em seu alcance” para evitar a morte de civis. Já passamos dos primeiros mil civis mortos, um número assustador deles de crianças e a maioria dele de civis
; com uma vizinhança que foi destruída e 150 mil pessoas desalojadas sem lugar a salvo para onde escapar. Tudo isso torna essa afirmação nada mais que uma piada cruel.

A afirmação de que o mundo apoia a guerra e reconhece sua justeza também é um engodo israelense. Embora seja verdade que os políticos ocidentais reiterem que Israel tem o direito de se defender, os corpos que vão se empilhando e os refugiados desesperados estão decepcionando o mundo e gerando ódio contra Israel. Finalmente, até os estadistas que apoiam Israel lhe deram as costas.

O próximo engodo é que a guerra mostrou ser “o Povo de Israel”  uma “nação maravilhosa”. Essa campanha mentirosa, intoxicante e autocongratulatória e melosa já dura há tempo. A nação se moveu para dar suporte às trovas, e assim segue. Mas além das vans cheias de doces e de caminhões com pacotes de roupas íntimas, e funerais para soldados cujas famílias vivem no exterior, que milhares de israelenses acompanharam e as demonstrações de preocupação com os feridos, essa guerra também expôs outros comportamentos, em toda a sua feiura. Os “soldados do comitê de bem estar” que são o Povo de Israel, expôs indiferença em relação ao sofrimento do outro lado. Nem um gesto de compaixão, nem um pingo de humanidade, nenhum choque, nenhuma empatia pela sua dor. As imagens horríveis de Gaza – elas não são nada menos que horríveis – são recebidas aqui com algo entre um bocejo e uma alegria. Um povo que se comporta assim não merece os elogios que acumula sobre si. Quando as pessoas estão morrendo em Gaza e, em TelAviv, as pessoas estão desinteressadas, não há razão para celebração.

Nem há causa para celebração no incidente da campanha contra meia dúzia de pessoas que se opõem à guerra. Do gabinete de ministros e membros do parlamento para as ruas e os caras da internet – um vento doente está soprando. Somente cidadãos obedientes. “Unidade israelense”? “A nação é uma grande família?”. Isso é uma piada. Assim como é piada a cobertura midiática israelense em tempos de guerra, uma rede de propaganda cujos membros emitem notícias para si mesmos, a título de autoelogio ou exortação, para incitar e instigar – e para fechar os próprios olhos.

E a maior piada de todas, a mãe de todos os enganos: a crença na retidão de seus métodos. O slogan da “guerra justa” é repetido com tanta frequência, ad nauseam, que se começa a suspeitar que até aqueles que o entoam em mais alta voz começam a duvidar, não fosse assim, não estariam gritando tão alto e não combateriam tão facilmente os poucos que tentam expressar uma opinião diferente. Afinal de contas, como uma guerra preventiva pode ser justificada? E como se pode enrolar a si mesmo nessa retidão, na presença do show de horrores das imagens de Gaza?

Talvez o chão esteja queimando sob os pés dos membros desse coro de justificadores da guerra, também. Talvez eles também tenham entendido que, quando as batalhas acabam, o quadro real se torna claro. É assim que sempre ocorre em guerras enganadoras, e é assim que a guerra de 2014 também vai se mostrar.

Tradução: Louise Antônia León

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Uma "goleada" de quase 300 a 1



http://www.maurosantayana.com/2014/07/a-tragedia-palestina-e-vitoria-dos.html



Blog do Santayana, 27/07/2014


A TRAGÉDIA PALESTINA E A VITÓRIA DOS “ANÕES DIPLOMÁTICOS” SOBRE OS ISRAELENSES NA ONU.



 


Por Mauro Santayana


O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor, deve estar achando o máximo ter sido repentinamente elevado, pela rançosa e entreguista direita latino-americana - como o Sr. Andrés Oppenheimer - à condição de “superstar”, depois de ter chamado o Brasil de “anão diplomático” e de ter nos lembrado, com a autoridade moral de um lagarto, que “desproporcional é perder de 7 x 1”, referindo-se à Copa do Mundo, e não, matar e ferir mais de 3.000 pessoas e desalojar quase 200.000, para “vingar” um número de vítimas civis que não chegam a cinco.

Com acesso a drones e a sofisticados satélites de vigilância norte-americanos, e a compra de espiões em território “controlado” pelo Hamas – traidores e mercenários existem em todos os lugares - Israel poderia, se quisesse, capturar ou eliminar, com facilidade, em poucos meses, os responsáveis pelo lançamento de foguetes contra seu território, assim como alega contar com eficaz escudo que o protege da maioria deles.

O governo de Telaviv - e o Mossad - não o faz porque não quer. Prefere transformar sua resposta em expedições punitivas não contra os responsáveis pelos projéteis, mas contra todo o povo palestino, matando e mutilando - como fizeram os nazistas com os próprios judeus na Segunda Guerra Mundial- milhares de pessoas, apenas pelo fato de serem palestinos.      

Essa atitude, no entanto, não impediria que surgissem novos militantes dispostos a encarar a morte, para continuar afirmando – pelo único meio que bélico lhes restou - que a resistência palestina continua viva.

Do meu ponto de vista, nesse contexto de cruel surrealismo e interminável violência do confronto, para chamar a atenção do mundo, os palestinos, principalmente os que não estão ligados a grupos de inspiração islâmica, deveriam não comprar mais pólvora, mas tecido.

Milhares e milhares de metros de pano listrado, como aqueles que eram fabricados por ordem do Konzentrationslager Inspetorate, e das SS, na Alemanha Nazista, para vestir entre outros, os prisioneiros judeus dos campos de extermínio.

Os milhões de palestinos que vivem na Cisjordânia e na Faixa de Gaza poderiam - como fez Ghandi na Índia - adotar a não violência, raspar as suas cabeças, as de suas mulheres e filhos, como raspadas foram as cabeças dos milhões de judeus que pereceram na Segunda Guerra Mundial, tatuar em seus braços, com números e caracteres hebraicos, a sua condição de prisioneiros do Estado de Israel, costurar, no peito de seus uniformes, o triângulo vermelho e as três faixas da bandeira palestina, para ser bombardeados ou morrer envoltos na mesma indumentária das milhões de vítimas que pereceram em lugares como Auschwitz, Treblinka e Birkenau.

Quem sabe, assim, eles poderiam assumir sua real condição de prisioneiros, que vivem cercados dentro de campos e de guetos, por tropas de um governo que não é o seu, e que, em última instância, controla totalmente o seu destino.

Quem sabe, despindo-se de suas vestimentas árabes, das barbas e bigodes de seus homens, dos véus e longos cabelos de  suas mulheres, despersonalizando-se, como os nazistas faziam com seus prisioneiros, anulando os últimos resquícios de sua individualidade, os palestinos não poderiam se aproximar mais dos judeus, mostrando-lhes, aos que estão do outro lado do muro e aos povos  do resto do mundo - com imagens semelhantes às do holocausto – que pertencem à mesma humanidade, que são, da mesma forma,  tão vulneráveis à doença, aos cassetetes, às balas, ao desespero, à tristeza e à fome, quanto aqueles que agora os estão bombardeando.

As razões da repentina e grosseira resposta israelense contra o Brasil - que ressaltou, desde o início, o direito de Israel a defender-se - devem ser buscadas não no “nanismo” diplomático brasileiro, mas no do próprio governo sionista.

É óbvio, como disse Yigal Palmor, que no esporte bretão 7 a 1 é um número desproporcional e acachapante.

Já no seu campo de trabalho - a diplomacia –como mostrou o resultado da votação do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que aprovou, há três dias, a investigação das ações israelenses em Gaza, os “anões” diplomáticos - entre eles o Brasil, que também votou contra a posição israelense - ganharam por 29 a 1, com maioria de países do BRICS e latino-americanos. Só houve um voto a favor de Telaviv, justamente o dos EUA.

Concluindo, se Palmor – que parece falar em nome do governo israelense, já que até agora sequer foi admoestado - quiser exemplo matemático ainda mais contundente, bastaria  lembrar-lhe que, no covarde “esporte” de matar seres humanos indefesos – entre eles velhos, mulheres e crianças –  disputado pelo Hamas e a direita sionista israelense, seu governo está ganhando de goleada, desde o início da crise, pelo brutal - e desproporcional placar - de quase 300 vítimas palestinas para cada civil israelense.








Carta Maior, 24/07/2014 


Mídia israelense abre pouco espaço aos críticos da guerra



Por
Bettina Marx


Em Israel, quem se opõe à ofensiva militar do país à Faixa de Gaza tem dificuldades na mídia local. De modo geral, não se pode sequer terminar uma frase antes de ser interrompido. Em debates televisivos, as animosidades não vêm apenas dos demais participantes. Os próprios moderadores não costumam tolerar opiniões que fujam do consenso. Ao tentar expressar seu ponto de vista, as vozes divergentes são imediatamente caladas.

Num estúdio de televisão, Yeshuda Shaul – da Breaking the Silence, organização de ex-soldados contrários à ocupação militar de Gaza – sentava-se entre um jornalista e o apresentador de rádio Sharon Gal. Ao anunciar uma manifestação contra a ofensiva militar marcada para aquele dia, ele logo recebeu duras críticas do radialista. "Você é judeu e deveria se envergonhar. Deveria vestir seu uniforme e ir à Faixa de Gaza, ao invés de ficar sentado em estúdios de televisão e organizando protestos", disparou Gal.

Quem também participava do debate era o parlamentar da Knesset – o Parlamento israelense – Muhammad Barakeh. De origem árabe, ele também acabou se transformando em alvo da ira do radialista. "O senhor é um mentiroso, um criminoso, e não deviam ter deixado que falasse aqui. Vá aparecer na televisão do Hamas. O senhor apoia o Hamas!", disse Gal.

Nervos à flor da pele
Assim é Israel nos dias de hoje. O clima de crise toma conta de todo o país. Os três canais de televisão – um público e dois privados – estão no ar 24 horas. "Um Estado sob fogo", dizem as chamadas sensacionalistas.

Nos últimos dias, o jornalista Gideon Levy acabou se tornando a figura central de uma grande controvérsia. Num artigo no jornal israelense Haaretz, ele criticou os pilotos da Força Aérea por suas missões sobre a Faixa de Gaza. "Vocês nunca viram uma aeronave inimiga. A última batalha da Força Aérea israelense aconteceu antes de vocês nascerem. Vocês nunca viram o branco dos olhos de seus inimigos, tampouco o vermelho do sangue de suas vítimas. Vocês são heróis que lutam contra os mais fracos e desamparados, aqueles que sequer possuem uma Força Aérea ou defesa antiaérea e que mal sabem empinar uma pipa."

O texto provocou uma enxurrada de reações. Os pilotos da Força Aérea são tidos em Israel como heróis intocáveis. Apenas os melhores dos melhores conseguem sobreviver ao árduo e extenso treinamento para piloto de combate e são a elite da sociedade militar do país. O artigo de Levy, escrito após a morte de 21 membros da família do chefe de polícia de Gaza num ataque aéreo, foi tido por muitos como um sacrilégio imperdoável.

O jornalista tentou explicar sua opinião em talk-shows e programas de entrevistas. "A maioria dos israelenses não tem acesso às imagens de Gaza e não sabe o que está acontecendo lá", afirmou. Para Levy, as mortes e a destruição vêm ocorrendo numa extensão terrível, e alguém é responsável por isso. "Os pilotos não são os únicos, mas também são responsáveis. Devemos nos perguntar se ninguém está assumindo a responsabilidade moral", protestou o jornalista.

Quase linchado
Levy pronunciou essas palavras em Ashkelon, uma das cidades mais atingidas pelos foguetes de Gaza nas últimas semanas. Ele estava em frente a um centro comercial, e sua entrevista era transmitida ao vivo para o estúdio de televisão. Mas o jornalista mal começava a falar e já era interrompido. "Você é um traidor. Chama nossos pilotos de assassinos. Não tem vergonha? Aqui você não pode falar", protestaram os passantes.

O apresentador no estúdio teve que interromper a conversa, porque cada vez mais pessoas se juntavam no local para insultar Levy. Mais tarde, o jornalista contou em outro artigo no Haaretz que por pouco não havia sido linchado. "Meus melhores amigos pediram que eu deixasse o país até que a situação se acalme, que tomasse cuidado ou que ao menos ficasse em casa", escreveu.

Levy não seguiu os conselhos. Ele preferiu enfrentar as perguntas dos apresentadores de talk-shows, e lutar por suas convicções. "Eu lhes pergunto: se existe um coro tão forte e unificado na mídia, por que uma única voz isolada, um simples eco divergente incomoda? Por que essa voz causa tamanha tempestade? Por quê?", questiona o jornalista.

sábado, 26 de julho de 2014

O que os satélites espiões dos Estados Unidos captaram na Ucrânia?



http://jornalggn.com.br/noticia/sistema-ucraniano-de-misseis-confundiu-o-aviao-da-malaysia-airlines-com-cacas-inimigos#.U9USKU5suRJ.facebook



Jornal GGN, 26/07/2014



O que os satélites espiões dos Estados Unidos captaram na Ucrânia?

 
Por Robert Parry





A mais recente histeria de guerra da mídia dos EUA – enganjada na corrida para fixar a culpa pela queda do jato de passageiros da Malaysia Airlines no Presidente da Rússia, Vladimir Putin - não possui a mesma intensidade observada na ausência de ceticismo profissional que tem marcado os tumultos semelhantes ocorridos no Iraque, na Síria e em outros lugares, envolvendo questões fundamentais que estão sem respostas.
A questão do 'cão de guarda' não latir sobre a catástrofe na Ucrânia, gira em torno do que a exibição de imagens de satélite de vigilância dos EUA poderia fazer. É difícil acreditar que, com a atenção que a inteligência dos EUA tem concentrado na Ucrânia oriental, desde o semestre passado, a alegada movimentação de transporte de grandes caminhões dotados de vários sistemas de mísseis antiaéreos Buk, da Rússia para a Ucrânia e, em seguida, de volta para a Rússia, não tenha sido detectado em algum lugar.
Existem limitações para os satélites espiões norte-americanos, mas os mísseis Buk possuem cerca de 16 metros de comprimento e são montados em caminhões ou tanques. O voo da Malásia Airlines também caiu durante a tarde, não à noite, ou seja, a bateria de mísseis não estava escondida pela escuridão.
Então, porque essa questão sobre o que revelam as imagens do 'spy-in-the-sky' dos EUA e a razão de não ter sido pressionada pela grande mídia dos EUA? Como é possível o Washington Post publicar histórias de primeira página, como aquela, no domingo, com o título definitivo "U.S. official: Russia gave systems", sem exigir dos americanos os detalhes sobre o que as imagens de satélite poderiam divulgar?
Em vez disso, Michael Birnbaum e Karen DeYoung, a partir de Kiev, escreveram: "Os Estados Unidos confirmou que a Rússia forneceu lançadores de mísseis sofisticados para os separatistas no leste da Ucrânia e que foram feitas tentativas para movê-los para o outro lado da fronteira com a Rússia, após a queda de um avião da Malásia, afirmou  uma autoridade dos EUA, no sábado".
"Nós acreditamos que eles estavam tentando retornar para a Rússia, pelo menos, três sistemas de lançamento de mísseis Buk", disse o oficial. “A Inteligência dos EUA começou a encontrar indicações, há pouco mais de uma semana, que os lançadores russos haviam sido movidos para a Ucrânia", disse o oficial, cuja identidade não foi divulgada para que o oficial pudesse discutir estes assuntos de inteligência.
Mas, ao confrontar a imprecisão do curioso texto oficial - "nós acreditamos" com "começando a encontrar indicações" - devemos acreditar - e talvez seja mais relevante - que os jornalistas do Washington Post realmente acreditam nisso: que o governo dos EUA, dotado dos serviços de inteligência de primeiro mundo, não detectou três desajeitados caminhões transportando grandes mísseis de médio alcance.
Tenho informações, reveladas por uma fonte de informações precisas sobre assuntos semelhantes no passado, que as agências de inteligência dos EUA não forneceram os detalhes das imagens de satélite da bateria de mísseis que, provavelmente, lançou o míssil fatídico, porque ela estava sob o controle das tropas do governo de Kiev, que aparecem nas imagens vestidas com o que parecem ser uniformes ucranianos.
A fonte disse que os analistas da CIA ainda não descartaram a possibilidade de que sejam tropas rebeldes ucranianas orientais, vestindo uniformes semelhantes, mas a avaliação inicial era de que as tropas eram formadas por soldados ucranianos. Houve também a sugestão de que os envolvidos eram soldados indisciplinados e estavam, possivelmente, embriagados, já que as imagens mostraram o que pareciam ser garrafas de cerveja espalhadas por todo o local, disse a fonte.
Em vez de pressionar para esclarecer esses detalhes, a grande imprensa americana, simplesmente, passou a exibir a propaganda do Departamento de Estado dos EUA, informando que o ataque partiu do governo ucraniano, exagerando, inclusive, o fato de que o sistema Buk "é de fabricação russa", um fato percebido por ser infinitamente repetido.
No entanto, a menção a "fabricação russa", usada a ponto de sugerir que os russos devem estar envolvidos na queda da aeronave, é enganosa, sendo melhor e mais claramente concebida para influenciar americanos mal informados. Todos os meios de comunicação, certamente, sabem, que os militares ucranianos também operam sistemas de fabricação russo, incluindo baterias antiaéreas Buk e, desta forma, a origem da fabricação não tem nenhum valor probatório.
AS ACUSAÇÕES UCRANIANAS
Grande parte do resto das acusações conhecidas contra a Rússia partiram do regime ucraniano, que surgiu a partir da do golpe inconstitucional aplicado contra o presidente eleito Viktor Yanukovych, em 22 de fevereiro. A sua derrubada ocorreu, após meses de protestos em massa, através do golpe liderado por milícias neonazistas que invadiram prédios do governo e forçaram a fuga dos funcionários de Yanukovych.
Reconhecendo o papel fundamental desempenhado pelos neonazistas, que são descendentes ideológicos das antigas  milícias ucranianas, que colaboraram com a SS nazista, na Segunda Guerra Mundial, o novo regime distribuiu o controle de vários ministérios aos nacionalistas de extrema-direita, incluindo o escritório da Segurança Nacional que está sob o comando do veterano ativista neonazista Andriy Parubiy. [Ukraine, Through the US Looking Glass]
Foi esse mesmo Parubiy que os jornalistas procuraram para dar mais informações para condenar os rebeldes do leste da Ucrânia e os russos sobre a catástrofe da Malaysia Airlines. Parubiy acusou os rebeldes das imediações do local do acidente de destruir as provas e conduzir um cover-up, outro tema que ressoou através do MSM.
Sem se preocupar em informar os leitores sobre a fundamentação neonazista, Parubiy foi citado como uma testemunha confiável que declarou: "Vai ser difícil conduzir uma investigação completa quando alguns objetos sendo levados, mas vamos fazer o nosso melhor".
Em contraste com as garantias dadas por Parubiy, o regime de Kiev, na verdade, possui um terrível histórico de não dizer a verdade ou perseguir as investigações sérias de crimes contra os direitos humanos. Ainda assim, deixou em aberto as questões sobre a identidade dos atiradores, que em 20 de fevereiro, dispararam sobre a polícia e os manifestantes no Maidan, desencadeando a escalada de violência que levou à destituição de Yanukovych. Além disso, o regime de Kiev não conseguiu apurar os fatos sobre o incêndio que causou a morte de dezenas de russos étnicos no Edifício Sindical em Odessa, em 2 de maio. [Burning Ukraine’s Protesters Alive]
O regime de Kiev também enganou o New York Times (e, aparentemente, o Departamento de Estado dos EUA), quando disseminou fotos que, supostamente, mostravam militares russos dentro da Rússia e, mais tarde, dentro Ucrânia. Mais tarde, após o Departamento de Estado ter aprovado a "evidência", o Times levou ao seu jornal esta história, em 21 de abril, mas descobriu-se que uma das fotos mais importantes, clicada na Rússia, foi tomada na Ucrânia, destruindo a premissa básica da farsa jornalística. [NYT Retracts Ukraine Photo Scoop]
Mais uma vez, estamos aqui, divulgando reivindicações não verificadas, que são feitas pelo regime de Kiev, sobre algo tão sensível como a Rússia ter fornecido mísseis antiaéreos sofisticados, capazes de abater aviões civis que voam em elevada altitude, para rebeldes despreparados do leste da Ucrânia.
Essa acusação é tão grave que poderia impulsionar o mundo para uma segunda Guerra Fria e, possivelmente, se houver mais erros de cálculo, para um confronto nuclear. Este momento exige o máximo de profissionalismo jornalístico e, especialmente, ceticismo em relação à propaganda tendenciosa.
No entanto, o que os americanos viram, mais uma vez, é que as principais agências de notícias dos Estados Unidos, lideradas pelo Washington Post e o New York Times, publicaram os mais inflamados artigos, baseados, em grande parte, em informações não confiáveis de funcionários ​​ucranianos e no Departamento de Estado dos EUA, que foi o principal instigador da crise na Ucrânia.
No passado recente, este tipo de jornalismo americano desleixado levou a massacres em massa no Iraque - e tem contribuído para potencializar as eventuais guerras dos EUA contra a Síria e o Irã, mas, agora, os riscos são muito maiores. Tão divertido quanto desprezar uma variedade de "vilões designados", como Saddam Hussein, Bashar al-Assad, Ali Khamenei e, agora, Vladimir Putin, este tipo de imprudência está inclinando o mundo em direção a um momento muito perigoso, concebivelmente, em relação ao seu passado.

“Embora o establishment tenha tentado ridicularizar quaisquer questionamentos da narrativa oficial - que os rebeldes ucranianos foram responsáveis ​​pelo incidente - classificando-o com a cansada e pejorativa ‘Teoria da Conspiração’, o repórter investigativo Robert Parry dificilmente pode ser descartado como um jornalista manipulado, dado o seu papel fundamental na cobertura do escândalo Irã-Contras para a Associated Press e a Newsweek, na década de 80.
Na verdade, pelo seu trabalho de investigação sobre assuntos de inteligência, Parry foi agraciado com o Prêmio George Polk, sugerindo que as informações fornecidas pela sua fonte são dignas de atenção” - PAUL JOSEPH WATSON

sexta-feira, 25 de julho de 2014

É a mídia, Dilma, é a mídia





http://www.cartamaior.com.br/?/Blog/Blog-do-Emir/e-a-midia-Dilma-e-a-midia/2/31460



Carta Maior,  25/07/2014


É a mídia, Dilma, é a mídia

 
Por Emir Sader




​Qualquer comparação minimamente objetiva dos governos tucanos e petistas – dos candidatos que representam a um e a outro - permitiriam prever uma vitória eleitoral ainda mais fácil do governo neste ano. Ninguém duvida dos resultados dessa comparação, ainda mais que o candidato tucano reivindica a mesma equipe econômica de FHC e seu gurú  econômico repete os mesmos dogmas que levaram os tucanos a nunca mais ganharem eleição nacional no Brasil depois que essa equipe governou o pais. Enquanto a candidata do governo representa a continuidade do projeto que transformou positivamente o Brasil desde 2003 e seu aprofundamento.

No entanto, as pesquisas e o clima político e econômico mostram um cenário um pouco diferente. Somente o nível de rejeição que as pesquisas – maquiadas ou não – da Dilma e do governo – o dobro da rejeição de Aécio, segundo as pesquisas – já revela que outros fatores contam para entender as opiniões das pessoas.

Para um tecnocrata, para uma visão economicista ou positivista da realidade, a consciência é produto direto da realidade objetiva. Basta transformar a esta, que as pessoas se darão conta das mudanças e do seu significado. Não levam em conta o papel fundamental da intermediação que exercem os meios de comunicação.  A realidade concreta chega às pessoas através das representações dessa realidade, processo em que a mídia exerce um papel determinante. Essa visão ingênua não entende o que é a ideologia e como a fabricação dos consensos pela mídia monopolista atua.

A mídia conseguiu fabricar consensos como os de que a Dilma seria uma presidente incompetente, o governo seria corrupto, a política econômica fundamentalmente equivocada e a Petrobrás um problema, a inflação descontrolada, a economia estagnada e sem possibilidade de voltar a crescer. Por mais que se possa, racionalmente, desmentir cada uma dessas afirmações, são elas que permeiam os meios de comunicação e formam parte da opinião pública, contaminada pelo terrorismo em que aposta a oposição política e seu partido – a mídia.

Uma política de comunicações desastrosa por parte do governo é responsável por esse clima, que coloca em risco a continuidade do projeto democrático e popular que o povo escolheu como seu em três eleições presidenciais. O governo ficou inerte diante da criação desse clima e o que poderia dizer ficou neutralizado porque o governo não avançou em nada na democratização dos meios de comunicação. É uma atitude grave, porque alimenta uma oposição derrotada, que se apoia no monopólio privado dos meios de comunicação para desgastar o governo, sem que este reaja.

É equivocada a alternativa entre uma imprensa barulhenta – que diga o que bem entenda – ou uma mídia calada. Esta era a alternativa durante a ditadura. Na democracia a alternativa é entre uma mídia monopolista, que só propaga a voz dos seus donos ou mídia democrática, pluralista. Ao não avançar na democratização dos processos de formação da opinião publica, o governo colocar em risco todos os avanços acumulados desde 2003.

Não por acaso os votos duros de apoio do governo – os mais pobres, os do nordeste – são os menos afetados pela influência da mídia, são aqueles influenciados assim diretamente pelos efeitos das políticas sociais do governo. E os setores de classe média das grandes cidades são os mais afetados.

O Brasil não será um país democrático, por mais que avancemos na diminuição das desigualdades sociais, se somente uma ínfima minoria pode influenciar sobre a opinião dos outros, impor os temas que lhes pareçam do seu interesse como agenda nacional, difundam o tempo todo suas opiniões. Não será democrático enquanto as pessoas possam ter acessos a bens indispensáveis, mas não possam dizer a todos os outros o que pensam.

Senão seria perpetuar a divisão entre os que trabalham, produzem, vivem no limite das suas necessidades, por um lado, enquanto por outro lado estão os que, pelo poder do dinheiro, podem ocupar os espaços de formação de opinião pública, podem influenciar os outros, impunemente.

A razão pela qual um governo que promove os direitos da grande maioria da população, até aqui excluída, tem tantas dificuldades para traduzir esses avanços numa clara maioria politica, é a mídia, é a mídia.​

Seis razões para defender Fernando Haddad




Carta Maior, 25/07/2014

Seis razões para defender Fernando Haddad



Por
Erminia Maricato





Considerando o histórico da cidade de São Paulo, não ter uma “raposa guardando o galinheiro” já significa uma grande vantagem. É claro que a defesa de Fernando Haddad não pode se esgotar no mal que o prefeito deixa de fazer como os assaltos costumeiros que essa cidade tem vivido ao longo de sua vida, com exceção de alguns períodos. No entanto, esse argumento não é pouco importante para iniciar estas linhas.

Vamos começar lembrando as forças que intensificaram seu comando sobre as cidades brasileiras nos últimos anos. Dificilmente, no reino do analfabetismo urbanístico (e tantos outros analfabetismos que caracterizam a dominação da informação na sociedade brasileira), os moradores de São Paulo se dão conta da articulação de interesses daqueles que a transformam em um grande negócio. A tragédia urbana que vivemos cada dia não é fruto do acaso. O exemplo que salta aos olhos são as obras viárias que mais desorganizam do que organizam a mobilidade na metrópole. A cada 10 ou 15 anos, uma confluência de interesses  impõe aos fundos públicos uma lista de obras viárias de orientação absolutamente questionável para o desenvolvimento urbano mas funcional para abrir espaço para a especulação imobiliária e para os automóveis. Empreiteiras, mercado imobiliário e indústria automobilística, ligados ao financiamento de campanhas eleitorais, desenham mais as cidades do que os Planos Diretores.
 


A grande mídia, engordada por anúncios publicitários de imóveis e automóveis, insistentemente repete que “falta planejamento urbano”. A relação entre mobilidade e uso do solo é o nó górdio do planejamento urbano como insistem congressos históricos de urbanistas pelo mundo afora. Mas dominar a produção da cidade real subordinando determinados interesses para cumprimento de bem intencionados planos está na esfera da política e não do planejamento. Desde que os bondes foram banidos da cidade, na primeira metade do século passado, seguindo pressão do transporte sobre rodas, de inspiração norte-americana, São Paulo tem sido objeto de obras rodoviaristas que priorizam o transporte individual.

Poderíamos fazer um balanço a partir do plano de Avenidas do prefeito Prestes Maia que impermeabilizou vários e importantes fundos de vale (calhas naturais de drenagem), mas lembremos de um evento um pouco mais recente: um assalto à cidade previsto nas 8 mega obras viárias iniciadas na gestão municipal de Janio Quadros (1985) – que contemplavam todas as grandes empreiteiras nacionais, enquanto o transporte coletivo permanecia em segundo plano. Parte delas (túneis, viadutos, pontes, abertura de vias) foi paralisada na gestão de Luiza Erundina (que sofreu verdadeiro massacre midiático) e depois retomada, e ampliadas em número, na gestão seguinte de Paulo Maluf.

Um exemplo mais recente, modelo de insustentabilidade ambiental, pode ser encontrado no bilionário alargamento da Marginal do Rio Tietê que ampliou a impermeabilização da margem do rio e contrariou manifestação pública de mais de 30 doutores em planejamento urbano. Como foi previsto pelos urbanistas, essa obra não entregou o que prometia e hoje temos ali mais espaço para o congestionamento de veículos que, parados, contribuem para poluir ainda mais o pouco saudável ar da cidade. Poderíamos lembrar outras intervenções que sangram os fundos e contrariam o interesse público como a extensão das Avenidas Faria Lima, Berrini e Águas Espraiadas resultante de uma clara articulação de capitais (e governos municipais de plantão) que foi estudada em vários trabalhos acadêmicos.

A lista de exemplos poderia ser engordada pelos projetos que, neste momento de boom imobiliário, assolam todas as cidades brasileiras prometendo um cenário glamoroso, revitalizado, renovado, e coisas semelhantes mas que entregam mais especulação, segregação privatização do espaço público e carência habitacional para a maioria da população, exatamente aquela que não alcança os  preços explosivos. Aí estão, entre outros,  o “Novo Recife”, a “Nova BH”, o “Porto Maravilha” (este no Rio de Janeiro). Mas aí está também o Arco do Futuro que, na atual correlação de forças dificilmente escapa das forças hegemônicas.    

São Paulo, na segunda década do século XXI, vive um quadro de intenso congestionamento e forte processo de especulação imobiliária. Os congestionamentos batem recordes a cada dia e o aumento dos imóveis passou, entre 2009 e 2012, de 154% o M2. Como repetiu a Revista Exame na capa de recente número: “É a maior alta do mundo”. Trata-se de um processo que desestrutura a cidade e expulsa os mais pobres devido à alta dos aluguéis. Ela se torna ingovernável.

Assim como no período de Luiza Erundina, Fernando Haddad tem sido apontado como responsável por problemas que são de natureza metropolitana, mais do que municipais. Parte da população que trabalha em São Paulo mora em outros municípios. Pesquisa recente do SEADE mostrou que 20% das empregadas domésticas que trabalham no município moram fora dele. O transporte, reconhece o levantamento, é um dos maiores problemas vividos por essas mulheres que estão entre os trabalhadores de mais baixos salários. Em alguns casos, até 30% das viagens de um município, como Taboão da Serra, da Região metropolitana, tem como destino a cidade de São Paulo. Da mesma forma, parte dos manifestantes que ocupa terrenos em São Paulo, premida pelo insustentável aumento dos aluguéis e má qualidade dos transportes, vem de outros municípios. Mobilidade tem tudo a ver com habitação.

Ao invés de ampliar as alternativas de habitação o atual boom imobiliário, em ambiente de disputa desregulada pela terra urbanizada expulsa os mais pobres para mais longe. Assim como os principais problemas do município de São Paulo são metropolitanos, o mesmo acontece com os demais municípios da Região Metropolitana. Com a palavra os prefeitos dos municípios que, na região metropolitana, tem papel de dormitório da população trabalhadora pobre. A Região Metropolitana de São Paulo, uma das maiores manchas urbanas contínuas do mundo, é gerida como se fosse uma colcha de retalhos, composta de 39 municípios, cada um apontando para um rumo com seu prefeito e Câmara Municipal defendendo interesses pontuais.
A coerência indispensável da gestão metropolitana não é cobrada por ninguém. Problemas como enchentes, mobilidade, saneamento, habitação, saúde, educação, meio ambiente dependem, obviamente, de abordagem metropolitana ou até macrometropolitana se atentarmos para os corredores que ligam são Paulo a Santos e Campinas. A Constituição Brasileira de 1988 remeteu a questão metropolitana para a definição das constituições estaduais e gestão dos governos estaduais. Mas quem se interessa pela complexa administração das metrópoles? Quem cobra os diversos governos estaduais pelo desprezo em relação a essa importante tarefa?   

Após o alerta para o cenário das metrópoles desgovernadas vamos apontar os pontos positivos do atual governo municipal de São Paulo:

MOBILIDADE - Quando Haddad foi eleito, a cidade passava pela iminência de mais uma armação que listava uma relação de novas obras, embora estivesse fortemente endividada. Felizmente, as jornadas de junho de 2013 colocaram a mobilidade urbana na agenda política brasileira. Enquanto as cidades se entupiam de automóveis o transporte coletivo se afundava em ruínas impondo um sacrifício imenso e diário à população. Pressionado pelas jornadas de 2013, o prefeito Fernando Haddad decidiu cancelar o início das obras de um túnel, que o prefeito anterior se apressou a deixar licitadas para seu sucessor executar. O túnel, que fazia parte da Operação Urbana Águas Espraiadas, tinha orçamento inicial de R$ 1,5 bilhões (que poderia exceder a arrecadação prevista pela Operação) e não admitia tráfego de ônibus.

Para enfrentar a imensa crise de transporte na cidade, o governo municipal reagiu, no início do primeiro ano, com a solução de curto prazo que estava à mão: os corredores de ônibus, dando clara prioridade ao transporte coletivo sobre o individual. Parece simples e óbvio. O Brasil é reconhecido internacionalmente pelos projetos de corredores de ônibus e o  transporte coletivo é prioridade em todos os Planos Diretores, todas as campanhas eleitorais, todos os programas de governos, mas infelizmente não o é na realidade da gestão das cidades. Foi dado início à implantação imediata de novos corredores, sem grandes obras ou gastos num primeiro momento. Os dados mostram que o tempo de muitos percursos de transporte coletivo já foi reduzido embora os congestionamentos continuem extravasando as centenas de quilômetros como não podia deixar de ser já que sua compra foi potencializada pela exoneração dos impostos definida como estratégia federal de retomada do crescimento econômico.

COMBATE À CORRUPÇÃO - Também no começo da gestão criou a Controladoria Geral do Município, que desvendou um esquema milionário de corrupção envolvendo funcionários públicos na aprovação de projetos e emissão de alvarás. Corrupção e especulação andam de mãos dadas. Poucos temas são mais importantes do que o achaque aos cidadãos por meio do uso da máquina administrativa pública, nos governos. A grande mídia, aparentemente muito sensível a esse tema, não só não deu a importância devida ao fato, como tentou incriminar o próprio governo. A Controladoria Geral do Município foi criada legalmente bem como a carreira de controlador com 100 cargos iniciais.

PLANEJAMENTO - Há um claro esforço de planejamento e enfrentamento dos problemas financeiros como mostram o Plano de Metas e o planejamento financeiro apresentados à público no Conselho da Cidade de São Paulo. O PLANO DIRETOR foi bastante discutido e constitui uma peça importante para o futuro do município, caso seja implementado e não tenha o destino do Plano de 2002. Detalhes inovadores de desenho urbano poderão, se implementados e continuados, assegurar um padrão de maior qualidade da mobilidade urbana e dos espaços públicos.  A cidade recuperou a zona rural, ao sul do município, com a finalidade de a) dar sequencia e capacitar para a produção orgânica os pequenos produtores de alimentos, b) desenvolver atividade turística e c) preservar a mata nativa visando proteger a produção de água na Bacia do Capivari- Monos. Sim, São Paulo tem mata nativa de alta biodiversidade. Quantas cidades no mundo podem apresentar essa condição? Mas, sim, há pressões para destruir o que resta desse patrimônio sob a forma de matas e águas. Que o digam os ativistas do movimento AEROPORTO EM PARELHEIROS, NÃO!, que juntamente com os militantes do MTST fizeram a legítima pressão sobre a Câmara Municipal para aprovação do substitutivo do PDE.
Se os moradores de São Paulo não conhecem o paraíso natural que fica próximo de suas casas é devido ao padrão de alienação que predomina na relação entre a sociedade e seu território, no Brasil. Como urbanista dificilmente deixaríamos de achar detalhes a serem melhorados neste PDE: gostaríamos de ver a Cota de Solidariedade restrita ao pagamento em terra, gostaríamos de ter certeza de que o aeroporto privado não vai se instalar em Parelheiros, gostaríamos de ver mais ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social que de fato garantissem um mix de renda em bairros centrais desta cidade que é uma das mais desiguais da América Latina. Mas a simples aprovação do Plano já é um avanço e cabe à parcela da sociedade que o apoiou ficar alerta para sua implementação .

Outras medidas como a lei que prevê o alargamento das vias que receberão corredores de ônibus e ciclovias também podem garantir um futuro melhor para a cidade. O mesmo acontece com as iniciativas que buscam modificar a lei do zoneamento tornando-a mais original, inovadora e adequada para nossa realidade urbana. Recuperar o espaço público e a calçada para os pedestres é uma das mais importantes tarefas dessas propostas.

PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA - A criação das secretarias de Direitos Humanos, da Igualdade Racial e de Política para as Mulheres; a reativação de 9 Conselhos Temáticos como Saúde, Educação, Habitação, entre outros e a instalação do Conselho da Cidade de São Paulo que reúne representantes dos moradores de rua aos empresários da construção civil num mesmo espaço revela a confiança na participação social e no jogo aberto.

HUMANIZAÇÃO E DIÁLOGO - A Operação Braços Abertos revelou uma nova forma de tratar os dependentes de droga resultante da articulação de vários órgãos de governo que raramente trabalhavam juntos. Com essa articulação, uma favela que assustava a cidade foi desmontada pacificamente em um dia e seus moradores, doentes, dependentes de droga, encaminhados para pensões e tratamento voluntário.

A ampliação dos centros de triagem de reciclados com a organização de cooperativas de catadores têm efeito no meio ambiente diminuindo o lixo descartado e gerando trabalho e  renda com a reciclagem.

A originalidade e amplitude da política de cultura, envolvendo jovens na periferia com a arte e a cultura são iniciativas que mostram a forma mais eficiente de combater o crime e a violência na cidade. O comitê Juventude Viva reúne 25 gestores voltados para os jovens e as jovens, especialmente negros, das periferias urbanas. O resultado dessas ações dependem de sua continuidade, portanto não são decorrentes do calendário eleitoral.

SEGURANÇA ALIMENTAR - A conquista do PAA para o município de São Paulo (Programa de Aquisição de Alimento do Governo Federal) promete melhor alimentação nas escolas e outros órgãos públicos bem como garante sobrevivência para os produtores agrícolas que tem como permanecer produzindo nas bordas da metrópole. O meio ambiente também se beneficia com a manutenção da produção agrícola, especialmente de produtos perecíveis sem agrotóxicos.

Alguns dias atrás eu diria que o maior feito do prefeito estava na escolha dos subprefeitos. Ao invés das indicações costumeiras de vereadores o prefeito nomeou, contra a tendência geral, técnicos de carreira, arquitetos e engenheiros (e não militares aposentados como muitos, na gestão anterior), conhecedores da cidade e da máquina municipal. Essa impessoalidade no critério nega a tendência patrimonialista brasileira, afirma o profissionalismo. Aparentemente a aprovação do Plano Diretor custou a indicação de 12 subprefeitos. Muitos argumentam que a competência técnica não garante necessariamente um bom gestor assim como o critério da indicação de aliados não implica necessariamente na privatização da máquina pública.  Como sempre, a melhor solução está na cidadania ativa acompanhando e cobrando o subprefeito que, afinal, está mais próximo.

Não se trata aqui de fazer uma relação de realizações da prefeitura de São Paulo na gestão Fernando Haddad pois isso é tarefa do setor de comunicação. Este, por sinal, poderia ser mais eficiente embora seja preciso reconhecer que está difícil romper o muro midiático.

Tratou-se isto sim, sem a preocupação que exigiria um levantamento exaustivo, de lembrar que há uma aposta no diálogo, nos laços comunitários, no desarmamento, na expressão da cultura social, no respeito aos direitos legais e ao meio ambiente.

Mas é preciso lembrar também que as conquistas possíveis numa máquina municipal como essa, nesse momento, tem limites. Elas dependem da herança recebida, do contexto encontrado e da correlação de forças. A herança é terrível e o contexto é adverso se considerarmos o endividamento do município e o massacre midiático. Os valores conservadores são apregoados sem pudores especialmente pela televisão que constitui canal de informação para 97% da população. Nem o partido do prefeito e, por vezes, nem o próprio time dos aliados que integram o governo saem à luta na defesa do governo. De um modo geral, não há respostas aos ataques midiáticos e nem parece haver uma estratégia alternativa de comunicação com a maioria da sociedade que é objeto das políticas municipais.

Não me refiro aqui à luta pelo poder eleitoral, que não deixa de ter sua importância, mas à luta por uma política urbana que a sociedade tome como sua e que a torne sujeito  da história da cidade, o que é muito mais importante. Temos a rara oportunidade de exercitar a democracia urbana em São Paulo em que pese a grande dificuldade da polícia lidar com ela. E ela não se dá sem conflitos porque há muita coisa em jogo. A expressão de conflitos é natural na vida democrática.

Apenas o pensamento único não quer reconhecer essa evidência. 

Santana do Ipanema perde um dos seus filhos mais ilustres

São inúmeras as recordações que tenho do Dr.Aguinaldo, cuja aproximação permitia-me chamá-lo pelo primeiro nome.

Quando criança, em mais uma de minhas crises de bronquite que me obrigavam a dormir sentado ouvindo o chiado de minha respiração, apontou o caminho para a cura: “Ivan precisa nadar!”. E assim o fiz, durante um ano inteiro, diariamente  para nunca mais sofrer uma crise sequer...

“Ivan está com sarampo”, diagnosticou corretamente por telefone diante dos sintomas que mamãe lhe informara, sem sequer necessitar pedir um exame. Fiquei impressionado!

“Não é independente, é independentemente!”, corrigiu-me quando numa sentença utilizei incorretamente o adjetivo ao invés do advérbio...

O convite que me fez para fotografar algumas crianças no Fernandes Figueira e situações de insalubridade na favela da Rocinha para um de seus livros... Quanta honra!

Conscientizando-me social e politicamente, com a sua intelectualidade e humanismo que me mostravam quão grande um homem pode ser...

Estou profundamente triste.

Minha mãe, a enfermeira Ivone Bulhões, assim se manifestou:

" Parece que estão precisando dos melhores, lá em Cima.

A notícia é bem triste. Todos sabemos da importância e do valor de Aguinaldo, como cidadão e como profissional.

Contei com sua amizade desde que nasci, lá em Santana do Ipanema. Foi grande amigo de meu pai e, no Rio, trabalhamos juntos no Fernandes Figueira - ele foi Chefe da 5a. Enfermaria - e no Hospital dos Bancários.

Pediatra de meu filho. Meu guru político. Grande humanista. Seus filhos perderão um grande pai e eu, em particular, um extraordinário amigo
."


Ao Dr. Aguinaldo, a minha mais profunda gratidão por tudo o que fez por mim, pelo povo brasileiro e pelo Brasil!


Ivan M. Bulhões






http://www.maltanet.com.br/noticias/noticia.php?id=12032




24/07/2014 - 19h 07min



Santana do Ipanema perde um dos seus filhos mais ilustres


 

Por Dr.. José Marques de Melo


Morreu no Rio de Janeiro o Dr. Aguinaldo Nepomuceno Marques

Natural de Santana do Ipanema, cidade sertaneja do Estado de Alagoas, onde nasceu em dezembro de 1920, faleceu hoje m Niterói (RJ), o médico pediatra Aguinaldo Nepomuceno Marques, aos 93 anos de idade.

Filho de Joel Marques e Maria Nepomuceno Marques, fez seus estudos primários em estabelecimentos de ensino de Santana do Ipanema, completando a formação secundária no Colégio Diocesano de Maceió. Transferiu-se para a cidade do Rio de Janeiro, onde prestou serviço militar, no período da II Guerra Mundial, ingressando depois na Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense, onde obteve o diploma para o exercício da Medicina, especializando-se em Pediatria.

Retornou a Santana do Ipanema, depois de formado, em companhia da esposa Alice Bastos Marques e da filha recém nascida Aída Bastos Marques. Dirigindo o Posto de Puericultura instalado pelo poder público estadual, onde contribuiu para reduzir o índice de mortalidade infantil, uma das promessas de campanha do seu irmão, Adeildo Nepomuceno Marques, eleito prefeito municipal. Colaborou também com o Hospital da Fundação do Serviço Especial de Saúde Pública, em Pão de Açúcar e deu assistência médica à população carente de vários municípios do Polígono das Secas.

Essa experiência adquirida na assistência médico-hospitalar aos pacientes nordestinos serviu como motivação para dar continuidade aos estudos pós-graduados. Engajou-se como pesquisador no Hospital Fernandes Figueira e como cidadão no movimento nacionalista encorajado pelo jornal Semanário, dirigido por Otavio Costa, onde passou a escrever artigos sobre pediatria social.

Participando dos seminários organizados pelo ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros –, especialmente aqueles coordenados por Rolando Corbisier, Nelson Werneck Sodré e Alvaro Vieira Pinto, sentiu-se habilitado a desenvolver suas habilidades como escritor. Seu livro de estreia – Fundamentos do Nacionalismo (São Paulo, Fulgor, 1960) – alcançou muita repercussão, o que o anima a produzir a obra que o consagraria perante a opinião pública. Convidado por Enio Silveira e Alvaro Vieira Pinto escreveu De que morre o povo brasileiro? (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1963) suscitando muito interesse do público leitor, mas provocando a ira dos golpistas de 1964, que o perseguiram intensamente quando empalmaram o poder depois de 31 de março.

Fez pós-graduação em medicina social no Chile, enfeixando seus estudos e observações no livro A infância no Brasil em transformação (Petropolis, Vozes, 1973) e no manual didático Pediatria Social: teoria e prática (Rio, 1986).

O Dr. Aguinaldo N. Marques culminou seu itinerário como escritor publicando um ensaio de reflexão política – Origens e trajetórias do socialismo (Rio de Janeiro, BIZ, 1995). Ele visitou o sertão alagoano, pela última vez. em 2010, juntamente com a companheira Dilma Araújo, participando do lançamento do livro Sertão Glocal (Maceió, Edufal), onde foi publicado singular depoimento sobre sua trajetória intelectual, gravado em película cinematográfica pela filha Aída Bastos Marques (diretora do Instituto de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense) e transcrito pelo neto historiador Marcos Marques Pestana).

Homenageado pela Prefeitura e Câmara Municipal de Santana do Ipanema, ele pronunciou discurso de improviso, em que ressaltou o papel democrático ocupado pelo pai, Joel Marques, primeiro prefeito eleito de Santana do Ipanema, cuja conduta republicana desagradara figuras eminentes da comunidade local, impondo multas aos contribuintes que desobedecessem a legislação de proteção ambiental ou descumprissem a legislação trabalhista que protegia o descanso semanal remunerado dos empregados no comércio local. Por isso, teve o mandato cassado, quando foi implantado o Estado Novo, na década de 30 do século XX.

Os restos mortais do ilustre filho de Santana do Ipanema serão cremados, amanhã, dia 25 de julho, na presença de amigos, familiares e dos 4 filhos:
Profa. Dra. Aída Bastos Marques (Cineasta/UFF), Prof. Dr. Aguinaldo Marques Filho (Biólogo Marinho/UFF), Dr. Ari Bastos Marques (Administrador de Empresas), Profa. Ana Maria Bastos Marques (Pedagoga e Administradora Escolar), bem como de amigos e vizinhos fluminenses e de parentes provenientes de Alagoas, Pernambuco e outras localidades.

De cegos e de anões

http://www.maurosantayana.com/2014/07/de-cegos-e-de-anoes.html


25/07/2014


DE CEGOS E DE ANÕES



Por Mauro Santayana




(Jornal do Brasil) - Se não me engano, creio que foi em uma aldeia da Galícia que escutei, na década de 70, de camponês de baixíssima estatura, a história do cego e do anão que foram lançados, por um rei, dentro de um labirinto escuro e pejado de monstros. Apavorado, o cego, que não podia avançar sem a ajuda do outro, prometia-lhe sorte e fortuna, caso ficasse com ele, e, desesperado, começou a cantar árias para distraí-lo.

O anão, ao ver que o barulho feito pelo cego iria atrair inevitavelmente as criaturas, e que o cego, ao cantar cada vez mais alto, se negava a ouvi-lo, escalou, com ajuda das mãos pequenas e das fortes pernas, uma parede, e, caminhando por cima dos muros, chegou, com a ajuda da luz da Lua, ao limite do labirinto, de onde saltou para  densa floresta, enquanto o cego, ao sentir que ele havia partido, o amaldiçoava em altos brados, sendo, por isso, rapidamente localizado e devorado pelos monstros que espreitavam do escuro.   

Ao final do relato, na taverna galega, meu interlocutor virou-se para mim, tomou um gole de vinho e, depois de limpar a boca com o braço do casaco, pontificou, sorrindo, referindo-se à sua altura: como ve usted, compañero... con el perdón de Dios y de los ciegos, aun prefiro, mil veces, ser enano...

Lembrei-me do episódio — e da história — ao ler sobre a convocação do embaixador brasileiro em Telaviv para consultas, devido ao massacre em Gaza, e da resposta do governo israelense, qualificando o Brasil como irrelevante, do ponto de vista geopolítico, e acusando o nosso país de ser um “anão diplomático". 

Chamar o Brasil de anão diplomático, no momento em que nosso país acaba de receber a imensa maioria dos chefes de Estado da América Latina, e os líderes de três das maiores potências espaciais e atômicas do planeta, além do presidente do país mais avançado da África, país com o qual Israel cooperava intimamente na época do Apartheid, mostra o grau de cegueira e de ignorância a que chegou Telaviv.

O governo israelense não consegue mais enxergar além do próprio umbigo, que confunde com o microcosmo geopolítico que o cerca, impelido e dirigido pelo papel executado, como obediente cão de caça dos EUA no Oriente Médio.

O que o impede de reconhecer a importância geopolítica brasileira, como fizeram milhões de pessoas, em todo o mundo, nos últimos dias, no contexto da criação do Banco do Brics e do Fundo de reservas do grupo, como primeiras instituições a se colocarem como alternativa ao FMI e ao Banco Mundial, é a mesma cegueira que não lhe permite ver o labirinto de morte e destruição em que se meteu Israel, no Oriente Médio, nas últimas décadas. 

Se quisessem sair do labirinto, os sionistas aprenderiam com o Brasil, país que tem profundos laços com os países árabes e uma das maiores colônias hebraicas do mundo, como se constrói a paz na diversidade, e o valor da busca pacífica da prosperidade na superação dos desafios, e da adversidade.

O Brasil coordena, na América do Sul e na América Latina, numerosas instituições multilaterais. E coopera com os estados vizinhos — com os quais não tem conflitos políticos ou territoriais — em áreas como a infraestrutura, a saúde, o combate à pobreza.

No máximo, em nossa condição de “anões irrelevantes”, o que poderíamos aprender com o governo israelense, no campo da diplomacia, é como nos isolarmos de todos os povos da nossa região e engordar, cegos pela raiva e pelo preconceito, o ódio visceral de nossos vizinhos — destruindo e ocupando suas casas, bombardeando e ferindo seus pais e avós, matando e mutilando as suas mães e esposas, explodindo a cabeça de seus filhos.

Antes de criticar a diplomacia brasileira, o porta-voz da Chancelaria israelense, Yigal Palmor, deveria ler os livros de história para constatar que, se o Brasil fosse um país irrelevante, do ponto de vista diplomático, sua nação não existiria, já que o Brasil não apenas apoiou e coordenou como também presidiu, nas Nações Unidas, com Osvaldo Aranha, a criação do Estado de Israel. 

Talvez, assim, ele também descobrisse por quais razões o país que disse ser irrelevante foi o único da América Latina a enviar milhares de soldados à Europa para combater os genocidas  nazistas; comanda órgãos como a OMC e a FAO; bloqueou, com os BRICS, a intervenção da Europa e dos Estados Unidos na Síria, defendida por Israel, condenou, com eles, a destruição do Iraque e da Líbia; obteve o primeiro compromisso sério do Irã, na questão nuclear; abre, todos os anos, com o discurso de seu máximo representante, a Assembleia Geral da Nações Unidas; e porque — como lembrou o ministro Luiz Alberto Figueiredo, em sua réplica — somos uma das únicas 11 nações do mundo que possuem relações diplomáticas, sem exceção – e sem problemas - com todos os membros da ONU



...
 
 

http://www.cartacapital.com.br/revista/810/o-silencio-oportunista-9443.html



​Carta Capital, 25/07/2014


O silêncio oportunista

 


Por Mino Carta


Não pergunto aos meus botões em que mundo vivemos, temo a resposta. A crise mundial dispensa maiores apresentações. Moral e intelectual antes que econômica, embora esta confirme aquelas precedentes. Por que a humanidade rendeu-se à religião do deus mercado? Por que aceitou passivamente as leis de uma fé que aproveita a poucos e infelicita os demais?
Às vezes me colhe a sinistra sensação de que já começou uma nova, peculiar Idade Média. O mundo, seduzido pelo chamado avanço tecnológico, vítima de uma globalização dos interesses da minoria, distanciados os homens uns dos outros não somente pelo crescente desequilíbrio social, mas também pela versatilidade da mirabolante internet, não se apercebem do eclipse dos valores e dos princípios, e da ausência de poetas e pensadores.
É nesta moldura que se desenrolam os acontecimentos destes dias a agitarem a política internacional, e também se movem minhas dúvidas e perplexidades em relação aos comportamentos dos donos do poder, das chamadas opiniões públicas e dos sistemas midiáticos. No caso, a mídia nativa confirma apenas a sua insignificância, ao imitar simplesmente os exemplos chegados de fora.
Então vejamos. Por que os restos retorcidos do avião malaio derrubado no céu ucraniano ganham a primazia nas primeiras páginas e na fala sincopada dos locutores, no confronto com os mortos e a devastação na Faixa de Gaza? Não proponho um enigma. Trata-se do resultado da demonização de Putin misturada com o longo alcance do lobby judeu. De certa forma, a queda do avião veio a calhar para os senhores do mundo, sem detrimento da brutal gravidade do fato e a desolação causada pela morte de 298 semelhantes. Serviu, porém, para desviar a atenção, até onde foi possível, de algo muito mais grave para a paz global.
É no Oriente Médio que se decide o futuro do planeta, e isso é do entendimento até do mundo mineral. A questão da Ucrânia é complexa e ameaçadora, mas o império soviético, cuja presença estaria habilitada a precipitar severas complicações, ruiu há 25 anos. O Ocidente, ainda sujeito ao império norte-americano, tende a apresentar Putin como uma espécie de herdeiro tanto da URSS quanto do czar. Não é bem assim, está claro. O defeito do líder russo é sua inteligente independência, em que pesem sua prepotência e eventual ferocidade, e sem falar das preocupações geradas por seu envolvimento na criação de uma nova ordem pelos BRICS. Outra a dimensão da questão médio-oriental, para a qual reflui o efeito dos momentos mais tensos das últimas décadas.

Feridas profundas continuam a sangrar em toda a região, marcada pela progressão do fundamentalismo islâmico, por revoluções em pleno curso, pelos erros das políticas ocidentais, que aliás são seculares. E por guerras fracassadas, por revoltas malogradas, por atrocidades sem conta, por desmandos imperdoáveis. Etc. etc. No centro deste arcabouço instável, sempre à beira do desastre fatal, está Israel, Estado poderosíssimo por força própria e de quem o sustenta, a ocupar, desde o pós-Guerra, uma terra antes habitada por outro povo, conquanto também semita, há cerca de 2 mil anos.
Eu, por exemplo, não sou responsável pelo holocausto. Lamento, mesmo porque ceifou a vida de excelentes amigos dos meus pais, mas não me induz ao remorso, e tanto menos até hoje, quando a invasão da Faixa de Gaza pelas formidáveis tropas israelenses evoca a invasão do Corredor Polonês pelo exército de Hitler em 1º de setembro de 1939, estopim da Segunda Guerra Mundial. O Ocidente neoliberal diz que Tel-Aviv tem direito a se defender contra o terrorismo do Hamas. Já o Hamas sustenta estar em luta pelo resgate da terra usurpada.

Por cima das razões de cada um, a disparidade exorbitante entre as forças não pode deixar de influenciar qualquer juízo, para fortalecer a inequívoca percepção de que de um lado morrem soldados e do outro civis, e muitas crianças, em proporções absolutamente incomparáveis. Estamos diante de uma ofensa irreparável aos Direitos Humanos. Que visa Israel? Eliminar 1,8 milhão de palestinos? Dói demais, na circunstância, a falta de reação de uma porção do mundo que se pretende civilizado e democrático e, de verdade, sucumbe à soberania do dinheiro. Avulta, nesta encenação trágica, a ausência de lideranças, a falta daquele gênero de personagens que já ofereceram espaço à política e a praticaram com competência para assumir o controle da situação e ditar as regras.
Contamos com uma galeria de figuras medíocres, quando não parvas, incapazes de enfrentar a turva realidade para impor um rumo. E isso tudo nesta hora que denigre o gênero humano e denuncia a chegada da nova Idade Média. Louvo a iniciativa da chancelaria brasileira: chama às falas o embaixador israelense e de volta ao País o embaixador brasileiro em Tel-Aviv. Mas o Brasil pode e deve muito mais. Por exemplo, convocar a ONU, como sempre inerte, a condenar o massacre e mostrar às lenientes democracias ocidentais o caminho da razão.


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​Opera Mundi, 25/07/2014 



O que está em jogo na Faixa de Gaza

 


Por Marco Aurélio Garcia (*)


​Esta nota estará seguramente desatualizada quando for publicada. Mais de setecentos palestinos – grande parte dos quais mulheres, crianças e anciãos – foram mortos nos bombardeios das Forças Armadas israelenses na Faixa de Gaza desde que, há duas semanas, iniciou-se uma nova etapa deste absurdo conflito que se arrasta há décadas. A invasão do território palestino provocou também mais de 30 mortos entre os soldados de Israel.

​O governo brasileiro reagiu em dois momentos à crise. Na sua nota de 17 de julho “condena o lançamento de foguetes e morteiros de Gaza contra Israel” e, ao mesmo tempo, deplora “o uso desproporcional da força” por parte de Israel.

Em comunicado de 23 de julho e tendo em vista a intensificação do massacre de civis, o Itamaraty considerou “inaceitável a escalada da violência entre Israel e Palestina” e, uma vez mais, condenou o “uso desproporcional da força” na Faixa de Gaza. Na esteira dessa percepção, o Brasil votou a favor da resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU (somente os Estados Unidos estiveram contra) que condena as “graves e sistemáticas violações dos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais oriundas das operações militares israelenses contra o território Palestino ocupado” e convocou seu embaixador em Tel Aviv para consultas.

A chancelaria de Israel afirmou que o Brasil “está escolhendo ser parte do problema em vez de integrar a solução” e, ao mesmo tempo, qualificou nosso país como “anão” ou “politicamente irrelevante”.
É evidente que o governo brasileiro não busca a “relevância” que a chancelaria israelense tem ganhado nos últimos anos. Menos ainda a “relevância” militar que está sendo exibida vis-à-vis contra populações indefesas.

Não é muito difícil entender, igualmente, que está cada dia mais complicado ser “parte da solução” neste trágico contencioso. Foi o que rapidamente entenderam o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, depois de suas passagens por Tel Aviv, quando tentaram sem êxito pôr o fim às hostilidades.

Como temos posições claras sobre a situação do Oriente Médio – reconhecimento do direito de Israel e Palestina a viverem em paz e segurança – temos sido igualmente claros na condenação de toda ação terrorista, parta ela de grupos fundamentalistas ou de organizações estatais.

Estive, mais de uma vez, em Israel e na Palestina. Observei a implantação de colônias israelenses em Jerusalém Oriental, condenadas mundialmente, até por aliados incondicionais do governo de Tel Aviv. Vi a situação de virtual apartheid em que vivem grandes contingentes de palestinos. Constatei também que são muitos os israelenses que almejam uma paz duradoura fundada na existência de dois Estados viáveis, soberanos e seguros.

É amplamente conhecida a posição que o Brasil teve no momento da fundação do Estado de Israel. Não pode haver nenhuma dúvida sobre a perenidade desse compromisso.

Temos reiterado que a irresolução da crise palestina alimenta a instabilidade no Oriente Médio e leva água ao moinho do fundamentalismo, ameaçando a paz mundial. Não se trata, assim, de um conflito regional, mas de uma crise de alcance global.

É preocupante que os acontecimentos atuais na Palestina sirvam de estímulo para intoleráveis manifestações antissemitas, como têm ocorrido em algumas partes, felizmente não aqui no Brasil.

A criação do Estado de Israel, nos anos quarenta, após a tragédia do Holocausto, foi uma ação afirmativa da comunidade internacional para reparar minimamente o horror provocado pelo nazi-fascismo contra judeus, ciganos, homossexuais, comunistas e socialdemocratas.  Mas o fantasma do ressurgimento ou da persistência do antissemitismo não pode ser um álibi que justifique o massacre atual na Faixa de Gaza.
O Brasil e o mundo têm uma dívida enorme para com as comunidades judaicas que iluminaram as artes, a ciência e a política e fazem parte da construção da Nação brasileira.  Foi esse sentimento que Lula expressou em seu discurso, anos atrás, na Knesset, quando evocou, por exemplo, o papel de um Carlos e de um Moacir Scliar ou de uma Clarice Lispector para a cultura brasileira. A lista é interminável e a ela se juntam lutadores sociais como Jacob Gorender, Salomão Malina, Chael Charles Schraier, Iara Iavelberg, Ana Rosa Kucinski e tantos outros.

Nunca os esqueceremos.

(*) Marco Aurélio Garcia é assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais