quarta-feira, 16 de julho de 2014

A tentativa bisonha de encobrir o papel do Estado brasileiro no sucesso da Copa



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16/07/2014


Retrato com retoques


 


Por Paulo Moreira Leite



É bom reconhecer que há poucas coisas perfeitas na vida. Uma delas é  abraçar as crias depois de uma longa ausência. Outra, é almoçar na casa da mãe. Ou desfrutar da companhia de amigos verdadeiros.
Após estas considerações, cabe analisar os números finais da Copa do Mundo. Leia a opinião de  2209 visitantes estrangeiros ouvidos pelo DataFolha:
92% dos visitantes elogiaram o conforto e a segurança
76% aprovaram o transporte até os estadios
95% disseram que a recepção foi boa ou ótima.
83% elogiaram a organização
Mesmo lembrando que a Copa não foi um evento sem problemas, há outras notícias boas.
Alvo de muitos fantasmas usados para atemorizar visitantes, o  Rio de Janeiro recebeu 900 000 turistas contra 90 000 previstos. Eles deixaram 4 bilhões de reais na cidade, contra 1 bi de previsão.
Obrigados a encontrar um discurso para enfrentar uma situação inesperada, nossos profetas do pessimismo completaram um ano de atividade ininterrupta, desde os protestos de junho de 2013, com sorrisos amarelos.
Passada a fase da autocrítica, é preciso explicar o que aconteceu, o por quê. Na falta de explicação melhor, a moda agora é dizer que o sucesso da Copa se deve aos “brasileiros.” Assim, no genérico. Os 200 milhões de brasileiros garantiram a Copa das Copas porque são simpáticos e acolhedores. Descobrimos essas virtudes anteontem?
Vamos combinar: a finalidade desse discurso é fingir que não havia oposição a Copa, movimento que se expressou num esforço permanente para impedir os jogos e criar um ambiente de desordem, sufoco e desmoralização Apelos ao boicote eram ouvidos nos melhores jantares, nas melhores famílias.  Inclusive em inglês com legendas.
A Copa ocorreu contra a vontade dessas pessoas. Foi fruto do  esforço da grande maioria da população, que não só queria assistir aos jogos e participar de um evento que marca a cultura de nossa época. Estava decidida, acima de tudo, a defender imagem de seu país.
Foram os adversários da Copa que transformaram o Mundial numa luta política – e perderam.
Como predadores sem escrúpulo, que mudam de pele conforme a paisagem, em determinadas situações a  Copa era combatida com argumentos à direita. Em outros lugares, à esquerda. O importante é que não ocorresse. Se ocorresse, teria de ser um fiasco.
Não duvide: para boa parte dessas pessoas, o desempenho fraco da Seleção nos gramados serviu de consolo – e não de tristeza. Elas não suportariam uma boa atuação. Temiam uma classificação melhor – a tal ponto que não perdiam uma oportunidade para dizer que os juízes beneficiavam o Brasil, esquecendo das inúmeras vezes em que nosso time foi prejudicado.
Se Aécio Neves não tivesse deixado tantas demonstrações escritas de seu apoio a Felipe Scolari, o esforço para transformar Dilma Rousseff em assistente técnica da derrota teria sido ainda mais descarado.
Uma copa elogiada, por baixo, por mais de 80% dos visitantes estrangeiros, não é um carnaval que cai do céu, nem um reveillon na avenida Paulista. Envolve uma ação ariticulada em 12 cidades e dezenas de obras de infraestrutura que, sabe-se hoje, estavam muito mais avançadas do que se anunciou – mais uma vez, para tentar afastar a população da Copa, criar desânimo e desconfiança.
O elogio aos “brasileiros,”  neste genérico, também é uma tentativa bisonha de encobrir o papel do Estado brasileiro neste sucesso. Governantes e prefeitos que assumiram suas responsabilidades, muitos deles filiados a oposição, foram sacrificados na hora do reconhecimento.
E aí está a imagem retocada da imagem que fica para a história.
Depois de culpar antecipadamente Lula-Dilma por um fiasco que anunciavam como inevitável, tenta-se fingir que eles não deram a menor contribuição para os aplausos da platéia. Pode?

Paulo Moreira Leite é Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".

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