terça-feira, 15 de julho de 2014

A vingança dos derrotados



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Terça-feira, 15 de Julho de 2014


A vingança dos derrotados


 


Por Moisés dos Santos Viana


Se essa Copa fosse um folhetim, poderia ser uma ficção chamada “a vingança dos derrotados”. O argumento seria como a mídia oligárquica brasileira cria um clima, reelabora discursos, reconstrói as imagens do mundo a seu bel-prazer, silenciando críticos, despertando ódios, desqualificando e obscurecendo a cultura, a história e a política brasileiras à revelia do bom senso, da ética e da sanidade. Os personagens são articulistas, políticos de direita e personalidades esportivas, protagonistas e coadjuvantes de uma farsa que parece subestimar o cotidiano, o cidadão e a identidade brasileira com sua força e resiliência.
O que deixa mais perplexo é o nonsense da construção informacional da mídia oligárquica. Ao manipular imagens e símbolos, cria uma espécie de fraude comunicacional, comparada apenas às eleições de 1989, quando a realidade criada influenciou a eleição de Fernando Collor.
Três questões podem ser observadas para essa reflexão: a continuidade do espetáculo do mensalão, a imagem dos atrasos e o discurso da incapacidade de realização de um evento internacional; a misoginia e estigmatização de Dilma como mulher incompetente, incapaz e caricaturada como poste e como cabeça dura; e o resgate do derrotismo, do elemento cunhado por Nelson Rodrigues como complexo de vira-latas, fazendo uma retomada de um clima pré-eleitoral.

O miasma da mídia e suas previsões

Antes mesmo de iniciar a Copa do Mundo, resgatou-se um conjunto de signos para atingir a imagem do Brasil e do seu povo. A pantomima dos escândalos do mensalão foi substituída pela comédia dos atrasos e incompetência do povo, do governo e da sociedade como um todo. Mobilizou-se para a espetacularização o drama governamental: administrar a infraestrutura do Estado. O posicionamento das empresas de comunicação da mídia oligárquica com suas propriedades cruzadas foi de uma oposição ferrenha às ações da Copa, mesmo com os lucros bilionários que as empresas tiveram.
A cotidiana produção de escândalos e declarações pessimistas proporcionaram uma contínua rejeição da Copa do Mundo. O que foi celebrado nos discursos como algo importante para reconhecimento internacional e movimentação da economia anteriormente com Lula foi logo posto nas opiniões midiáticas como algo pejorativo e incapaz. Destacou-se diuturnamente a “incompetência” brasileira, a incapacidade do governo e a vergonha em ter um evento internacional. Não faltaram personagens: ex-jogadores, políticos da oposição, apresentadores de TV, jornalistas famosos. A falta de equilíbrio nas abordagens midiáticas lembrou a hipótese da espiral do silêncio, em que qualquer posição contrária às previsões era deliberadamente calada.
No cotidiano, foi reforçado o imaginário de um país sem capacidade de ter uma mínima possibilidade de receber turistas. O conjunto desses discursos foi se esvaziando à medida que o evento foi se aproximando. O ponto máximo dessa patifaria foi o xingamento de Dilma em São Paulo.
O que se viu foi o descrédito, a incapacidade de visão do todo. Observou-se a manipulação das informações, a falta de ética e cuidado, respeito e equilíbrio. O resultado final do evento revelou a possibilidade e potência do Brasil, do seu povo e o sucesso da organização da Copa 2014.

A misoginia e o discurso anti-Dilma

Observa-se mais do que qualquer coisa o tratamento com que a chefe de Estado-governo vem tendo nos discursos midiáticos. Uma forma de incapacitá-la em nível simbólico, atacando sua personalidade, primeiro por ser mulher, ex-guerrilheira e uma das mulheres mais representativas da história do Brasil. O uso da misoginia é colocado em forma de piadas de mau gosto em programas de TV ou mesmo em imagens distorcidas da mulher, mãe, política e estadista que encerra a pessoa de Dilma.
Os discursos anti-Dilma são cada vez mais intensos e tomam forma de piadas com humoristas, charges e posts opinativos nas redes sociais. Cria-se um universo misógino direcionado politicamente para a desqualificação da reeleição da presidenta. A mídia que se autodenominou na função de “oposição” resgata na sua produção cultural as profundezas da miséria social, o ódio contra a figura feminina, o machismo deliberado e fadado à violência cotidiana.
O clímax desse discurso foram os xingamentos contra a presidenta na abertura e final da Copa. Os desdobramentos políticos desses atos vis é o apoio justificando tais dejeções pelos políticos da oposição e seus seguidores da internet.

A volta do que não foi

Concomitante às previsões frustradas, informações desqualificadas e imagens distorcidas e falaciosas do futuro, o que se tem hoje é uma deliberada reação de frustração. O clima em relação ao esporte é a criação de um universo simbólico que associa ao insucesso no campo o subdesenvolvimento estrutural do Brasil.
Expressa-se nas redes sociais o nonsense. Os discursos formam elementos atávicos e de recalque: um complexo de inferioridade reforçado por uma falsa crítica ao Estado; a falta de talento no jogo se iguala aos desmandos educativos, de saúde e distribuição de renda. Novamente as informações falaciosas e descontextualizadas são manipuladas para reforçar o complexo de vira-latas e o clima de derrotismo. A falta de historicidade e senso de complexidade se desdobram em um discurso politicamente direcionado para a indignação, ou mesmo para a manipulação dessa indignação. Tudo isso para atingir outubro, as eleições.
O que se tem é o reforço e a retomada do discurso pré-Copa, do derrotismo, da falta de autoestima do complexo de vira-latas. Ao reverberar esse discurso, cria-se uma falsa imagem do social e político que é construída para não se discutir os abismos, as estruturas ou mesmo o papel dos meios de comunicação e sua organização injusta e oligárquica. Bem como a falta de uma perspectiva mais aprofundada da atuação política, da intrínseca relação entre futebol e meios de comunicação, do papel da CBF, da Fifa e dos boleiros como mercadoria.
A incapacidade dos jogadores em vencer as partidas de futebol não deve se igualar aos desafios da sociedade brasileira. A grande jogada é uma reforma política contundente e uma democratização eficaz dos meios de comunicação. Deve-se ter uma guinada do projeto Brasil: combatendo a miséria, o subdesenvolvimento, as disparidades sociais, econômicas e culturais que permitem essa patifaria dos meios de comunicação.
Por fim, com a perspectiva de uma grande audiência, o folhetim da mídia no máximo pode levar as premiações de ultima categoria, tamanho insucesso da ópera bufa elaborada. Porque seus mecanismos de convencimento não convencem mais. Nem os apresentadores da tarde de sábado e domingo da Rede Globo despertam interesse. Suas opiniões malcriadas e inspiradas nos xingamentos das torcidas são o máximo da qualificação na ideologia dos senhores barões do mercado da mídia oligárquica. Ainda bem que o povo parece ter despertado em saber que perder no campo é sinal de que se deve ganhar em outras áreas.

Moisés dos Santos Viana é jornalista e professor de Comunicação

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