Quarta-feira, 09 de Julho de 2014
ALEMANHA 7 x 1 BRASIL
Explicando o inexplicável
Por Luciano Martins Costa
“VERGONHA, VEXAME, HUMILHAÇÃO”. Em letras de cinco centímetros de altura, a primeira página do Globo escancara, na edição de quarta-feira (9/7), a frustração que representa a goleada sofrida pela seleção brasileira no Mineirão.
O Estado de S.Paulo resume: “HUMILHAÇÃO EM CASA”.
E a Folha de S.Paulo busca uma abordagem mais fria: “SELEÇÃO SOFRE A PIOR DERROTA DA HISTÓRIA”.
Todas as manchetes, em letras maiúsculas.
Os jornais tentam explicar o que não pode ser entendido, justamente por sua extrema simplicidade: a equipe brasileira demonstrou não ter maturidade para enfrentar uma circunstância adversa e não produziu um líder capaz de reorganizar as peças quando o conjunto não estava bem.
Veladamente, os analistas ensaiam algumas críticas ao técnico Luiz Felipe Scolari, depois de passarem o mês inteiro louvando sua suposta sagacidade, sua alardeada capacidade de aliar a malandragem do futebol com a medida eficaz de virilidade. Agora, todos concordam em que ele errou na estratégia e na tática e ficou paralisado quando seus pupilos perderam o controle.
Alguns textos cobram uma mudança radical na organização do futebol brasileiro, defendendo a retomada da Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar irregularidades da Confederação Brasileira de Futebol. Admite-se que a vergonhosa atuação diante dos alemães serve como divisor de águas entre o passado de conquistas e um presente de futebol medíocre, improvisado, extremamente dependente da criatividade de apenas um jogador. Sem Neymar Jr., eliminado da Copa por causa da contusão grave sofrida na partida contra a Colômbia, a seleção brasileira se revelou um time previsível.
Mas seria diferente com ele em campo?
Os especialistas se dividem, mas a maioria acha que Neymar e o capitão Thiago Silva, ausente por ter sido punido com dois cartões amarelos, teriam evitado a derrocada emocional após o primeiro gol dos adversários. Afinal, um resultado como esse, 7 a 1, entre equipes de primeira linha do futebol mundial, não deixa margem para respostas simples: embora seja possível alinhar uma série de causas para o desastre, o que a imprensa tenta fazer é explicar o inexplicável.
O jogo da política
Paralelamente, fora das quatro linhas, a imprensa volta ao jogo sujo: o Estado de S.Paulo usa o editorial para transformar a derrota da seleção em revés político da presidente da República.
Aqui e ali, também os outros jornais fazem especulações sobre possíveis efeitos da humilhante derrota no futebol sobre a política e a economia; uma leitura cuidadosa dos textos escolhidos pelos editores mostra que a imprensa espera uma quebra na confiança demonstrada pelos brasileiros em si mesmos – fenômeno associado por analistas ao bom andamento da Copa do Mundo.
Um colunista da Folha produz uma frase que merece ser dissecada: “O mundo não acabou, mas o bom humor das últimas semanas vai se evanescer aos poucos. O país voltará a se enxergar como de fato é”.
Seria o caso de se perguntar ao profeta diletante: e o que é, de fato, o Brasil, cara-pálida? A se depreender das escolhas editoriais da Folha, o Brasil é um país pobre, depressivo, incapaz de resolver seus desafios históricos. Será isso que quer dizer o articulista? Ou, ao contrário, pode-se afirmar que o brasileiro médio já superou, a esta altura, a derrota humilhante e está enchendo as redes sociais de anedotas sobre si mesmo?
Na sombra da frustração geral, a imprensa especula sobre uma possível retomada das manifestações violentas protagonizadas por aqueles que se opunham à realização da Copa no Brasil. Mas qual seria a justificativa?
A derrota da seleção brasileira não desmancha a percepção generalizada de que o evento tem sido um sucesso. A poucos dias de seu encerramento, acumula uma série de recordes e emoções em alta intensidade – incluindo-se entre elas até mesmo o vexame da seleção nacional diante da Alemanha.
Como se afirmou aqui antes da partida contra a Colômbia, o Brasil de verdade já experimentava o sabor da vitória ao produzir uma Copa em clima de alegre receptividade. A matilha dos vira-latas e os profetas do apocalipse já saíram de suas tocas para tentar derrubar a autoestima dos brasileiros.
Sucumbir ao pessimismo seria a pior das derrotas.
ALEMANHA 7 x 1 BRASIL
Faltou tudo. Principalmente uma imprensa crítica
Por Alberto Dines
Nação-criança, crente no papai-do-céu, no poder de preces, fitinhas ou mandingas. Quando a coisa começou a ficar preta, lá pelo terceiro gol, o speaker Galvão Bueno começou a repetir seu novo bordão: “Calma, gente, isso é esporte, isso é futebol.” Mas ao longo de sua vasta biografia o Narrador-Mor deste Reino descreveu os jogos do nosso scratch ou escrete como se fossem batalhas cruciais, pelejas pela salvação nacional.
A grande verdade – e isso comprova-se facilmente pela web – é que os especialistas da crônica esportiva foram excessivamente complacentes com a Comissão Técnica. Com Luiz Felipe Scolari especialmente. Engoliram sem qualquer esperneio, reclamação ou revolta a convocação dos 23 jogadores. Não perceberam a gritante ausência de um eventual substituto para Neymar e, o pior, acreditaram piamente que, numa emergência, alguns atacantes poderiam vestir sua camisa ou assumir sua função.
Nossa mídia com as estrelas que gosta de exibir e adora envolver-se aprovou os amistosos da seleção, entusiasmou-se com as vitórias de Pirro da primeira fase e, preocupada em não parecer derrotista ou antigoverno, deixou de reclamar na única esfera onde pode e deve influir: o desempenho esportivo.
No malfadado jogo com a Colômbia, a avaliação dos especialistas sobre a armação do time e a atuação dos jogadores foi muito favorável. Passou uma sensação enganosa. Novamente o maldito vamo que’vamo contagiou o país. Somente um comentarista foi rigoroso, evidentemente abafado pelo otimismo.
O medíocre desempenho de Neymar foi eclipsado pelo drama da fratura lombar e a pusilanimidade do árbitro. O aspecto sensacionalista que deveria ter ficado por conta dos repórteres que cobrem os eventos esportivos absorveu toda a atenção dos filósofos da bola nos dias seguintes. Foram deixados de lado os esquemas táticos e as arrumações para neutralizar a ausência do craque. O leitor quer emoções, então vamos enchê-lo de emoções. É evidente que o técnico não vai discutir táticas e escolha de titulares em público, mas cabe à imprensa fornecer aos leitores, ouvintes, telespectadores o material informativo com o qual formará juízos.
Outro passaporte
A nação-criança tem uma imprensa-criança que adora celebrar e não pensa no dever de casa. Os jornalões reinventaram as enquetes populares e enfeitaram suas páginas com retratinhos e palpitezinhos sem qualquer relevância. Nas rádios, antes dos jogos, obedecendo ao dogma da informalidade, os comentaristas divertiam-se fazendo apostas e bolões.
Fascinados com os gadgets e as novas tecnologias, os craques da escrita e do gogó imaginaram que as estatísticas sobre o passado são suficientes para prevenir surpresas futuras. A informática é incapaz de apontar zebras ou evitar calamidades. Inclusive “maracanazos” como o do Mineirão.
Qual o pior – o vexame de 1950 ou o de 2014? O oba-oba na véspera de 16 de julho de 1950 foi menos nocivo e deletério do que a complacência deste início de julho de 2014?
Não é suficiente emocionar-se com o hino nacional cantado à capela por cerca de 58 mil vozes. Mais eficaz seria lembrar-se na véspera do jogo com a Alemanha que o seu hino foi composto por Joseph Haydn (1732-1809), mestre de Mozart e Beethoven. Idade não é documento. Mas treinamento intensivo, tanto físico como psicológico e moral, podem fazer a diferença. A Costa Rica é a prova.
Não basta convocar uma psicóloga para limpar as lágrimas dos bebês-chorões que no jogo da estreia já se mostravam desfibrados.
Incontestável, inquestionável, indiscutível: Deus abdicou de ser brasileiro – não obstante as provas exteriores de religiosidade exibidas nas arenas. É possível que prefira o passaporte alemão, holandês ou (por que não?) argentino.
A grande verdade – e isso comprova-se facilmente pela web – é que os especialistas da crônica esportiva foram excessivamente complacentes com a Comissão Técnica. Com Luiz Felipe Scolari especialmente. Engoliram sem qualquer esperneio, reclamação ou revolta a convocação dos 23 jogadores. Não perceberam a gritante ausência de um eventual substituto para Neymar e, o pior, acreditaram piamente que, numa emergência, alguns atacantes poderiam vestir sua camisa ou assumir sua função.
Nossa mídia com as estrelas que gosta de exibir e adora envolver-se aprovou os amistosos da seleção, entusiasmou-se com as vitórias de Pirro da primeira fase e, preocupada em não parecer derrotista ou antigoverno, deixou de reclamar na única esfera onde pode e deve influir: o desempenho esportivo.
No malfadado jogo com a Colômbia, a avaliação dos especialistas sobre a armação do time e a atuação dos jogadores foi muito favorável. Passou uma sensação enganosa. Novamente o maldito vamo que’vamo contagiou o país. Somente um comentarista foi rigoroso, evidentemente abafado pelo otimismo.
O medíocre desempenho de Neymar foi eclipsado pelo drama da fratura lombar e a pusilanimidade do árbitro. O aspecto sensacionalista que deveria ter ficado por conta dos repórteres que cobrem os eventos esportivos absorveu toda a atenção dos filósofos da bola nos dias seguintes. Foram deixados de lado os esquemas táticos e as arrumações para neutralizar a ausência do craque. O leitor quer emoções, então vamos enchê-lo de emoções. É evidente que o técnico não vai discutir táticas e escolha de titulares em público, mas cabe à imprensa fornecer aos leitores, ouvintes, telespectadores o material informativo com o qual formará juízos.
Outro passaporte
A nação-criança tem uma imprensa-criança que adora celebrar e não pensa no dever de casa. Os jornalões reinventaram as enquetes populares e enfeitaram suas páginas com retratinhos e palpitezinhos sem qualquer relevância. Nas rádios, antes dos jogos, obedecendo ao dogma da informalidade, os comentaristas divertiam-se fazendo apostas e bolões.
Fascinados com os gadgets e as novas tecnologias, os craques da escrita e do gogó imaginaram que as estatísticas sobre o passado são suficientes para prevenir surpresas futuras. A informática é incapaz de apontar zebras ou evitar calamidades. Inclusive “maracanazos” como o do Mineirão.
Qual o pior – o vexame de 1950 ou o de 2014? O oba-oba na véspera de 16 de julho de 1950 foi menos nocivo e deletério do que a complacência deste início de julho de 2014?
Não é suficiente emocionar-se com o hino nacional cantado à capela por cerca de 58 mil vozes. Mais eficaz seria lembrar-se na véspera do jogo com a Alemanha que o seu hino foi composto por Joseph Haydn (1732-1809), mestre de Mozart e Beethoven. Idade não é documento. Mas treinamento intensivo, tanto físico como psicológico e moral, podem fazer a diferença. A Costa Rica é a prova.
Não basta convocar uma psicóloga para limpar as lágrimas dos bebês-chorões que no jogo da estreia já se mostravam desfibrados.
Incontestável, inquestionável, indiscutível: Deus abdicou de ser brasileiro – não obstante as provas exteriores de religiosidade exibidas nas arenas. É possível que prefira o passaporte alemão, holandês ou (por que não?) argentino.
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