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10 de julho de 2014
A inacreditável nota de instituto do PSDB sobre a seleção
Por Paulo Moreira Leite
Nem o general Octávio Costa, que escreveu alguns discursos de
Emílio Médici, titular do pior período da ditadura militar, seria capaz
de produzir as linhas que seguem abaixo.
Centro da agitação eleitoral do PSDB, o Instituto Teotônio Vilela
divulgou uma análise sobre a derrota de 7 a 1 com linhas inacreditáveis.
Leia alguns trechos.
Num parágrafo, procura-se comparar traços culturais de alemães e brasileiros para dizer que…
“ A histórica derrota sofrida pela seleção pode servir como lição
para que o Brasil se torne um país melhor. A vitória alemã representa o
triunfo da técnica, da disciplina, do método e do rigor sobre o
improviso, o descompromisso e a fé em que, no fim, tudo vai dar certo,
porque, afinal de contas, Deus é brasileiro e conosco ninguém pode.”
Também se combate o otimismo de uma população, que jamais comungou
do pessimismo de suas elites – o que era reconhecido por Tancredo Neves –
para falar da “ maior goleada da história do futebol mundial. Um vexame
de proporções homéricas. Será que isso não nos diz algo sobre o que
acontece quando abdicamos de fazer o que é certo apostando que, ainda
assim, no fim nada vai dar errado?”
Numa exibição de quem pretende usar desgraças do futebol para
ganhar pontos na política, mas não conhece uma coisa nem outra,
afirma-se:
“O pior que pode acontecer agora é ignorar que o fiasco da seleção
deve muito à forma com que os problemas são enfrentados no país. (…) Sem
sacrifícios. É o cúmulo da cultura da esperteza, que só nos afunda, mas
não está presente apenas no esporte. Pelo contrário.”
É assim, sem sutileza, que se pretende transformar um jogo de
futebol em metáfora da situação política. Tratando brasileiros como
adeptos da ” cultura da esperteza”, que querem se dar bem ” sem
sacrifícios.”
A ideia do brasileiro como formado na ” cultura da esperteza” está no Zé Carioca, personagem colonial de Walt Disney, certo?
A ideia de que os brasileiros querem o sucesso ” sem sacrifícios” é
tipica de quem acha que o salário mínimo está alto demais e precisamos
de ” medidas impopulares.” É grotesco.
Cumpre lembrar que unir futebol e política é um exercício sempre
perigoso. A gloriosa seleção do Tri de 1970, a melhor de todos os
tempos, foi formada quando o país vivia sob o pior regime de todos os
tempos. Era o auge da tortura, das execuções, da perseguição política.
Era uma economia que crescia – mas concentrava renda e ampliava a
desigualdade entre os brasileiros. O jogo de Pelé, Tostão, Gerson &
os outros era um retrato do futebol Brasil da época. Sua melhor geração
na historia.
Mas atuava em outra esfera, ou estratosfera.
Não serve como elogio a tortura – como tentava fazer a propaganda Ame-o ou Deixe-o.
A Seleção do Brasil de 2014 é um retrato de nosso futebol. Era um
time que jogava aos trancos e barrancos, que contava com a
sorte,caneladas e gols estranhos para avançar e chegar até onde fosse
possível. Nunca prometeu mais do que isso — embora fosse possível, como
já aconteceu em outras copas, imaginar um resultado melhor.
Comparar o 7 a 1 do Mineirão com o Brasil real é um exercício primário de marketing e ignorância política.
Até porque é preciso ter perdido todo contato com a realidade
social e econômica do país para imaginar que a partir de 2003 o Brasil
sofreu, como nação, qualquer coisa que possa ser comparada a uma
goleada. A renda está melhor distribuída. O desemprego é um dos mais
baixos do mundo. O ensino superior nunca cresceu tanto – nem de forma
tão rápida.E as escolas técnicas? E a política de habitação popular?
Vamos olhar para o que é importante. Futebol é símbolo, ensina a
metáfora Patria de Chuteiras, de Nelson Rodrigues. Aumenta nossa
alegria, o afeto, a vontade de rir. Mas não pode encobrir a realidade
cotidiana, nem para o bem, nem para o mal.
Mas o esforço para transferir o 7 a 1 para o cotidiano dos brasileiros está em outros lugares.
Lendo apenas as manchetes dos jornais de hoje, você encontra
palavras humilhantes: “Vergonha, vexame, humilhação.” Ou: “ Um vexame
para a eternidade.” Ou: “a partir derrota da história.” Ou ainda:
“Humilhação em casa.”
Vamos combinar. Há momentos em que é preciso separar a vida real da literatura – ou do futebol.
Foi Alberto O. Hirshman, intelectual social-democrata do
pós-Guerra, muito citado nas obras da pré-historia do PSDB, que criou o
conceito de fracassomania.
Enfrentando a resistência a todos esforços políticos para criar
leis e realizar reformas capazes de atender aos interesses da maioria,
Hirshman explicava que o principal argumento conservador de nossa época
não é discutir o que está certo, nem o que está errado – mas convencer a
população de que as mudanças, mesmo bem intencionadas, estão
pré-condenadas ao fracasso. Nunca darão certo, diz a teoria, porque cedo
ou tarde os interesses maiores do sistema vigente serão capazes de
retomar seus direitos e reverter aquilo que foi conseguido. O resultado,
assim, é que toda tentativa de progresso está destinada a dar errado – e
não passa de desperdício de tempo e energia. Pretende ajudar mas acaba
atrapalhando quem pode resolver as coisas — isto é, o mercado. O melhor
fazer, conclui a fracassomania, é deixar tudo como sempre esteve ao
longo dos anos e anos.
Essa é a ideia por trás das frases do dia. Querem nos convencer
que o país estava ao passo da gloria – mas acabou derrotado porque ainda
não se tornou suficientemente alemão, atitude que “representa o triunfo
da técnica, da disciplina, do método e do rigor sobre o improviso, o
descompromisso e a fé em que, no fim, tudo vai dar certo, porque, afinal
de contas, Deus é brasileiro e conosco ninguém pode.”
Sabendo de nosso complexo de vira-lata, não supreende que tenha uma
gente que é louca para deixar de ser brasileiro. Traumatizados, querem
virar alemães sem sequer pedir licença para a turma de Angela Merkel.
Não querem ganhar uma eleição mas pretendem mudar uma cultura. No
fundo, não gostam de futebol. Seu deprezo é tamanho que num texto
partidário, de quem está querendo votos, falam mal da entrada de Bernard
em campo. Pode?
É uma gente que não entendeu nada, certo?
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